Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

Minha Princesa de mim: 

 

Muitas vezes terás visto uma qualquer cópia ou reprodução do famoso Cristo de São João da Cruz, ou o quadro de Salvador Dali representando Cristo crucificado. Pôs-lhe o pintor surrealista esse nome, porque, na verdade, ele inspira-se indubitavelmente - basta olhar para um e para outro - naquele desenhado pelo místico carmelita. Reparei em ambos - no quadro de Dali e no desenho de frei João da Cruz - ao folhear mais um dos livros que vou arrumando. E logo me ocorreu que te tinha prometido o envio duma tradução (livre) de um poema do santo. Aqui vai:

 

                   Noite Escura da Alma

 

                    Numa noite escura,

                    por ânsias de amor inflamada

                   - Ó ditosa ventura! -

                    saí sem ser notada,

                    da casa já sossegada.

 

                    Às escuras e segura,

                    por escada secreta, disfarçada

                    - Ó ditosa ventura! -

                    às escuras, pela calada,

                    da casa já sossegada.

                  

                    Na noite ditosa,

                    em segredo. Ninguém me via,

                    nem eu nada apercebia,

                    sem outra luz, outro guia,

                    além do coração que ardia.

 

                    E essa luz me guiava,

                    melhor do que o meio-dia,

                    até onde me esperava

                    quem certamente estaria

                    onde mais ninguém surgia.

 

                    Ó noite que me guiaste!

                    Ó noite mais amável que a alvorada,

                    ó noite que juntaste

                    o amado com a amada,

                    amada no Amado transformada! 

 

                    No meu peito florido,

                    que todo p´ra Ele guardava,

                    aí ficou adormecido,

                    e aí eu o mimava.

                    Com leque de cedro o refrescava...

 

                    O ar da madrugada,

                    quando o cabelo lhe sentia,

                    com sua mão de fada,

                    o meu colo já feria,

                    e meus sentidos suspendia.

 

                    Quedei-me e olvidei-me.

                    Reclinei o rosto sobre o amado,

                    declinei o meu cuidado,

                    às açucenas abandonado.

 

Em São João da Cruz, a experiência mística é uma criança que se abandona à confiança, a sua voz é poética, tem o lirismo intuitivo da inocência.

 

Camilo Maria    

 

Camilo Martins de Oliveira