Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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1. A minha última crónica acabou algo abruptamente. A verdade é que não expliquei as razões que me levaram ao reitor do Camões. Prometi, logo a abrir, que o faria "mais adiante". Mas ia tão lançado que, quando cheguei ao tal "adiante", já não tinha tempo e, sobretudo, já não tinha espaço. É o mal (ou o bem) das "conversas fiadas". Já experimentaram, no fim de uma noite delas, recapitular o percurso, contando os atalhos, os desvios e as encruzilhadas? Se fosse só misturar alhos com bugalhos, ainda nos podíamos agarrar às rimas, mesmo que nos tivéssemos agarrado onde não devíamos. Mas as livres associações são muito mais subtis, como sabemos desde os tempos do Dr. Freud, do jogo dos cinco cantinhos e dos "cadáveres esquisitos". Se há quem seja perito em levar a água ao seu moinho, a maior parte já perdeu o moinho, quando a água lá chegou. E só não continuo para não me acontecer segunda vez a mesma coisa. À primeira qualquer cai, à segunda cai quem quer.
2. A verdade é que a nascente que me levou ao reitor, ao Camões e aos meus 16 anos foi um excelente artigo de M. Fátima Bonifácio, chamado "Mais dinheiro para a educação?" (PÚBLICO, 15 de Agosto de 2004). A autora é das que não se deixam levar pelas ondas das paixões dos engenheiros Guterres e Sócrates. Como ela bem disse: "Reformas e dinheiro, de nada serviram." Tem carradas de razão. Mas houve uma confissão que me deixou pensativo. É quando ela, recordando os 25 anos que leva de professora de História numa universidade de Lisboa, afirma: "Convenci-me ultimamente de que o panorama não melhoraria significativamente nem que os programas e os professores fossem todos excelentes." Fiquei a matutar na convicção recente de M. Fátima Bonifácio. Terá ela razão ao dizer que professores "todos excelentes" e bons programas não fariam bulir nem uma folha no "panorama"? Comecei a pensar no meu caso, quer como aluno, quer como professor. E assim me lembrei de um professor (reitor até, no caso) que mudou, plausivelmente, o curso da minha vida. Fátima Bonifácio dir-me-á (ou dir-me-ia) que faço batota. A história que eu contei passou-se há mais de cinquenta anos e na escola do antigamente. É incomparável. Ela própria sublinha que "em tempos tive alunos que são hoje meus colegas e académicos brilhantes. Essa raça desapareceu". Tanto eu como ela - ela muito mais nova - faríamos parte de uma raça em vias de extinção. Provavelmente é mais lúcida do que eu e, além disso, é professora, coisa que eu deixei de ser há muitos anos. Mas, mesmo descontando a história do meu reitor (e dos meus tempos), continuei cogitativo.
3. Fátima Bonifácio não traça qualquer panorama idílico da escola de outras eras e tenho boas razões para pensar que não é essa a visão dela. Mas, quando tanto se fala em professores de vinho e rosas, eu comecei a fazer as minhas contas e, ao longo dos meus oito anos de liceu (o que então se chamava ensino secundário), não contei mais do que seis professores a cuja memória me abrigue. Nomes? Venham eles: Maria Manuel Barroso, que foi minha professora de Português do 1º ao 3º ano e me ajudou a saber ler e escrever, além de, involuntariamente, me ter ajudado a saber que os bebés não vinham de Paris (não fui nada precoce nessa matéria); Oliveira Simões, que foi meu professor de Ciências Naturais nos 3º e 4º anos e que, além do quartzo, feldspato e diamante, me ensinou a não descer as escadas com as mãos nos bolsos; Carlos Miguel, que foi meu professor de História no 4º ano e me levou da Batalha de Hastings à Invencível Armada, com crescente fervor; Alberto Beirão, que foi meu professor de Matemática no primeiro 5º ano e, apesar da minha confrangedora ignorância na matéria, me fez pensar em mais do que na morte da bezerra nas aulas dele; Amália Borges, que no mesmo 5º ano me revelou que eu tinha sangue francês nas veias, aproveitando-o para me pôr a falar e a ler a única língua estrangeira em que me exprimo à vontade; Gaspar Machado que, nos 6º e 7º anos, em Literatura Portuguesa, me revelou Fernão Lopes e Bernardim, e me levou de "O céu, a terra, o vento sossegado" ao tempo em que "caem co'a calma as aves". Estes são os senhores e as senhoras em que os olhos ponho, quando "me desponho /e me quero afirmar se foi assi". O resto, mais ou menos ignorante, foi de fugir ou serviu para amenas cavaqueiras que, nos melhores casos, disfarçavam a pouca pachorra que tinham para preparar qualquer aula. Na universidade, estive três meses em Direito. Confirmo a merecida reputação de Marcello Caetano, mas dos outros nada recordo. Arrepiei caminho e passei para Letras (Ciências Histórico-Filosóficas, assim se chamavam então). Delfim Santos, Vieira de Almeida, Mário Chicó, Virgínia Rau, são nomes a escrever com letra grande e "happy few" devem imenso a Ribeiro Soares, quando ele e esses "few" partilhavam gostos singulares. Mas dos outros (estava-me a esquecer e não devia de Ferreira de Almeida), sobretudo no que tocava à Filosofia, quem não saiba é melhor nunca ter experimentado. Era nossa convicção (nossa, dos alunos) que deviam a cátedra ao estado disto, pois que a qualquer sabedoria ou inteligência não a deviam certamente. O saudosismo atual é muita bondade nossa, ou muito má memória. Embora seja verdade que, na mesma Faculdade e nos mesmos anos, coexistiram com Nemésio e Lindley Cintra, com Orlando Ribeiro e com o Padre Manuel Antunes, que, infelizmente, não foram meus professores. O caso do prof. Francisco Vieira de Almeida é bem paradigmático. Regia a cadeira de Lógica. Para ele, esta ou era lógica matemática ou era uma batata (ou uma batota). Perante alunos que, em 99 por cento dos casos, tinham ido para Letras por horror à matemática, de que ignoravam os mais rudimentares elementos (nessas aulas, a situação não era muito diferente da descrita por Maria de Fátima Bonifácio), que fazia ele? Não perorava sobre Lógica, mas conversava brilhantemente sobre os mais diversos assuntos. Quem se interessasse em segui-lo, não ficava a saber de matemática, mas descobria como era "ilógico" o mundo em que se movia e as coisas que se aprendiam. A gramática era, logicamente, um dos seus terrenos de eleição. Jamais esquecerei a história do rapazinho de 10 anos, convidado a dividir orações num texto que começava assim: "Rui e o irmão entraram para o velho calhambeque do pai." O miúdo obedeceu: "Raul e o irmão entraram para o velho calhambé", primeira oração. "O quê?", berrou a atónita professora. "Nunca se passa por cima dum 'que'", papagueou o miúdo, ufano. "Ah, meus senhores", exclamava deliciado Vieira de Almeida, "se eu fosse examinador, o rapaz tinha logo 20." Vieira de Almeida, ele, pelo menos quando lhe fui aluno, não dava mais do que 11 nem menos do que 10, fora casos excecionalíssimos. Chumbar não valia para nada, 11 lá ajudava a perpetuar calhambeques.
4. Da minha experiência como professor, que durou cinco anos, entre 1959 e 1964 (experiências posteriores, como professor universitário arregimentado, não me servem, porque foram pescatos de ocasião em que eu me meti, para mal dos meus pecados, a 10 por cento), não me ficou ideia muito diferente sobre o nível geral dos então meus colegas. É certo que os havia excecionais (do Camões, recordo eu Mário Dionísio, Vergílio Ferreira, Marina Pestana), mas os alciões não fazem verões, nem primaveras. Frio, frio, era o que havia á minha volta. Só que estes raros exemplos me convenceram (como outros que doutra maneira me ensinaram) que, se todos os professores fossem como eles, a paixão dos engenheiros teria razões de ser. Posso ser muito parcial mas acredito que, se a formação de professores (tema dominante do pensamento de homens como, por exemplo, Delfim Santos) tivesse sido levada a sério e feita a sério, não se tinha chegado onde se chegou. Poesia? Preconceito? É bem possível e não vim aqui polemizar, caso em que esta crónica seria bem fruste. É que mesmo nas tais esporádicas "experiências" recentes (anos 90) eu nunca vi, diante de mim, as tais "máscaras de apatia". Ignorância, sim, imensa, acompanhada, em gerações mais recentes, pela arrogante ignorância dessa própria ignorância, o que é a mais explosiva mistura que imaginar se possa. Mas a apatia pode ser vencida e, daí ao resto, há um passo possível. George Steiner contou, algures, o que lhe aconteceu numa universidade americana, onde deu um curso de Literatura Comparada no férvido ano de 68. Os colegas explicaram-lhe o que se estava a passar e tentaram dissuadi-lo. Primeira aula e um barulho dos diabos, com os mimos da moda. Steiner conseguiu o silêncio suficiente para que eles o ouvissem dizer isto: "Eu estou aqui para vos ensinar algo de que vocês não sabem nada e de que eu sei tudo. Proponho-me inverter a proposição a vosso favor." A acreditar nele, nunca curso nenhum lhe correu tão bem. Mas, como é evidente, o milagre só aconteceu porque ele sabia mesmo tudo e não estava a viciar o jogo. Se não soubesse, jamais o conseguiria. Como o não conseguiria se se pusesse a trabalhar "em grupos", a adular os néscios ou a fingir que eram eles quem o devia ensinar.
5. Aqui há uns anos, esteve em Portugal o prof. Mel Ainscow, da Universidade de Manchester, para cheirar um bocadinho dos perfumes reinantes. Para lá de muitas outras, duas coisas o deixaram particularmente estupefacto: que as escolas ou os liceus não tivessem "um" diretor ou "um" reitor ("um" responsável em suma) e que o corpo docente andasse numa jigajoga, escola aqui, escola acolá, sem se fixar num único estabelecimento. Como se sabe, foi "conquista de Abril" acabar com os reitores e substituí-los por um órgão colegial eleito "interpares", em que os eleitos são obviamente quem mais facilita a vida aos eleitores. Todos se protegem mutuamente. Também foi "conquista de Abril" a "rotatividade" do corpo docente. Nunca nenhum ministro, nunca nenhum responsável, reparou nisto? É evidente que reparou. Mas não parou. Porque, se o fizesse, teria contra ele o omnipotente Sindicato dos Professores, com recurso fácil à arma suprema, chamada greve. Não há nada que os pais mais temam, e as autoridades também, que meninos à solta e sem o merecido descanso das aulas. De modo que nos santinhos (os professores) não se toca nem com uma flor. Ou tocam os alunos, mas isso até ajuda a tornar as aulas mais "participativas". Foi assim, e com os programas escritos em "pretoguês", aprendidos em "estruturalês" e em "linguês" que se chegou até ao que Maria de Fátima Bonifácio descreve. E vai ser pior, muito pior. É só esperar mais uns aninhos, gastar muito mais dinheiro, fazer muitas mais reformas, ter muitas mais paixões, e esperar que Maria de Fátima Bonifácio e a geração dela passem também e sejam substituídas pelos alunos delas. "Encore un effort..."
João Bénard da Costa 27 de agosto 2004, in Público
Por princípio, a diversidade linguística não coincide com as necessidades de unicidade e homogeneização do mercado global, dado que a existência de várias zonas linguísticas fomenta mercados parciais e em concorrência, enquanto a globalização tende a impor a unicidade a todos os níveis, desde o económico, científico, linguístico, político, entre outros. Se, nesta perspetiva, a diversidade linguística e cultural é um perigo, outros opinam ser saudável mantê-la, pois cada língua tem um tipo de relação especial com a realidade, sendo uma janela especial do pensamento humano aberta sobre o mundo, um valor não quantificável que pertence à esfera do conhecimento.
Segundo a linha oficial da Unesco, na sua qualidade de organização plurinacional com maior responsabilidade quanto ao estatuto e futuro das línguas, é um pressuposto culturalmente correto, que todas as línguas, sejam nacionais, regionais ou minoritárias, têm o mesmo valor, a mesma dignidade ou merecimento, não havendo as “boas” ou “más”. A conservação e difusão da diversidade linguística, da diversidade cultural em geral, é condição prévia para uma sadia e pacífica convivência internacional.
Assim como a biodiversidade nos ensina que a observação e compreensão, sob várias perspetivas, aumenta as probabilidades de adequação da resposta, o mesmo sucede com a diversidade e a democracia. A diversidade linguística e cultural, ou qualquer outra, é uma ferramenta para pesquisar a realidade. Quando usamos várias ferramentas de pesquisa, tipo Google, Yahoo, aumentam as probabilidades de encontrar mais e melhor informação. A diversidade configura um enriquecimento numa sociedade que se quer pluricultural e plurilingue, por maioria de razão em países que se têm como democráticos e reclamam os benefícios dos direitos e deveres inerentes a um Estado Democrático de Direito.
Para os defensores de uma planificação linguística democrática, esta tem de contemplar a vigência de uma língua num espaço ou mercado interior e a sua flexibilidade de ser convertível num espaço ou mercado exterior. Além de língua biológica, herdada, materna, nativa, patriota (transmitida de pais para filhos e entre nações), tem de ser uma língua útil, aprendida e de exportação (quanto mais útil, mais aprendida e maior a sua necessidade e procura).
A diversidade não exclui, por natureza, o desaparecimento de uma ou várias línguas, por baixa consideração social pelos próprios falantes, por que pouco unificadas internamente, sem correspondência com o poder económico, político, educacional ou social, ou por um número insuficiente de falantes.
O que também não exclui a necessidade de um debate sério sobre a questão da diversidade linguística, mesmo em países democráticos e pluriculturais, defensores das mais amplas liberdades e diversidades, nem sempre alheios a assimetrias de relações de poder em termos linguísticos, de etnicidade ou de raça, tentando explicar o crescimento e importância de certas línguas, com o argumento da superioridade de um povo, de uma raça ou religião.
Afinal depois da usurpação do viver em dignidade, depois do oxigénio em que se movimenta plenamente a violência, a máquina corrompida, robotizada, automática, insensível, que atua em nome de uma igualdade de tratamento entre os homens, depois de tudo ser nivelado ao subsolo, local de uniformizações abjectas, implacáveis, resta o Estado, essa conquista de duração mais vasta do que a existência efémera do homem.
Se restassem dúvidas, neste filme de Ken Loach é claro o remeter da individualidade sempre para mais tarde. Há que permitir que o Estado tenha também a função de permutador entre projetos e mortalidade: algo sem origem nem fim. A verdade é que a denúncia é ineficaz ao nível do que se permite à sua força, e entende-se mesmo que ela se deve encaixar nos moldes pré-estabelecidos, nos próprios formulários e demais burocracia, sendo proibida nos c.v. caso explicite alguma objetividade subjetiva, e, pouco muito pouco é moralmente duvidoso.
O último recurso reside num grito não escutado nunca pois as celebrações dos heróis destes tempos fazem-se em hora sem tráfego humano ou outro. A autoridade de quem pode é uma tradição que torna cega qualquer legitima soberania.
A ancianidade do saber, do sentir, do compreender, do lutar e do sofrer é progressivamente eliminada ou reduzida a um mínimo que nunca coloque em causa a insanidade do mando. O laço horizontal da justiça fracionou-se e a experiência da pátria de si mesmo e da terra a que se pertence, foi quebrando o compromisso com a vida digna.
Se existisse um filme a ver este e outros natais, seguramente que se deveria repetir esta lucida perturbação “I Daniel Blake” ou não existisse o nós, o nós que constrói as prateleiras para os livros, com a fome a apertar o estômago e a dizer que só se a origem do sonho fugir sempre para trás não haverá esperança, ou se entre um começo datado e o amor-próprio encontrado, apenas a morte se tornar discípula de uma estranha dimensão que mora na rua da ausência no país da indiferença.
E nós, nós andamos de um lado para o outro ou a nossa sombra anda dum lado para o outro? Como pode um homem esperar que tudo aconteça antes de ter tempo? E então se ainda não fizemos o máximo para toda esta realidade mudar, digo, nós somos, eu sou é.
À altura da nossa alma, afinal uma couraça é ritualmente regada.
Justifica-se esta nova referência ao Capitólio, que há pouco mais de um ano já aqui foi analisado: e justifica-se porque o Cinema e Teatro Capitólio reabriu ao público, no final de novembro último, numa expressão arquitetónica que, em boa hora, mantém a fachada imponente de Cristino da Silva – mas, desde já se diga, profundamente alterado no interior, na sequência aliás de mudanças e “atualizações”, chamemos-lhes assim, presumivelmente motivadas por finalidades de rentabilização da sala de espetáculos.
Como veremos adiante, a sala chegou a ter frisas e camarotes, há muito desaparecidos mas que amplamente se adequavam e justificavam no projeto original, este de 1925, tendo o edifício sido inaugurado em 1931.
Não deixa de ostentar a expressão epocal do conjunto do edifício, a partir, insista-se, da fachada em si, com a sequência de janelões destacados e com o nome dominante na vertical. Mas as paredes laterais são hoje envidraçadas de alto a baixo, protegidas do exterior por cortinados negros, que quando encerrados isolam a sala, mas permitem, quando não encerrados, a observação do exterior. Quando lá estivemos, no primeiro dia de reabertura recente ao público, havia “espetadores” que, do lateral do edifício, espreitavam a sala e o palco…
E precisamente, o que até hoje singulariza o Capitólio é essa fachada dominada por uma coluna central, a que já chamamos torre e que, em boa hora conservada, marca um estilo epocal adequado e de excelente qualidade arquitetónica. Isso é reconhecido pelos maiores especialistas, tal como já aqui referimos em citações extensas que agora resumimos: “rutura enunciando as grandes questões da mudança que se operava na arquitetura portuguesa” (Ana Tostões), que o considera “um programa inédito”; “um dos primeiros exemplares da arquitetura modernista edificados em Portugal”( Sandra Leandro), “verdadeiro acontecimento arquitetónico que marca o início da arquitetura modernista em Portugal” (José Manuel Fernandes).
E acrescentamos agora referências antes não transcritas.
Margarida Acciuoli em “Os Cinemas de Lisboa – Um Fenómeno Urbano do Século XX”, historia e analisa todo o processo urbano e arquitetónico de construção do Capitólio no contexto do próprio Parque Mayer, a partir de 1920, na sequência da morte de Adolfo de Lima Mayer, proprietário do edifício onde se instalou a Embaixada de Espanha e dos jardins circundantes, que deram origem ao Parque e à sucessão de teatros e cinemas que foram sucessivamente construídos, o Teatro Maria Vitória, o Teatro Variedades e o Teatro ABC. Isto para além, acrescente-se, de instalações e áreas de recreio que iam desde um ringue de patinagem até edifícios onde se praticava a luta livre, e ainda numerosos restaurantes e até uma instalação de venda de livros…
E recorda que ainda nos anos 30 o Capitólio é modificado com a introdução de frisas em 1932 e de camarotes (depois suprimidos) em 1935. De qualquer maneira, sempre manteve a sua estrutura interna polivalente de teatro, cinema e, no terraço, ao ar livre, um recinto cinematográfico, o Terraço do Capitólio. Margarida Acciuoli detalha a modernidade do edifício:
“No interior, a tão celebrada circulação ascendente feita por um tapete rolante de madeira, que era então uma novidade absoluta em Lisboa, conduzia o público a um átrio de acesso à esplanada onde se tinham colocado espelhos deformantes que remetiam para a ilusão que o cinema oferecia; e no exterior o uso da iluminação, através de um pano envidraçado que sublinhava a fachada elevando-se como um «farol» chamava a atenção dos transeuntes e reorganizava a perceção, transpondo o sentido do cinema para a forma e estrutura do edifício”.
Por meu lado, escrevi que “o Capitólio define um estilo. Arquitetonicamente e não obstante as sucessivas alterações, o Capitólio marca efetivamente uma expressão inovadora por exemplo na fachada dominada pela coluna ou torre central, que aparece recorrentemente em outros edifícios de teatro, e por semelhança no hoje arruinado Teatro Rosa Damasceno de Santarém” - que já aqui evocamos e descrevemos.
Ora bem: o Capitólio alcançou de certo modo a sua mais vasta e significativa expressão cultural de teatro e espetáculo quando, de 1968 a 1970, acolheu a Empresa Rey Colaço – Robles Monteiro, transformando-se assim em Teatro Nacional, na sequência dos dois incêndios que, em 1964 e 1967, destruíram o Teatro D. Maria II e o Teatro Avenida.
Num livro muito recente, Joana d’Eça Leal evoca as grandes linhas do repertório que Amélia Rey Colaço levou para o Capitólio, nos anos em que funcionou como Teatro Nacional:
“Entre 1968 e 1970 a companhia continuaria a tentar manter-se à altura do seu nome, apresentando Pirandello, Garrett, e estreando vários textos de autores portugueses como «Os Visigodos» de Jaime Salazar Sampaio, «A Esfera Facetada» de Nuno Moniz Pereira, «O Cravo Espanhol» de Romeu Correia ou ainda «O Pecado de João Agonia» de Bernardo Santareno. Estes contrastavam com os ligeiros «O Segundo Tiro» de Robert Thomas, «Tchau» de Sauvajon, ou «A Celestina», um dos papéis de Amélia Rey Colaço que a própria considerava mais conseguidos.» E acrescenta que “a companhia teria, talvez de forma inesperada, um enorme sucesso neste período, com «Tango» do polaco Slawomir Mrozek, estreado em 29 de novembro de 1968”.
Para terminar: encerrei o artigo da rubrica Teatros do ano passado, com esta frase final: “vamos ver como ficará o Teatro Capitólio”. Ora está agora à vista. E há que elogiar a salvaguarda da fachada e a extensão do palco. Já as laterais em vidro me parecem questionáveis.
E vamos ver que acréscimo cultural comportará.
DUARTE IVO CRUZ
BIBLIOGRAFIA CITADA - Tostões, Ana – “Arquitetura Moderna Portuguesa- Os Três Modos” ed. MC-IPPA 2003; Fernandes, José Manuel – “Cinemas de Portugal” ed. INAPA 1995; Acciaiuoli, Margarida – “Os Cinemas de Lisboa – Um fenómeno Urbano do Século XX” – ed. Bizâncio 2012; Cruz, Duarte Ivo – “Teatros em Portugal – Espaços e Arquitetura”- ed. Mediatexto e CNC 2004; Leal, Joana dEça – “Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro” ed.INCM 2016.
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ANTIGAMENTE, A ESCOLA (I)
1 - Não, antigamente a escola não era risonha e franca, como no pré-histórico poema ("O Estudante Alsaciano") que, em versão portuguesa, aprendi com a minha Avó e galhardamente recitava - ao que me contaram - empoleirado num banco do Jardim da Estrela, para pasmo dos basbaques e vergonha da minha Mãe, que me surpreendeu, aos cinco anos, em tais preparos. Nessa altura, ainda nem sequer sabia o que escola fosse. Quando soube, talvez usasse muitos adjetivos, mas não seguramente os que a associam ao riso e à franqueza. Mas descansem que não venho para ajustar contas nem para louvar o ensino de outras eras. Também não venho para execuções sumárias. Apenas me lembrei, por razões que mais adiante explicarei, que nunca disse de minha justiça sobre um personagem muito maltratado. Refiro-me ao dr. Sérvulo Correia, reitor do Liceu Camões entre o ano letivo de 1950-51 e o de 74-75, a que não resistiu.
2 - 1950-51. Eu tinha de 15 para 16 anos e repetia a secção de ciências do 5º ano do liceu (atual 9º). Nesses tempos, até ao dito 5º ano (do 3º ao 5º, leiam do 7º ao 9º, e não vou prosseguir com atualizações), segundo a reforma de 1947 do ministro Pires de Lima (uma entre tantas), havia nove disciplinas, arrumadas entre letras e ciências. Letras: Português, Francês, Inglês e História. Ciências: Geografia, Ciências Naturais, Físico-Químicas, Matemática e Desenho. Se eu era bom aluno em letras, e por isso passei o exame do 5º ano com uma perna às costas e um 19 a História, péssimo era em ciências, sobretudo em Matemática e Desenho. Por isso chumbei e por isso fui condenado a repetir as cinco disciplinas das tais ciências. Foi um ano negro, sem sombra de dúvida o ano mais negro da minha existência. Tinha grandes "buracos" nos horários (as horas em que os não-repetentes aprendiam letras) e vagueava entre casa e o liceu para repisar "matérias" que odiava. Lágrimas e suspiros? Pouco mais ou menos e não exagero muito. Se a palavra auto-estima já tivesse sido inventada, a minha andava muito por baixo, o que aos 16 anos não se recomenda. O pior de tudo era o Desenho. Por dislexia congénita ou adquirida (havia a tese da fatalidade e a tese da preguiça ronhosa), eu nunca fui capaz de fazer um traço direito ou uma curva torta. Felizmente, os professores que tive do 1º ao 5º ano (o santo Mendes Costa e a beatíssima Maria Marinho, que, segundo as minhas contas, ainda é capaz de estar viva) sustentavam mais a tese do "coitadinho" do que a do "fiteiro" (tese paterna) e foram-me "passando", como nessa altura se dizia, mesmo se os meus "desenhos geométricos" se pareciam com bilhas "desenhadas à vista" e as bilhas com "geometria no espaço", não desfazendo na geometria e muito menos no espaço. Tive a sorte (graças à citada reforma) de escapar ao exame do 3º ano, que, quando lá cheguei, retroativou para o 2º. Mas do exame do 5º não escapei. Como já disse, não escapei mesmo. Foi nesse ano, escolarmente bissexto, que Sérvulo Correia foi nomeado reitor do Camões. Vinha precedido pela fama de "animal feroz" (como diria o eng.º Sócrates) e não a deixou por mãos alheias. O liceu, habituado às cãs brancas e à bonomia de um simpático velhinho coxo, mudou do dia para a noite. Professores e alunos tremiam à passagem daquela cabeça, que, devido a uma acentuada dolicocefalia, logo lhe valeu o cognome de "cabeça de martelo". Eu tinha outras razões para tremer e, como ia pouco ao liceu, não me achei envolvido nas histórias dickensianas que se contavam. Lá chegou a altura (ah, quando eu contar esse Verão de 51!) de fazer o segundo exame do 5º ano. Prova escrita, que dava direito a dispensar da oral, em caso de média de 16, e dava direito ao chumbo, se a média fosse inferior a 8,5. No ano anterior, ainda tinha chegado à oral. À segunda vez, nem isso. Uns dezitos e uns novezitos em quatro disciplinas não "taparam" o 2,8 (dois vírgula oito) em Desenho. Poupo-vos à descrição do meu estado de alma diante daquela pauta, em que a seguir ao meu nome estava encarnadamente escrito: "Reprovado". A simples ideia de imaginar (isso mesmo: "ideia de imaginar") que, no ano seguinte, tudo se passaria pela terceira vez punha-me a alma e o corpo em rebuçados desfeitos. À minha volta, colegas manifestavam-me a tradicional comiseração lusa: "Coitado do Bénard"; "Chumbou outra vez por causa do Desenho"; "Ele não tem culpa". Por aquelas horas, passou por ali o tal São Mendes Costa. Ao ver-me em tal estado, quis saber a razão. Logo lha disseram. Passaram mais horas (eu não me atrevia a voltar para casa e a enfrentar a família). Apareceu um contínuo, que, a mando do Senhor Reitor, me disse para ir ao gabinete dele. Lá fui, tão fora de esperar bem. Recebeu-me secamente e ordenou: "Vai para casa e diz ao teu pai que venha cá falar comigo." O meu Pai, engripado e de cama, não foi. Pediu à minha Mãe para o fazer. Quando voltámos, o Senhor Reitor recebeu-nos logo. Não mandou sentar a Mãe. De pé, disse-lhe: "O professor de Desenho do seu filho informou-me da nota dele e da reprovação. Se ele é inapto, o encarregado de educação devia ter pedido dispensa dessa disciplina, como está previsto na lei. Agora, tudo é mais difícil. Mas ainda se pode tentar. O marido de V. Exa. deverá fazer um requerimento ao Senhor Ministro da Educação, solicitando a anulação da prova, o que lhe permitirá ter acesso ao exame oral. Não prometo nada - a decisão não me compete -, mas a informação que darei, com base no que o professor de Desenho me transmitiu, será favorável." Transmitida a mensagem, o meu Pai mostrou-se muito cético. Mas o prazo para recurso era curto e tentou. Fui levado a várias consultas médicas, onde ouvi o meu Pai fazer dele a tese do "coitadinho" (muito me espantou essa conversão, mas o amor de pai obriga a muito) enquanto eu me sumia pelo chão abaixo a cada novo exame, teórico e prático. Fez-se o requerimento. Na dúvida do despacho, uma prima minha, bastante mais velha e que cursava Económico-Financeiras, deu-me explicações intensivas de Físico-Químicas e Matemática, num Julho ardente e inquietíssimo. Um belo dia, chegou a notícia. O ministro deferira o requerimento. Já em Agosto, "fui à oral". O mês de férias, que a minha prima sacrificou a cultivar-me minimamente em matérias em que eu era ignaro, fez o resto do milagre, bendita seja ela! Fui aprovado com 10 valores e deficiência a Matemática, o que era irrelevante para quem, obviamente, se destinava às letras. Dois anos depois, concluí o Liceu (no Pedro Nunes) com média final de 18.
3 - Na altura, abençoei o Prof. Mendes Costa, o Ministro e a Prima. Tinha toda a razão. Mas esqueci-me de abençoar o Reitor. Só alguns anos depois (quando eu próprio vivi, do outro lado, a época dos exames e o trabalho imenso que ela implicava para os examinadores) me dei conta do que o gesto dele teve de extraordinário. Em vez de juntar mais uma reprovação às estatísticas, com um aluno que nem sequer era aluno dele e que ele nem sequer conhecia, arrancou-me à autocomiseração e às lágrimas quentes, acionou os mecanismos legais que tanto os meus Pais como eu desconhecíamos, venceu o ceticismo paterno e anulou os efeitos devastadores de uma segunda reprovação consecutiva num adolescente em crise. Tivesse ele sido indiferente (como era legítimo e normal que fosse) e talvez o meu futuro fosse bem diferente. Tive ocasião de lho dizer. Dez anos depois desse trágico 51, voltei ao Camões, como professor de História, Filosofia e Organização Política e Administrativa da Nação. Professor eventual, ou seja, fora do quadro. Ensinei nessa qualidade três anos letivos. Poucos meses depois de começar, dava uma aula de História e estava virado de costas para a porta aberta, ouvi um silêncio pesadíssimo e vi os alunos todos a levantar-se como se um alfinete lhes picasse o rabo. Entrara o Senhor Reitor. Não disse nem bons dias nem boas tardes. Avançou para a "minha" secretária, sentou-se, mandou sentar os alunos e disse-me: "Sr. Dr., faça favor de continuar a dar a aula." Eu continuei. Lembro-me que era sobre as origens do cristianismo (3º ano, pois). Quando tocou a sineta, mandou sair os alunos e disse-me para ficar. Não falarei de piropos, que é uma palavra que vai mal com ele. Mas raras vezes ouvi elogios tão expressivos. Daí para diante, tomou-me sob a sua proteção. Um dia, levou mesmo a afetividade mais longe e justificou a sua imagem. Não tinha - disse-me - qualquer prazer em fazer de "papão do liceu", mas entendia que aquele era o único modo de lidar com rapazes que os pais, na sua maioria, não seguiam e com professores genericamente incompetentes. Discuti com ele abertamente e ele ouviu-me com atenção. Lembro-me que acentuou duas vezes a expressão "formar os melhores". Num desses anos, propus-lhe dar, em regime aberto, depois do horário normal, um curso de iniciação ao cinema, já nessa altura paixão minha. Não suponho que fosse cinéfilo ou sequer que fosse ao cinema. Mas sem hesitação me autorizou e seguiu, interessadíssimo, os resultados. Doutra vez, pôs-me uma reserva: nas minhas aulas, tinha notado pouca participação dos alunos. Vinda de quem vinha, a observação espantou-me. Disse-lhe que era o meu estilo e que, além disso, na presença dele, o acentuava, pois que os ditos ficavam manifestamente muito pouco à vontade. Pareceu-me perceber, embora me notasse que, com a minha idade (eu tinha vinte e tal anos), devia estar mais aberto à "pedagogia moderna". Em 1964, resolvi trocar o liceu por outra oferta de emprego, aparentemente mais tentadora. Falei com ele e só me encorajou. "Com as condições do ensino de hoje, uma pessoa como o Sr. Dr. deve seguir outros caminhos." Já fora do liceu, tive ocasião de lhe escrever uma carta a contar a história do exame do 5º ano, que ele evidentemente esquecera. Respondeu-me emocionado: "A sua carta chegou num momento muito difícil da minha vida e foi um bálsamo." Um ano depois, estava de novo a bater-lhe à porta. Muito mais aberto à "pedagogia moderna" (hoje, acho que escancaradamente aberto), propunha-lhe voltar para fazer experiências de pedagogia não-diretiva, à Rogers. Acreditem ou não, disse-me logo que sim. Só que nesse ano a PIDE mudou as regras para a admissão de eventuais. Até aí - o que me valera -, os contratos destes, contratos a prazo e sem garantia de quaisquer direitos, não iam ao visto prévio da polícia política. Nesse ano, passaram a ir. A informação era fortemente negativa. Chamou-me, comunicou-mo e disse-me que iria ele próprio à PIDE, para os tentar demover. Aí falhou. A experiência não-diretiva vim a fazê-la no Colégio Moderno do Dr. Mário Soares. Deus escreve direito por linhas tortas.
4 -Nunca mais o vi. Mas, de cada vez que leio, em memórias de ex-alunos dos anos 50, 60 e 70, o retrato de Sérvulo Correia como arquétipo do reitor policial ou do reitor fascista, que transformou o Camões numa prisão, penso no dever de contar esta história. Chegou a altura. Por "razões que mais adiante explicarei"? Sem mais espaço, ficam para a próxima crónica. Se nunca aprendi a ser "não-diretivo", também nunca aprendi a ser sintético.
A leitura da Correspondência de Almeida Garrett para Rodrigo da Fonseca Magalhães (Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2016), permite compreendermos um pouco melhor o complexo mas apaixonante período da implantação e consolidação do liberalismo em Portugal.
UM APAIXONANTE PERÍODO Encontramos o cidadão comprometido que foi Garrett em diálogo direto com o político mais influente na estabilização das instituições constitucionais – das guerras civis à Regeneração, momento em que foi possível pousar as armas e chegar a um acordo político de alternância no poder. A edição desta correspondência é de Sérgio Nazar David, que trata com esmero o manancial de contributos relevantes não só sobre as personalidades dos dois protagonistas, mas também sobre o período em que intervêm. Como sabemos, a edição crítica na INCM das obras de Almeida Garrett é coordenada por Ofélia Paiva Monteiro, cuja ação merece especial destaque, uma vez que tem permitido um melhor conhecimento da obra do grande autor do período romântico. Relativamente a Rodrigo da Fonseca (1787-1858), que a posteridade conheceria como «raposa», pela inteligência política e capacidade de superar as situações mais difíceis, não podemos esquecer a excelente biografia da autoria de Maria de Fátima Bonifácio, indispensável para percebermos o papel fundamental que desempenhou na história do seu tempo («Um Homem Singular», Dom Quixote, 2013).
GARRETT CIDADÃO E POLÍTICO
Almeida Garrett é uma referência da cultura portuguesa que supera em muito qualquer classificação de escola ou de grupo. Por isso, foi respeitado e referenciado por todos quantos, sob as mais diversas influências, até à modernidade, cuidaram de quem marcou indelevelmente o amadurecimento das nossas língua e cultura. «Não sou clássico nem romântico, de mim digo que não tenho seita nem partido em poesia (assim como em coisa nenhuma); e por isso me deixo ir por onde me levam as minhas ideias, boas ou más, e nem procuro converter as dos outros, nem inverter as minhas nas deles: isso é para literatos ou outra polpa, amigos de disputas e questões que eu aborreço». Estas são as suas palavras, significativas, em 1825 no prefácio à primeira edição de «Camões» demonstram sobretudo a independência de espírito e a especial atenção de Garrett relativamente às mudanças fundamentais do seu tempo. E o diálogo com Rodrigo da Fonseca, ora publicado, é revelador de como, apesar das incompreensões, o poeta, romancista e dramaturgo pôde contribuir pela dimensão cultural e artística para afirmação de uma sociedade aberta e liberal. O corpus documental que constitui a presente publicação é constituído por 97 cartas, 72 do espólio de Rodrigo, 18 do Ministério do Reino (Torre do Tombo) e 7 do espólio de Garrett (5 da Biblioteca Geral e 2 da Faculdade de Letras, da Universidade de Coimbra). O importante é dizer que se trata de 93 cartas inéditas. O percurso que poderemos seguir nesta correspondência revela-nos plenamente o cidadão, o político e o servidor público. Nota-se a situação que rodeou ida para Bruxelas como Encarregado de Negócios, por «sórdidas conveniências políticas», e as condições do regresso depois de dois anos de penúria. De novo na pátria, é eleito deputado em 1837 e defende na Câmara dos Deputados a liberdade religiosa - «não creio que possa haver liberdade civil para o povo que perder a liberdade religiosa». É uma preocupação que assiste ao liberal autêntico e que aflora nas «Viagens na Minha Terra». A moderação é a marca da sua intervenção política, afirmando-se entre os setembristas moderados, como dirá no célebre discurso do Porto Pireu, exemplo da oratória parlamentar, em resposta a José Estêvão: «É verdade: todas essas galés de injúrias navegadas de toda a parte do mundo, vieram descarregar-se a um imaginário porto Pireu, onde, sonhando os agradáveis sonhos da loucura ambiciosa e da cobiça frenética, nos supuseram, a estes poucos homens do centro, que, por poucos, por moderados, por guardadores de todas as formas, deviam ter merecido mais alguma daquela civilidade e consideração com que a todos acatam, renunciando tantas vezes a despicar-se das ofensivas, até a defrontar-se dos agravos, com que a todo o instante são provocados» (8.2.1840).
A CAUSA DO CONSERVATÓRIO
O homem de cultura, encontramo-lo a pugnar pelo Conservatório Real de Lisboa. A determinação de Garrett é clara, em nome do ensino das Artes (Declamação, Música, Dança e Mímica). A figura tutelar de Gil Vicente é chamada em nome da «ideia de civilização». O presidente da instituição é D. Fernando II, em nome das conjugação dos princípios democrático e monárquico, tão cara ao dramaturgo – que se empenha a fundo nos mais ínfimos pormenores, para que o Conservatório tenha as condições para ser marcante. E nesse combate conta com o apoio de Passos Manuel, sopro da liberdade e da democracia, e com Rodrigo, o homem capaz de compreender o Portugal mais a fundo… Mas é Costa Cabral e o cabralismo que se irão impor a partir de 1842. E Garrett passa para a oposição – uma vez que que o executivo «absolutamente declarou por seus atos, que queria governar no interesse exclusivo de um partido». E dirá a seu amigo Silva Abreu: «desagrada-me o estado das cousas e a tendência dos homens. Sou pasteleiro pelo coração e pela cabeça: sentimento e reflexão me fazem desejar e crer que não seja nacional nem fixo todo o governo exclusivo e intolerante. (…) Portugal não é dos setembristas nem dos cartistas, é dos portugueses». Afinal, vê no novo poder cabralista pretextos para «vingançazinhas mesquinhas de bairro e bairristas». Pela demarcação política, foi demitido pelo Decreto de 16 de julho de 1841, assinado por Joaquim António de Aguiar, da Inspeção-Geral dos Teatros, de Vice-Presidente do Conservatório e de Cronista-Mor do Reino… Daí o clima de desalento que sentimos nas «Viagens», onde se descreve a ida ao encontro de Passos Manuel em Santarém. Em 1846, no final da guerra da Maria da Fonte, ainda julga poder participar numa solução moderada, que, no entanto, será destruída na «emboscada» de outubro, na qual a rainha D. Maria II ainda vai dar a mão a Costa Cabral. Nesse ínterim, Garrett e Rodrigo ainda tentam mobilizar Passos para uma solução – mas não têm sucesso. A guerra civil regressa, impiedosa e inexorável – na Patuleia. A propósito do Grémio Literário, o escritor chega a confessar-se a Rodrigo mais político que literato. Contudo, nas «Viagens», os barões são duramente julgados, na pessoa de Carlos. O certo é que o genial escritor ainda regressará à ribalta política na Regeneração, na pasta dos Negócios Estrangeiros. Mas a política tem sempre as suas vicissitudes e a amizade entre Garrett e Rodrigo terminaria toldada num episódio triste de intrigas e calúnias, em 1852, em que o poeta se sentiu injustiçado. É certo que Rodrigo compareceria ao funeral de Garrett, em 54, mas o mal-estar deixou marcas fundas… De qualquer modo, desta relação tão rica fica este diálogo do maior interesse.
Singular escritora é Maria Gabriela Llansol. Morreu há oito anos, quando ainda tinha, cumpridos, mais onze anos do que eu. Descobria-a não sei bem quando, sei apenas que me apanhou de surpresa, como, anos antes, me prendera outra insólita escrita, a de Ruben A., o primo de Sophia. Hoje ainda, para mim, lê-los é um passeio de liberdade interior, a cedência à provocação de um abandono consentido. O prazer do leitor que incautamente se transforma na coisa lida. Desta feita, agarrei, de um caixote de livros que abrira para os arrumar nas estantes abertas do meu bucólico retiro, no Livro de Horas I - Uma Data em cada Mão - caderno de apontamentos esparsos tomados, entre 1972 e 1977, em Lovaina e Jodoigne... Conheci bem Lovaina e a sua universidade (quer a Leuven, quer a Louvain-la-Neuve), num período da minha vida em que a frequentei como, séculos antes, Damião de Góis, amigo de Erasmo, a amara e defendera. Também conheci as abadias beneditinas de Maredret e Maredsous, onde uma tia e um tio meu, respetivamente, eram oblatos, espiritualidade que partilhavam com o arquiduque Otão de Habsburgo, seu amigo, que em casa deles conheci. Muito jovem ainda, li e reli Eckhart e S. João da Cruz, passeei-me por Nietzsche... Sem saber que Maria Gabriela Llansol, no seu exílio belga, se repartia entre Jodoigne e Lovaina, frequentava Maredret e Maredsous, onde privava com São João da Cruz e Mestre Eckhart, e os relacionava com Müntzer e Nietzsche. A surpresa destas referências determinou-me uma noite de leitura, arrastado por inesperada simpatia, por alguém que, indiferentemente, calha em escrever tanto em francês como em português e que, tal como eu também, pode candidamente afirmar que retardo o momento de começar a ler o livro, antecipo-me ao prazer de ler, escrevendo. E fui descobrindo afinidades que são incautas concordâncias, como neste trecho escrito a pretexto de umas lebrezinhas que recolheu e alimentou:
As lebres são minúsculas, e quase acabadas de nascer.O que são três semanas? Um mês?
Ontem à noite, o Augusto dizia que eram três homens, três déspotas - Estaline, Hitler, Napoleão - voltadas, por força do ciclo eterno, ao sábio contacto com a erva verde.
Penso no amor, mas o amor não é o que correntemente se diz ser. Aceder à consciência do amor, de mim própria ter conhecimento, identificar-se é secundário.
O que é importante é fazer parte, diferenciando-se.
A frase é dela, carregado é meu, Princesa. Pois, apesar da intimidade espontânea do meu convívio com a Maria Gabriela e tantas das suas referências, não experimento igual gosto de um ambiente onírico, é bem mais despojado e chão o meu percurso místico. E, por muito que tivesse simpatizado e tentado compreender a condição feminina, nunca lhe fui alheio, mas sempre estranho, isto é, diferente. Aliás, acho que a diferença entre mulher e homem é condição necessária de ambos serem parte um do outro. Creio que, aí também, me encontro com Gabriela Llansol: a diferença faz a unidade, só entre seres diferentes pode haver uma comunhão, consciência desse corpo a que todos pertencemos e São Paulo dizia que é tudo em todos. Por isso, neste tempo de espera do Natal próximo - tão próximo que está fora do tempo, não sabemos quando virá finalmente - partilho da visão mística da cosmo-génese de Teilhard de Chardin, sem qualquer tentação panteísta, porque a união na harmonia não é nem pode ser monolítica, está antes próxima da visão do paraíso na profecia de Isaías, da pacificação dos antagonismos e dos medos: o menino põe a mão na toca da serpente... Não sei, Princesa de mim, se te lembras ainda duns escritos meus para o blogue do CNC, pelo Natal de 2012, salvo erro, evocando textos da Legenda Aurea de frei Tiago Voragino sobre a Natividade do Senhor, e daquele Presépio a que chamei cósmico. Voltava, afinal, a esse mistério da relação ontológica de Deus com o mundo, o homem, a história - que todavia não podemos entender pelas nossas categorias mentais, pois não se encontra no espaço, nem no tempo. Tal como só na contemplação mística enxergamos o nada de Deus, como diz Mestre Eckhart, o nada criador de tudo. Ou conseguimos, como São João da Cruz, só na noite cerrada ver a luz (mandar-te-ei um poema do carmelita espanhol, que traduzi para ti). Maria Gabriela, pensossinto, conviveu com tudo isso: Quando vêm Beatriz, o gato, Nietzsche ou Hadewijch, eles não são vários nem muitos. São uma parte de mim que sou uma parte deles. Entram sem falar e encontro-os, sem me surpreender, em qualquer sítio da casa; ocupam o que na imensidade é nosso e dos que hão-de vir -deixemos para cada um o seu provisório, para nós todos a vida eterna.
E, para terminar esta carta, deixo-te outra expressão de Maria Gabriela Llansol, que tão lindamente toca teclas minhas que também já soaram nas muitas cartas que te tenho escrito: Chegado o Inverno, ainda ficarei aqui sentada, às vezes, atrás da clematite que nessa altura não terá folhas. Que importa? Lembrar-me-ei, sobretudo saberei que o Inverno é um vazio cheio de sentido sempre com o propósito de elevar a matéria à vida eterna.
O tempo, creio, já não se move.
Quantas vezes, Princesa de mim, te terei falado do milagroso mistério da fecundidade destes campos que agora vejo frios, silenciosos, despojados?
XXI - A TORRE DE BABEL LINGUÍSTICA EUROPEIA E O BILINGUISMO
A União Europeia tem vinte e quatro línguas oficiais: o português, espanhol, francês, italiano, romeno (línguas românicas), o inglês, alemão, neerlandês, dinamarquês, sueco (línguas germânicas), o polaco, checo, búlgaro, eslovaco, esloveno, lituano, letão, croata (línguas eslavas), o finlandês, húngaro e estoniano (línguas úgricas), o grego (língua helénica), o gaélico irlandês (língua celta) e o maltês. Em que cinco línguas se repetem: o alemão (Alemanha, Áustria), o francês (França, Luxemburgo, Valónia Belga), o inglês (Reino Unido e Irlanda), o neerlandês (Holanda e Flandres belga) e o grego (Grécia e Chipre). A que acresce, em toda a Europa, o russo, bielorusso, ucraniano, sérvio, bósnio, macedónio, montenegrino (eslavas), o islandês, norueguês, albanês e o turco, num total de trinta e cinco idiomas oficiais. Em que o alemão, francês e italiano se voltam a repetir (Suíça). Sem esquecer a língua russa (Rússia e Bielorússia), romena (Roménia e Moldávia), turca (Turquia europeia e Chipre), sérvio (Sérvia e Bósnia- Herzegovina) e croata (Croácia e Bósnia-Herzegovina). Na zona euro, temos o alemão, esloveno, eslovaco, espanhol, estoniano, finlandês, francês, grego, italiano, letão, lituano, maltês, neerlandês e português. Em termos populacionais, o idioma mais falado da UE é o alemão, seguido do francês e italiano. A nível europeu, o russo ocupa o primeiro lugar, o alemão o segundo, seguindo-se o francês. Na zona euro, o pódio vai para o alemão, francês e italiano.
É um pressuposto culturalmente aceite que todas as línguas têm, no essencial, a mesma dignidade, merecimento e valor quanto à sua proteção legal, desde logo segundo o pensamento oficial da Unesco. A pluralidade e diversidade linguística da Europa e da UE são uma riqueza, apesar da língua franca e global por excelência (o inglês), ser um meio preferencial e universal de comunicação.
Entre a unicidade sem unidade, a diversidade sem unidade e a unidade com diversidade, importa privilegiar esta terceira via, entre os dois extremos, uma solução de síntese.
Há ainda uma tendência crescente, cada vez mais generalizada e presente, para a afirmação do bilinguismo, através do idioma materno e de uma segunda língua. A coexistência ou uso concomitante de duas línguas por um falante, grupo ou comunidade, segundo exigências do meio em que vivem, ou de situações específicas, conduz ao ensino, oficial ou não, de uma língua estrangeira, além da língua materna. Como segundo idioma, o inglês tomou, nos nossos dias, definitivamente a dianteira, uma língua coloquial e franca. Apesar de ultrapassada, em falantes nativos, pelo russo, alemão, francês e italiano na Europa, pelo alemão, francês e italiano na UE, pelo alemão, francês, italiano, espanhol, neerlandês, grego e português na zona euro. Tendo o Reino Unido optado pela separação da UE (“Brexit”), poder-se-á pensar que o inglês passará a ser uma língua quase exterior, dada a minoria de irlandeses que a têm como oficial. O que não é verdade, dado que em termos globais, nos planos económico, demográfico, científico e político, o que conta é o mundo e não a UE ou a Europa, onde os nativos anglófonos contam com as vantagens e vanguardismo dos Estados Unidos da América.
Afinal, a existência da diversidade, da unidade na diversidade, incluindo o bilinguismo, afastam o regresso à língua única, ao seu mundo monopolizador e redutor, afirmando-se e ouvindo-se cada um na sua própria língua, na sua diversidade e particularidade, mas também numa outra língua, exterior à nativa e materna.
Que só às vezes uma asa de sonho era vista muito ao fundo
Que as mãos e as palavras prescreviam e prescrevem eternos adiamentos
Eu conheço a doença que nos deixa ficar neste estado – insistia.
E ele era de uma magreza seca de tão gordo e a mulher dele uma melancolia pegada à pele de tão antiga e tão, tanto, tanto estimada esposa que lhe dera 4 filhos num cesto jubilado.
Todos os dias de lareira 25, enterravam as palavras,” morte nossa de cada dia”; levantavam os caídos com prendas cujos laços em tempos eram panos de lágrimas, mas não naquele dia. A verdade, é que para ali chegados, tinham dormido muito, tinham alisado o tempo, tinham feito muitos discursos sobre o nada. Ainda sonolentos
naquele dia, por detrás de um olhar de coração cego, os olhos não se vestiam a preceito para perguntar às estrelas:
Sois tão pequeninas ou dormis? Nós não podemos subir até vós. Temos de ir dormir lá longe no deserto, uma vez mais, dormir. Amanhã é Natal e os necessitados são os nossos juízes de paz. Eles sabem o quanto a vida é insegura: que não há reencontros, nem pátrias, nem canções, nem misericórdia, nem pão, mas permitem-nos crer.
Começo por esclarecer o título desta crónica, pois em rigor o edifício e Centro Cultural que aqui analisamos intitula-se Cine-Teatro S. João: e dá gosto ver o equipamento cinematográfico que o valoriza e aperceber a modernização que comportou como tal. Mas pretende-se aqui realçar a função cultural que, através da Câmara Municipal de Palmela, se desenvolve neste belo edifício de espetáculos que, desde o início dos anos 50 do seculo passado marca a cidade e marca a vida cultural de toda a zona e do País: no plano de espetáculos, insta-se, mas, desde já o dizemos, no plano da cultura.
É que o Cine-Teatro São João, municipalizado desde 1989 depois de quase uma década de inatividade, e antes que fosse demolido – como tanto ocorreu por esse país fora, nestes grandes edifícios situados em zonas urbanas valorizadas - funciona como centro de espetáculos e centro de formação musical e cultural, devidamente restaurado e arquitetonicamente e tecnicamente valorizado.
O que se conseguiu a partir, repita-se, da municipalização e da transformação do Teatro em centro musical mas também num verdadeiro Conservatório. E tenha-se presente dois aspetos relevantes de política local: por um lado, o desenvolvimento urbano e de infraestruturas, designadamente de comunicação, poderia ter conduzido, como tanto se verificou aliás por esses pais fora, à demolição do próprio edifício: Palmela dos anos 40/50 representava uma decentralização e distanciação relativamente a Lisboa, que hoje já não se verifica. Daí, o mérito da construção do Cine-Teatro num centro de mais complexo acesso na época: mas também o mérito da sua conservação, recuperação e manutenção urbana e cultural, hoje que (felizmente) é muito mais fácil ir e vir de Lisboa a Palmela do que na época de construção e inauguração.
Nesse aspeto, mais se justifica um certo “histórico” de infraestrutura cultural que marca o município. Desde logo, de acordo com publicações da Câmara Municipal de Palmela, regista-se um projeto de Teatro datado de 1948, da autoria do Arquiteto Raul Rodrigues de Lima, que tanto temos encontrado nesta sequencia de artigos sobre teatros e cine-teatros. Não passou de projeto: mas já na altura se pensava na extensão do edifício para uma esplanada de espetáculos que aliás não foi posteriormente construída. (cfr. “Meio Século de Magia – Cine Teatro S. João” ed. Câmara Municipal de Palmela - 2002).
A ideia manteve-se e em 1949 é apresentado um novo projeto de Cine-Esplanada, com então se denominou, agora da autoria do Arquiteto alemão Willy Braun, autor também de outras salas de espetáculo (construídas ou não) em Portugal. Esta foi erguida segundo o projeto inicial. Regista-se também o nome de Humberto da Silva Carvalho como elemento dinamizador. E é de salientar designadamente os estuques de Manuel Marques Dias. A esplanada é que nunca foi construída.
Constituído foi pois o Cineteatro, a funcionar em pleno desde 26 de julho de 1952. É interessante registar que a inauguração estava prevista para uma semana antes, com a exibição de “A Garça e a Serpente” filme de Artur Duarte extraído do romance homónimo de Francisco Costa. Acabou por atrasar sete dias, e desde logo com um duplo evento: no dia 26 de julho o filme americano “As Aventuras de D. Juan”; e no dia seguinte “a alegre revista alemã Que Pernas que Ela Tem!” diz o cartaz reproduzido, com mais documentação no Boletim do Museu Municipal de Palmela (cfr. “Museu”- Maio-Outubro 2010).
O Cineteatro encerrou em 1981 e foi adquirido pelo Município em 1989, devidamente recuperado com um acrescento do palco e outras obras, e a funcionar gerido pela CMP desde 1991.
E nesse aspeto, há que realçar a rentabilidade cultural e pedagógica do edifício, que permite, além do mais, a exibição de orquestras sinfónicas. E mais ainda: no Cineteatro São João funcionam serviços ligados à gestão camarária da Cultura, à atividade docente artística e ainda espaços adequados a museologia.
Com tudo isto, mantém-se a beleza do edifício, marcado por uma varanda - torreão que, na sua originalidade, porque aplicada a uma sala de espetáculos, domina com grande qualidade arquitetónica e estilística o centro urbano de Palmela.