A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XIV - LÍNGUA PORTUGUESA E NOVAS TECNOLOGIAS
1. Se a língua portuguesa tem o seu lugar entre as mais faladas, tal constatação não constitui, por si só, contentamento suficiente. “Língua que não se informatize, morre”, proclamava, em 1986, o Manifesto Europeu para Salvaguarda do Património Linguístico da Europa. Em rigor, uma língua não morre se não se informatizar, tornar-se-á, por certo, sem serventia adequada para o desenvolvimento, excluindo-se do pelotão da frente dos grandes idiomas. Continuando o português a informatizar-se, com realizações informáticas (com o software em português) e o envolvimento em projetos em busca de tradução automática, rumo a um maior desenvolvimento informático futuro, não será por omissão, como língua informática, que deixará de ser um idioma de vanguarda.
Estando o português excluído do grupo de idiomas conhecido por “línguas atrapalhantes”, sendo tido como uma boa língua para literatura, é também um dado adquirido que não atrapalha o raciocínio e a imaginação científica, uma vez amigo das ciências. Tendo o vocabulário científico e técnico como inerente a ideia de que para a modernização tem de haver um idioma que crie, amplie e atualize permanentemente um vocabulário dessa natureza, há interesse na criação de uma base sólida para construção de um vocabulário científico e técnico em português padronizando, quanto possível, a terminologia científica e técnica usada nos países de expressão portuguesa ou, se inadequado, registar as suas variações terminológicas. Trata-se de matéria em que um acordo ortográfico sobre tal vocabulário (específico) é desejável, a merecer ser consensual. Outro setor onde a nossa língua tem potencialidades de sucesso crescente é o do audiovisual, a começar pelo número de falantes, sendo usual exemplificar-se o êxito das telenovelas e algumas séries do Brasil.
2. Outros desafios se colocam, numa época em que o imediato e o mutável tomam o lugar do estável, do mediato e do permanente, emergindo novos discursos, via intervenção tecnológica, em que literacias e iliteracias já não são o que eram. Há uma banalização das mensagens instantâneas, de preferência entre jovens, trocando mensagens sms, curtas e a baixo custo, possibilitando diálogos concisos e diferidos, por vezes carregados “k” e “y”, palavras formadas pela justaposição de uma ou mais sílabas de outras palavras tidas como ininteligíveis, acentuando o banimento da língua para um mero meio expedito de interação entre pessoas e de satisfação de necessidades imediatas e funcionais. O correio eletrónico, as conversações nos blogues e nos “chat”, o uso permanente e massificado dos telemóveis e dos sms, de frases curtas, sincopadas, com abreviaturas generalizadas e recurso a ideogramas, criam e recriam, em brevidade e celeridade, simplificações na construção de frases. Esta diminuição do recurso à língua escrita, por um lado, e a crescente projeção, por outro, da língua falada na escrita, numa função ostensiva e fática de comunicação, fazem surgir novas realidades que implicam uma revisão e atualização da política da língua. O que se reflete em formas de aprendizagem contextual, com apelo à aquisição de modo quase instantâneo do que se quer aprender, por contraste com a anterior acumulação preventiva de saber. Há uma expansão dos blogues e blogosfera, tidos como fenómenos inovadores de produção literária, sem esquecer as comunidades em linha (on-line), embriões de novas dinâmicas de interação alargada.
Ao mesmo tempo, toda e qualquer língua está aberta a alterações, como aquando da interferência de línguas alheias e o uso e difusão de neologismos relacionados com a internet. Embora possam ser vistos como um fator de vitalidade, carecem de uma intervenção linguística que permita a sua integração harmoniosa na língua importadora. Uma entrada massificada de palavras importadas (estrangeirismos e empréstimos), pode conduzir à descaraterização do idioma de acolhimento, levar a que o idioma que importa indiferenciadamente deixe de ser usado em contextos de comunicação técnica e científica, com perda do seu estatuto de língua de ciência, técnica e de cultura. O que torna necessária uma política de planificação que permita, promova e salvaguarde que uma língua de comunicação quotidiana e de aprendizagem, transite para uma de comunicação técnica e científica, apetrechada para qualquer situação comunicativa.
3. Simultaneamente, com a globalização surge a internet, com os seus fluxos imaterializados e universalização planetária, onde o fator língua é e será um instrumento imprescindível para o seu uso, divulgação, operacionalidade e rentabilidade, pelo que não surpreende que essa mundialização tenda a operar em blocos linguísticos, em especial via línguas dinâmicas, como a portuguesa (língua internauta). Se a internet propicia e é um instrumento da globalização, se o aumento do poder das mentes humanas, através das máquinas (internet, etc) é extraordinário, também é um meio de exclusão. A primeira, é não estar na internet. A segunda, é que a diferença cultural potencia a diferença social, em que os mais cultos aprendem a uma maior velocidade (na net) que os menos cultos.
Por fim, a facilidade, instantaneidade e a universalização das comunicações, banalizaram o falar por telemóvel e a permuta de diálogos, ideias e informações por meios eletrónicos, reduzindo as distâncias com reflexos nos idiomas, fixando e definindo, cada vez mais, o modo como se fala. Há quem defenda, como Nicholas Ostler, que a comunicação do século XXI se baseará cada vez mais na tecnologia (máquinas de tradução e interpretação automática) e não tanto no conhecimento de uma língua franca.
Se há que saber interpretar a declaração “Língua que não se informatize, morre”, também há que fazê-lo ao afirmar-se que se é verdade que “com a internet não se come”, não é menos verdade que “sem a internet não se come”.
19 de setembro de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício