Oração ao Mar
o mar, o mar, sempre recomeçado!
VALÉRY
Ontem fui ao mar. A este mar das fotografias onde costumo ir com o meu marido. Fui àquele mar de oceano Atlântico que é uma mar cheio, um mar cuja movimentação não pára, um mar que nos abraça para sempre a memória com uma beleza e uma força indizíveis.
Tenho ido ao mar este ano, mas nenhum estava como o de ontem. Entregava-se, provocava-nos, enrolava-nos, fazia ninho connosco quando o mergulhávamos. Não sei dizer o tanto que ele é para mim. Nunca soube. Só queria ter a certeza de que ele não se esquecerá de mim e das horas minhas dentro dele. É que são horas dele e gostaria que o soubesse por ser uma entrega. Sim, por ser uma entrega.
O meu marido ensinou-me em Cabo verde, a “furar” as ondas grandes, e se o meu amor pelo mar já era inseparável de mim, a partir daí, passou a viciar-me num feitiço de paz e turbulência lúcidas, num feitiço de quem me diz coisas que mais ninguém diz ou sabe dizer como eu quereria. Por ele, por graças a ele, sinto-me menos só nas inúmeras vezes que a vida nos faz só.
Nele viajo por todas as realidades desejadas que o não foram e por todas as alegrias fantásticas que o são. Nele viajo fazendo o transbordo das ondas enquanto chamo o céu à pele do mar e peço que me segure sempre, num até além de maio, e possa eu senti-lo de novo, e ter tempo de emendar naturezas e caminhos de aguarelas que me escaparam nos dias em que vagabundos os meus olhos o não viram.
Do meu mundo, o mar, é muito do que me resta. É para mim o meu grande livro encadernado. Eu e ele, juntos, seremos sempre os autores de inacabadas cartas inéditas, ainda que as dele me sejam entregues por um correio de ar, por ser um modo explícito da verdade subir ao céu.
Esperarei mar. Esperarei ver-te sempre e sentir-te como quem se apoia sem pudor naquela estação da vida que só se percorre de mão dada à tua margem.
Amén!
Tua Teresa
Tua Teresa Bracinha Vieira
Agosto 2016