A FORÇA DO ATO CRIADOR
Por uma complexidade urbana.
'The expression of modern townscape must be found in the beauty of chaos, and not necessarily in that of harmony.', Kazuo Shinohara
Kazuo Shinohara escreveu longamente sobre a cidade. E desde sempre manifestou preferência pelo planeamento urbano que se baseia numa estrutura de lotes com pequena dimensão. Shinohara é fascinado pelo crescimento urbano aparentemente irracional, caótico e repentino - pela disposição de casas que apesar de estarem lado a lado nada têm a ver umas com as outras.
'There is a certain beauty in districts never intended for (aesthetic) appreciation, while beauty does not exist in modern communities in which individual houses were designed to be beautiful.', Kazuo Shinohara
Nesta forma de projetar, Shinohara vê uma possibilidade de trazer vida e complexidade para a cidade de modo a superar, por um lado, o movimento moderno introduzido logo após a Segunda Guerra Mundial e por outro lado, a mega escala repetitiva e inumana das gigantes formas orgânicas, geométricas e mecânicas propostas pelos arquitetos metabolistas, no início dos anos 60.
Para os contemporâneos de Shinohara era impensável projetar através de conceitos relacionados com a pequena escala, o caos, a complexidade, a irracionalidade e a arbitrariedade. Na década de sessenta, do séc. XX, o Japão assistiu a um crescimento urbanístico desmedido, associado a um rápido crescimento económico - o país transitou de uma sociedade que recuperava da guerra para outra altamente industrializada. E Shinohara explicita no texto 'Toward a Super-Big Numbers Set City and a Small House Beyond' (Shinohara, 2000) que os arquitetos mais progressistas, por esses anos, lamentavam a falta de conceito urbano nas cidades japonesas existentes e por isso projetavam as suas esperanças em cidades utópicas e infraestruturas colossais.
Foi através da sua formação em matemática, mas também através da investigação sobre a composição espacial dos edifícios tradicionais japoneses, que Shinohara começou a compreender a cidade como um sistema altamente abstrato determinado por um número infinito de funções urbanas - e este tipo de complexidade nunca tende para uma solução construída totalmente autónoma. Shinohara acredita que a essência da cidade é matemática e não uma expressão meramente formal. É uma entidade extremamente complexa e caótica, constituída por inúmeros elementos de diferentes dimensões em fluxo contínuo.
'A certain vibrant physicality and spatial sensibility that one comes across, whether in a crowded street or at some unknown street corner, is the starting point for my personal urban aesthetic of the contemporary city.', Kazuo Shinohara
Shinohara deseja criar um complexo sistema espacial que não se baseia simplesmente na zonificação, ordem, racionalidade e unificação, mas que se afirma na beleza do caos profundamente envolvido na tradição japonesa e nos aspetos mais essenciais da vida quotidiana.
A raiz do conceito de anarquia progressiva, que Shinohara introduz, reside na intensificação dos fenómenos de confusão, fragmentação, simultaneidade e turbulência da sociedade contemporânea. A composição bem ordenada das cidades e dos edifícios foi um modelo de beleza dos impérios antigos, dos estados monárquicos e das ditaduras, como afirmação máxima de poder. Shinohara declara assim, que as cidades não devem ser desenhadas, nem controladas. Ao aumento da complexidade, vitalidade e viabilidade deve associar-se uma sucessiva perda de controlo político.
O excessivo planeamento urbano que domina a sociedade ocidental contemporânea deve, segundo Shinohara, dar então lugar a um sistema aberto e selvagem, feito de contrastes e desuniões, de modo a permitir a vitalidade das grandes cidades. A cidade deve, deste modo, ser capaz de refletir a beleza da diversidade, que coleciona todas as expressões individuais construídas e que corporificam o dia-a-dia de cada ser humano.
Ana Ruepp