A TRADIÇÃO OITOCENTISTA DOS TEATROS DE SANTARÉM
Assinalamos aqui uma, chamemos-lhe “tradição oitocentista” de edifícios de teatros e /ou cineteatros na cidade de Santarém: mas refira-se que o mais significativo, no ponto de vista urbano, técnico e arquitetónico, está abandonado, mais ou menos arruinado e dele restará, mal, a fachada – e isto, apesar da tradição, da memória e inclusive, da organização recente de movimentos de cidadãos para o restauro daquilo que resta.
O que resta é a fachada do Teatro Rosa Damasceno, projeto do arquiteto Amílcar Pinto, inaugurado em 1938 e de certo modo inspirado no Eden lisboeta. Mas assinala-se que este Teatro, ou melhor, este cineteatro de Santarém, ou o que dele resta, situa-se rigorosamente no local onde, em 1884, se inaugurou um então chamado Teatro de Santarém, com 800 lugares de plateia, 60 camarotes e geral. E esse é que, em 1893, passa a chamar-se Teatro Rosa Damasceno, homenagem à atriz que viria a falecer em 1904 e que inaugurou o Trindade de Lisboa.
O projeto original do Teatro Rosa Damasceno de 1884/1893 deve-se ao arquiteto José Luís Monteiro e inspira-se de certo modo no velho Teatro Gymnasio de Lisboa.
Jorge Custódio, num relatório elaborado para a Camara Municipal de Santarém e que cito em “Teatros de Portugal” (ed. INAPA 2005 págs. 65/66) compara os dois Teatros Rosa Damasceno numa perspetiva de análise arquitetónica.
Assim, no primeiro, (1884) “nota-se a influência clássica assumida na organização da fachada, na modelação de frontões circulares e quebrados das janelas e no apontamento das pilastras decorativas que ritmam o 1º piso”.
Isto, no que se refere pois ao primeiro Teatro Rosa Damasceno. Porque, quanto ao segundo, Jorge Custódio sublinha a diferença de estilos arquitetónicos:
“Se na primeira sala o teatro responde ao gosto romântico, eclético rebuscado de arquitetura e arte de belle époque, a nova sala procura romper com a tradição oitocentista da arquitetura de Santarém, enveredando claramente pela arte moderna, pelo internacional style, pela art deco (…) uma obra-prima”…
E este segundo Teatro Rosa Damasceno, de que resta apenas a fachada, merece destaque encomiástico de José Manuel Fernandes, documentado por uma fotografia: “assume uma qualidade invulgar quer no desenho e volumetria exterior, quer no ambiente interior. Projeto de 1939, de Amílcar Pinto, apresenta interessantes desenhos de luz nos foyers e camarotes e uma luminosa geometria nos envolvimentos da fachada” – que foi o que restou… (in “Cinemas de Portugal” ed. INAPA pág. 128).
E deve-se referir ainda uma tradição de teatros e de espetáculos em Santarém, que descrevo no meu livro acima citado. Assim, refiro um Teatro S. João de Santarém ou São João de Alporão, que entre 1849 e 1876 ocupou e transformou a velha Igreja de São João de Alporão, onde se instalaria o Museu Arqueológico. E já antes se produziram espetáculos na Igreja de São Martinho, em 1810/11, no quadro das invasões francesas; ou uma representação do “Frei Luís de Sousa” em 1847, a que Herculano teria assistido…
E cito para terminar algumas referências expressas e ambientais a Santarém no teatro português: desde logo “O Alfageme de Santarém” (1842) e “Falar Verdade a Mentir” (1845) de Garrett, onde uma das invenções compulsivas do protagonista Duarte é “ter sido recebedor em Santarém”; ou “A Tomada de Santarém por D. Afonso Henriques” (1846) de José Maria Bordalo, ou tantas mais peças de Salvador Marques, Alves Redol, ou, até pelo, pseudónimo, as peças de Bernardo Santareno!
DUARTE IVO CRUZ