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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O TEATRO DA TRINDADE, NOS 150 ANOS DA INAUGURAÇÃO (I)

 

Ocorre este ano o 150º aniversário da estreia do primeiro espetáculo do Teatro da Trindade, realizado em 1867, primeiro no salão nobre, com bailes no Carnaval daquele ano, e depois com espetáculos musicais de declamação e já de representação cénica, ao longo dos meses, até que, a 30 de setembro, verifica-se a primeira grande estreia na sala do teatro propriamente dita, sala essa que até hoje perdura, com alterações que não a desvirtuam.  

O evento merecerá pois aqui, ao longo do ano, uma breve  sucessão alternada e complementar de  evocações.    

E isto porque o Trindade representou na época e até hoje representa e significa, sem grandes períodos de inatividade, um referencial de cultura e de espetáculo, cénica e arquitetonicamente enquadrado no modelo de teatro oitocentista que perdura, mas conciliado com sucessivas intervenções, designadamente na tecnologia de cena. E importa também lembrar a sua função cultural, com destaque para algumas iniciativas inovadoras e/ou muito representativas na cultura de espetáculo – desde o teatro declamado, à ópera, aos concertos, ao cinema, sobretudo quando o cinema era inovação ímpar ou quase… 

Mas também em épocas posteriores: e nesse aspeto específico, que hoje já quase não se recorda, vale a pena assinalar que foi no Trindade a estreia, em 1943, do “Amor de Perdição” de António Lopes Ribeiro e estreia no cinema de Carmen Dolores.   

Mas voltemos a história do edifício. No ponto de vista arquitetónico, o Trindade deve à traça de Miguel Esteves de Lima Pinto a qualidade do projeto, conservada ao longo destes 150 anos e, pelo menos em certos aspetos, do interior, valorizada ao longo de sucessivas intervenções. Isto, não obstante uma alteração externa devida a construções empresariais contíguas. Mas referem-se no interior os 12 medalhões do teto da sala principal, representando dramaturgos, da autoria de José Procópio, discípulo dos “históricos” cenógrafos Rambois e Cinatti:  lá encontramos Gil Vicente, António Ferreira, Camões, Sá de Miranda, Garção, Bocage, Garrett, Manuel de Figueiredo, Inácio Maria Feijó, João Batista Gomes.  E cita-se também na sala principal, o belíssimo frontão da autoria de Leopoldo de Almeida, colocado nos anos 30 do século passado.  

 

E vale a pena pois lembrar que a inauguração “oficial” do Trindade, na grande sala do teatro, ocorre em 30 de setembro de 1867 com um duplo programa de modernidade indiscutível na época e desde logo, de heterogeneidade de géneros. É certo que os nomes das peças e até dos autores respetivos, hoje, já pouco dizem. Mas, na data, trata-se de expressões concretas e significativas de modernidade: o dramalhão ultrarromântico, em quatro atos, “A Mãe dos Pobres”, de Ernesto Biester, dramaturgo então de primeiro plano e projeção, e a comédia em um ato “O Xerez da Viscondessa”, adaptada por Francisco Palha, este também no auge do prestígio como autor teatral. É certo que, se os nomes dos dramaturgos hoje ainda marcam no ponto de vista histórico e estético, as peças em si já pouco dizem aos espetadores a não ser pela expressão epocal-documental.  

 

Mas o elenco desta primeira companhia do Trindade, a 150 anos de distância, ainda guarda ecos de qualidade: os atores Tasso, Isidoro, Rosa Damasceno, Eduardo Brazão, Augusto Rosa, Delfina do Espírito Santo, entre outros mais esquecidos, marcaram e muito o teatro da época e sobretudo documentam uma projeção da arte do teatro que não pode ser ignorada.  

 

E não o foi, desde a fundação até hoje. De tal forma que nos propomos evocar e analisar a função histórica do Trindade e a visão que dele nos deixaram, em sucessivas épocas, grandes nomes da literatura e da cultura portuguesa.  

 

E desde logo, porque será o mais marcante nesta perspetiva, Eça de Queiroz, designadamente em ”Os Maias” e ”A Tragédia das Rua das Flores” que antecede. 

 

Citemos breves passagens que contêm descrições do teatro: 

Em “Os Maias: “ (…)Ega, esguio e magro,  foi rompendo pela coxia atapetada de vermelho. De ambos os lados se serravam filas de cabeças, embebidas, enlevadas, atulhando os bancos de palhinha até junto ao tabelado.(…) Em volta, de pé, encostados aos pilares vermelhos que sustêm a galeria, estavam os homens(…) O gaz sufocava, vibrando cruamente naquela sala clara, de um tom desmaiado de canários, raiada de reflexos de espelhos”… 

 

E também se recorda aqui o início e estratos do primeiro capítulo de “A Tragédia da Rua das Flores”: 

“Era no Teatro da Trindade, representava-se o Barba Azul (…) O segundo ato terminava: o regente aos pulinhos, brandia a batuta; os arcos das rabecas subiam, desciam, com um movimento de serras apressadas: agudezas de flautins sibilavam; e o bombo, de pé, de óculos, com o lenço tabaqueiro deitado sobre o ombro, atirava baquetadas na pele do tambor, com uma mansidão sonolenta.” 

Mas voltaremos ao Trindade! 


DUARTE IVO CRUZ