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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Uma breve introdução às casas de Kazuo Shinohara. 

 

'Gostaria que as casas que projeto permanecessem nesta terra para sempre. Não confio no tipo de projecto que dá prioridade à função. Quando um espaço possui uma beleza superior, terá necessariamente direito a uma vida mais prolongada. Não será natural que um arquiteto queira que a sua casa seja amada pela família que a habita? No entanto, a sociedade frenética em que vivemos mostra-se indiferente perante tais imperativos.'
Kazuo Shinohara, 'Teoria da arquitetura residencial', 1967

 

Kazuo Shinohara (1925-2006) é um arquiteto japonês, que começou por estudar matemática, e que em grande medida influenciou a forma de pensar a casa e a cidade contemporânea.

 

'I majored in mathematics before studying architecture. Therefore, for me, thinking about mathematics is almost the same as thinking about architecture. It is like two sides of the same coin. I first started to talk about the “mathematical city” around 1967. The concept first provides a reason for small houses to exist; and then an opposing aspect emerges, so that the huge urban space of the city itself surfaces. My own vision was perfectly synchronized with the fact that the composition of a city has a complex mathematical nature. It was a mathematical approach positing that very state of confusion, or lack of unity, as its essential significance.', Kazuo Shinohara em entrevista com Hans Ulrich Obrist.

 

Shinohara faz parte de uma geração de arquitetos que questiona o modo uniformizado do movimento moderno - 'The central concept of modernism in the 20th century has been to unify. One of the concepts was an “international style”, by which architects tried to unify everything making use of its clarion principles. Now we’re approaching the 21st century and I am writing a series of articles, which say that the “un-unified” will assume superior value over humdrum unity. Restoring disjunction will become more important during the next century. There is beauty in chaos.', Kazuo Shinohara

 

A sua obra concentra-se essencialmente no tema da casa e dos seus espaços profundamente idealizados. Shinohara acredita na arquitetura como meio que transmite emoções.

 

'I believe that the world flows ceaselessly through the small spaces of the house.', Shinohara, 1971

 

Lê-se no texto de Enric Massip-Bosch ‘Kazuo Shinohara: Más allá de estilos, más allá de la domesticidad.’ que as casas - bastante pequenas - de Shinohara tem a forte intenção de colocar emoção no centro dos espaços projetados. Esta emoção resulta da conjugação de uma série de dualidades - urbano/doméstico, sagrado/profano, formal/informal, ordem/caos.

 

Shinohara escreveu tanto como projetou. As suas reflexões beneficiam do encontro com as complexidades da realidade. Existem dois tipos de escritos. Por um lado, existem textos acerca da tradição arquitetónica japonesa e as suas condições urbanas. Estes temas dominam as suas preocupações desde o início do seu percurso e dão bases a Shinohara para construir a sua própria obra. O seu interesse pela tradição é assim meramente instrumental, uma espécie de ponto de partida para a contemporaneidade.

 

Por outro lado, Shinohara escreveu textos que exploram as ideias que constituem o cerne dos seus projetos. É uma tentativa do arquiteto em racionalizar um processo altamente irracional e intuitivo. Surpreendentemente, a teoria dos seus projetos surge, claro durante o processo de projeto, mas também e sobretudo através da sua experiência de construção. Shinohara é um arquiteto muito conceptual, mas que se empenha sempre em estabelecer um comprometido compromisso com a realidade. Só assim, as suas teorias poderão influenciar e modificar verdadeiramente a vida quotidiana e as suas necessidades reais (estruturais, funcionais ou económicas). 

 

Shinohara ao afirmar que tem como intenção primeira a de construir casas eternas, contradiz a ideia de que a arquitetura tradicional japonesa é de uma materialidade muito frágil e que não é concebida para resistir ao passar do tempo. Shinohara interessa-se assim pelas estruturas estáveis e permanentes e pelos espaços duradouros - e não por espaços meramente consumíveis ou descartáveis.

 

Shinohara adota sim uma posição militante: deseja formar espaços que sejam o suporte espiritual dos seus utilizadores e que lhes deem poder e sabedoria para enfrentarem o crescimento aterrador e as influências da sociedade tecnológica contemporânea. Só assim o homem poderá distanciar-se da vertigem da vida quotidiana.

 

A arquitetura tradicional japonesa é feita para um observador/utilizador estático. Shinohara deseja antes projetar para um observador em movimento. Por isso os espaços interiores das suas casas não se concretizam apenas na confortabilidade, na complacência, nem apenas na banalidade. O arquiteto cria emoções através da recorrência a sensações irracionais que questionam a experiência diária do espaço doméstico. E a estrutura desempenha aqui um papel crucial. Mesmo nas suas casas mais pequenas as soluções estruturais são muito audazes e dramáticas. É este o elemento chave para que Shinohara crie uma nova, dinâmica e memorável experiência espacial. Uma experiência que se concretiza através do movimento do observador no espaço.

 

Sendo assim, Kazuo Shinohara ao justapor nas suas pequenas casas elementos estruturais muito audazes e por vezes ambiciosos na escala e na dimensão, introduz intencionalmente a surpresa, a justaposição, a disfunção, a inquietação e a incerteza ao espaço. Esta é a sua resposta à uniformidade do modernismo e às exigências da vertiginosa sociedade contemporânea. Deste modo, levanta-se igualmente a questão da identidade- para que o homem crie uma profunda ligação às formas construídas e se sinta profundamente identificado com elas, estas têm de apresentar algo único e individual - e Shinohara tenta introduzir esta singularidade através de elementos inesperados e de elementos que provocam o questionamento da utilização banal do espaço doméstico.

 

Ana Ruepp