A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XV - DIMENSÃO ESTRATÉGICA E DE VANGUARDA
Após longas viagens, Portugal sente-se inseguro em arrumar tantas memórias num espaço geográfico territorial tão estreito. Desfeito o império, regressa a casa e sente-se detido. O fim dos impérios coloniais converteu as antigas potências colonizadoras numa espécie de depressão pós-parto. Antigas colónias, como o Brasil, e mais recentemente as outrora possessões ou províncias ultramarinas, como Angola, emergem e assumem-se como protagonistas a vários níveis. O mesmo sucede com o fim do império inglês, francês, espanhol e holandês. Com reflexos culturais, por exemplo, na literatura, na música popular, artes plásticas e desporto. Tendo como representantes principais um número cada vez maior de autores, intérpretes, artistas e desportistas de origem americana, africana ou asiática. Também em Portugal essa presença já é notória: Mariza, Sara Tavares, Kalaf, Da Weasel, Buraka Som Sistema, Luanda Cozetti, Nelson Évora, Patrícia Mamona, Susana Costa, Luciana Diniz, Pepe, Éder, Renato Sanches, etc. Sem esquecer a cada vez mais consagrada e presente literatura lusófona, de procedência brasileira ou africana, música, telenovelas e séries do Brasil.
Ao português, como língua de estratégia e de vanguarda, importa delimitar objetivos e prioridades na sua divulgação e promoção a nível planetário e das culturas que a partilham, como meio de alcançar intentos e fins mais amplos de natureza comercial, cultural, diplomática, económica, jurídica, política. Tendo sempre presente ser a língua, para além da sua imaterialidade, um assunto e um produto cultural economicamente relevante e rentável, com consequências tecnológicas, de imagem e marca externa do país, ultrapassando meras referências simbólicas.
Em linhas gerais, são enumerados como argumentos básicos de defesa dessa estratégia e vanguarda, os da coesão, da disseminação pelos descobrimentos, da diáspora portuguesa, lusófona, contemporânea, da dimensão de mercado, da globalização e do seu potencial geoestratégico. Quanto a nós, importa ainda falar do português como idioma de cultura, pluricultural, de exportação, intercontinental, transoceânico, como língua informática, internauta, sendo predominantemente, e cada vez mais, não-europeia, tendo como referência, a este respeito, a sua distribuição espacial e demográfica.
No imediato, a curto e médio prazo, o estatuto universal da língua portuguesa não está em perigo. Não, no essencial, por aquilo que nós, portugueses, tenhamos feito ou fazemos, pois temos feito pouco. Mas pelo peso e poder emergente, demográfico e económico do Brasil, sem prejuízo de outros de independência recente, onde sobressai Angola e Moçambique. Tem de se compreender que, a nível global e internacional, não há futuro, de momento, para a língua portuguesa sem o Brasil e sem os futuros falantes do continente africano, segundo as previsões demográficas para os próximos cinquenta anos. Não está em causa uma questão de liderança, mas sim de realismo.
Ao invés, o estatuto europeu do nosso idioma está ameaçado, desde logo na União Europeia, onde Portugal é parte integrante, onde não fizemos, nem fazemos, o suficiente para a defender, promover e valorizar. O que põe em risco o seu estatuto universal, a sua dimensão estratégica e de vanguarda. Imagine-se os demais povos, não residentes na Europa, que partilham connosco um idioma comum, aperceberem-se que para falar com os europeus e a UE, ou estes com eles, de nada os beneficiar falarem português, concluindo que Portugal abdicou das suas responsabilidades históricas.
Daí a necessidade de o português se impor como uma língua de comunicação global, de estratégia e de vanguarda, entre a Europa e outros continentes, e nunca, ou apenas, como uma língua intraeuropeia, local e regional, a par das outras línguas oficiais da Europa e UE.
10 de outubro de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício