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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A Denúncia do Simulacro

  


(in Jornal Euronotícias 29.01.01) 

A todos deveria ser garantido o direito ao Ser e à sua transmissão por vida ou por morte.

Eis uma tarefa que não deveria carecer de afirmação e que, contudo, tem a função de se opor à fácil digestão de tudo o que nos rodeia, enquanto ordem do dia. Ao longo da História, sempre a desengonçada praga de seres fictícios infetou as fontes de energia dos humanos que reivindicavam em silêncio ou não, a capacidade de se surpreenderem e interrogarem face à profundidade dos mundos. Hoje, impõe-se a obnubilação a quem se aventure, insistindo-se em designar o que não deve ser olhado, interditando a espessura do mundo e dos seres. Acredito não ser desprovido de sentido, os inúmeros elucidários de como elaborar documentos sem interesse geral ou particular, bem como a forma que devem revestir as procurações de mando, os requerimentos não especificados mas que se destinem a averbar o foro do Ser, não esquecendo todas as necessidades de consultar as formalidades após falecimentos e demais assuntos.

A tentativa de fratura da pedra filosofal a tudo obriga.

Acresce que há que reduzir ao mínimo custo de manutenção, este estado de coisas, já que a tarefa da uniformização da sensibilidade existente, teve o seu preço ainda que realizasse e concretizasse o titanismo estereotipado. Assim, glorificam-se como símbolos da dignidade os excelsos na arte de ludibriar.

Universidades, laboratórios, empresas e famílias, muitas delas, formam hoje uma casta de avanços infinitesimais que elevam o “saber” que produzem a um estranho nevoeiro capaz, muitas vezes, de ensombrar o Conhecimento que desde Aristóteles constituiu o saber humano. Incapazes de ver para além do estreito círculo de pequenos achados inúteis, gentes liliputianas, pululam ligadas a redes de troca do esquecer do Ser, exalando ácidos suores que impedem os Homens de clonar a esperança.

Agrava-se a vida em penar, a quem quer que tente perceber o mundo interior da absurdidade para que se deixe de doar parcelas de equívoco que simulam o Todo: de ato mais totalitário, desconheço melhor exemplo.

 Esquecem ou desconhecem, os radares deste absurdo exército, quais os diferentes pontos de escuta e a qualidade dos mesmos, razão pela qual e por via de escassas dúvidas, esta teia, nos seus interstícios, tem por objetivo agredir cegamente a própria identidade dos seres, retirando-lhes as raízes, sem as quais o mendigar é certo e donde a liberdade se encontra excluída. Aguçada a insânia face ao sucesso do mercado, torna-se urgente reagir aos protagonistas destes tempos e destes horizontes.

Ninguém desejará sobreviver preso ao mundo que lhe resta, ao qual se lhe pode subsumir o nome de “écran-circo-simulado-de contrato-social.”

Não se descuide, todavia, que o Homem solitário, sofrido e lúcido, não é mero espectador do irrisório mas trágico espetáculo que não traz à cena. Este Homem solitário é em Si um universo separado do destino do restante universo a que se opõe. Este Homem solitário acredita que o Estado se mantém também graças ao medo.

Este Homem solitário é avassalador face à máquina central: enfrenta-a para dar resposta à sua própria exigência; cumpre sem preço e sem dono o seu próprio íntimo. Este Homem solitário é atento à comunidade e aos desígnios com que a desejam confundir, sobretudo quando por subtis trejeitos se vai entendendo ser um “robot” mais valioso do que uma multidão tão cedo desta vida descontente.

 

Vive-se o plexo da anulação das vidas, da desflorestação das ideias, desdenhando-se os dias anteriores e posteriores à transgressão, ainda que esta, por saberes indizíveis, condenada a não ter preço como a poesia. É o desejo de nenhuma insurreição enfim possível! Que o cimento oculte o brilho! Não descuido, devo dizer, que também faz parte integrante de um processo que inculca a meta-mercadoria, a supressão da magia da infância em cada um de nós, exatamente aquela que leva o espírito ao desassossego do porquê, aquela cujo propósito era distinguir sabores e dá-los a experimentar...

Resta a palavra e a atitude; a denúncia do simulacro.

Creio que sempre germinará uma força sagrada face aos que só dispõem de aparência de vida; face aos diminutos por excelência que para si demarcam os limites do universo e, quando já se não olha em volta, quando não se medem consequências ou, em cegueiras de poder incontidas, se não cuide que os seres enfrentam riscos insanáveis, doenças irremediáveis, ouro esverdinhado, então que alguém lembre:

 

“Vai, voa, Sonho pernicioso (...) E o Sonho partiu após estas palavras”.  


ILÍADA

Teresa Bracinha Vieira