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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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LONDON LETTERS

 

Gorden Kaye, 1941-2017

 

Mais um herói da Britcom parte. Aos 75 anos deixa-nos o talentoso Mr Gorden Fitzgerald Kaye, aka Gordon Kaye ou antes o Monsieur René Artois de ‘Allo ‘Allo!

No passamento do protagonista da farcical masterpiece, ressoam por momentos as façanhas do dono do Café Rene quando o US President Donald J Trump profere peculiar Inaugural Address em Capitol Hill, HM Government perde o Brexit Challenge no Supreme Court e vários MPs conspiram as 1001 emendas à Article 50 Bill. — Pour moi c’est le ‘Au revoir, chére Renu’. A Prime Minister Theresa May prepara o primeiro encontro com o novíssimo líder do Free World e, ironia q.b., cabe-lhe a defesa da European Union e da NATO em Washington DC. O 45th President of the United States of America jura o oath of office entre a tradicional military pagentry e marchas globais de protestos, para logo declarar guerra aos jornalistas, revogar leis sobre a cessação da gravidez e rasgar o acordo da Trans-Pacific Partnership. Na saída de White House do gracioso Mr Barack Obama, o No. 10 silencia ido caso de alegada falha num US-UK míssil Trident. — Humm! Farewell, Mister President. Mrs Michelle O'Neill sucede ao lendário Mr Martin McGuinness no leme do Sinn Fein e ruma às eleições de 2 March para Stormont. As primárias da esquerda gaulesa surpreendem com o corbynista Mr Benoît Hamon a ultrapassar o centrista ex PM Manuel Vals. La La Land de Mr Damien Chazelle avança para os 2017 Oscars com 14 nomeações, entre as quais as de melhor filme, cinematografia e ator/a.

 

Absolute freezing foggy days here in London! Também a new trade environment para cá navega após 72 horas da Trump Presidency nos USA. A Inauguration traz novo credo: “America First,” expressa em duas regras: “Buy American and hire American.” And what a extraordinary start! Com vedetas a trautear tolices nas ruas em volta e multidão feminina a protestar contra propagada misoginia do senhor pelas capitais do mundo, com a do Thames incluída, o discurso na histórica escadaria do Government District apresenta singular lavra dos sound-bytes matraqueados durante a longuérrima campanha eleitoral. Confirma a ‒ I am afraid to saypedestrian simplicity que seduz o eleitorado norteamericano. Um passo da oratória comove até. Observem o raciocínio. Um: "For too long, a small group in our nation's capital has reaped the rewards of government while the people have bore the cost. Washington flourished, but the people did not share in its wealth. Politicians prospered but the jobs left and the factories closed." Dois: "The establishment protected itself, but not the citizens of our country. Their victories have not been your victories. Their triumphs have not been your triumphs. And while they celebrated in our nation's capital, there was little to celebrate for struggling families all across our land." Donde, três: “We are not merely transferring power from one administration to another or from one party to another, but we are transferring power from Washington, D.C. and giving it back to you, The People.”

Estes são dias de alta intensidade junto ao Potomac River. Ouvem-se things like the Truth, ditas “alternative facts.” E há a renovada decoração. O busto de Sir Winston Churchill regressa ao Oval Office e o novo landlord ainda muda as Obamian dark red para Trumpian gold curtains. Daqui sairá tumultosa torrente de Executive orders e o Mexican Wall. Façamos, pois, como diz o bom Pope Francis: “Wait and see.”

Mas o grande tema da talk in town é a (previsível) derrota governamental no Supreme Court ao redor da Brexit. Invocando a secular Law of The Land, 11 juízes deliberam que é necessário um Act of Parliament para acionar o famoso Article 50 do Lisbon Treaty e abrir ao processo oficial de saída do UK da European Union. O veredicto resulta de uma maioria de 8-3. Qual é o seu efeito? No imediato, nenhum. O May Govt avança agora com uma resolução parlamentar nos Commons, a acordar em White Paper com os Lords. Que os eurófilos cerram fileiras interpartidárias é óbvio, mas a relação de forças indica que o rogo de divórcio com Brussels soará em previsto March 2017. Ainda assim, o alerta às barcas vibra no Thames. Antes da identificação dos MPs que contrariem o referendo popular, o Daily Mail aponta os últimos heróis de Westminster Square ao titular "Champions of the People" com as fotografias dos three justices que escoltam o HM Government no Miller and another v Secretary of State for Exiting the European Union Case. Aliás, mais relevante que o majority judgment é a sentença dada às ambições de Scotland: “The devolution Acts were passed by Parliament on the assumption that the UK would be a member of the EU, but they do not require the UK to remain a member. Relations with the EU and other foreign affairs matters are reserved to UK Government and parliament, not to the devolved institutions.”

 

O bravo mundo in the making tem traços do divertido caos de 'Allo 'Allo!, a clássica série da BBC passada na France durante a ocupação nazi e que fixa no imaginário saudosa trupe. O sarapatel sob aparência de normalidade em típica Nouvion resulta de hilariante trama da dupla David Croft & Jeremy Lloyd, onde nunca se sabe o que acontece a seguir a nacionalizadas personagens com lapsos glóticos tipificados no “Good moaning” do Eng Gendarme Crabtree. Recordareis o fio da continuous sitcom transmitida de 1984 a 92. São 85 episódios de puro non-sense centrados na tela da Fallen Madonna, que só colam com os monólogos iniciais do genial GK para a câmera. Temos o patrão do café como relutante herói na guerra contra Herr Hitler, envolto em sarilhos de saias com as empregadas “OOhhgggghhhhh Rene” e gaslightining esposa de aflautadas cantorias, dividido entre negociar com London a fuga dos oficiais ingleses que esconde na adega, os Airmen Fairfax e Carstairs, e agradar aos clientes alemães, o Colonel von Strohm e o Captain H Geering, o Major-General von Klinkerhoffen ou o Gestapo Officer Flick. Assistir a todos é difícil. — Hans: “We are Germans! To have our uniforms made in London must be against the rules!" Temos ainda a Resistance, liderada por intrépida Michelle e o “Listen very carefully. I shall zay ziss only once.” A polémica em torno da farsa só estala quando Madame Fanny por ali aparece a tricotar. Por regra surda e acamada, a sogra surge com knits Brit style quando “any French woman of the time would knit Continental style instead!” Afinal tudo começara com The British Are Coming, mas o próprio Renu Atwah explica: “Of course. How quickly I have lost the thread of this tapestry of intrigue." Goodbye, Monsieur Gordon Kaye. And, Thank you.

 

Com a poeirada de desinformação que se levanta no West, deixo tributo final com outra exemplar ironia situacional. Ainda que, segundo os manuais, em política, o que parece é, na realidade, nem sempre o que parece ser o é. — Humm. Remember how Master Will handle his major ironic turn with those two young lovers of Verona. Thinking that will hear a love story, it is actually a tragedy: — Go hence, to have more talk of these sad things / Some shall be pardon’d, and some punished / For never was a story of more woe / Than this of Juliet and her Romeo.

 

St James, 25th January 2017

Very sincerely yours,

V.

OS PRIMEIROS TEATROS DO BRASIL

 

Nesta série de artigos, tivemos já ocasião de evocar os teatros romanos da Lusitânia, com destaque adequado para o teatro de Mérida.  Referiremos agora alguns teatros que, historicamente, estiveram ligados a Portugal: e desde logo, os que, a partir do século XVIII, foram sendo contruídos dispersamente no Brasil.

 

Há, efetivamente, documentação de uma tradição de espetáculo que remonta pelo menos ao século XVIII. Por exemplo, uma Casa da Ópera funcionou no Rio de Janeiro, a partir de 1770, por iniciativa do “reinol” (como então se dizia de quem tinha nascido em Portugal) Manuel Luis Ferreira, com intervenção também, de um denominado Padre Ventura e onde se representaram dramas e comédias por atores locais ou idos de Lisboa; ou o Drama, assim mesmo designado, de José Eugénio de Aragão e Lima, “recitado” num aludido Teatro do Pará em honra do nascimento da futura Rainha D. Maria I, editado em 1776.

 

E vale a pena recordar que António José da Silva nasceu em 1705 no Rio de Janeiro, e só veio para Portugal em 1711. Falaremos dele mais adiante.

 

Mas o que agora nos prende a atenção é a criação do primeiro grande Teatro-edifício no Rio de Janeiro.  Remontamos então a 1810, regência do Príncipe D. João, futuro Rei D. João VI. Em 1810, determina, por meio de decreto, que “nesta capital se erija um teatro decente e proporcionado à população e ao seu maior grau de elevação e grandeza em que se acha pela minha residência nela.”

 

Foi este o primeiro grande edifício representativo (e a palavra não é redundante!…) na infraestrutura e na arquitetura de espetáculo do Brasil. Mas isso não significa que, na imensa geografia brasileira, fosse o único teatro em função.

 

Há efetivamente, fora do Rio,  pequenos edifícios  anteriores, com vocação de espetáculo: veja-se por exemplo a atividade em Vila Rica, hoje Ouro Preto, com as tragédias dos chamados Inconfidentes, percursores da independência do Brasil, designadamente Cláudio Manuel da Costa ou Alvarenga Peixoto. Temos notícia de salas construídas pelo menos desde 1805. E em 1812 funcionava um Teatro São João em Salvador da Bahia, e em 1817, um Teatro União, este em São Luís do Maranhão.

 

Em São Paulo, registam-se atividades teatrais já em 1797.  E em 1818, dois alemães, Von Mariius e Von Spix, deixam curioso testemunho citado por Décio de Almeida Prado, de um teatro e de um espetáculo a que assistiram na cidade, já então em crescimento:

 

«Assistimos, no teatro construído em estilo moderno, a representação de uma opereta francesa, “Le Deserteur”, traduzida para o português. (…) O ator principal, um barbeiro, emocionou profundamente os seus concidadãos. O fato de ser a música ainda confusa, a busca dos seus elementos primitivos, não nos estranhou, pois além do violão para o acompanhamento do canto nenhum outro elemento foi tocado com estudo”.

 

E prosseguem citações: «Foi representado “O Avaro” e uma pequena farsa. Os atores eram todos operários (…) A maior parte dos atores não era constituída por melhores comediantes, entretanto não se pode deixar de reconhecer que alguns deles possuíam inclinação para a cena”…  (cfr. “História Concisa do Teatro Brasileiro – 1570-1908” ed. Universidade de São Paulo - págs. 26-27; do mesmo autor,  “A Literatura no Brasil”, vol. VI págs.7 e segs.).

 

Ora bem: o “teatro decente” mandado construir no Rio de Janeiro em 1810 pelo Príncipe D. João está pois em pela atividade a partir de 1813. E para início, chamou-se a atriz Mariana Torres, então considerada “a primeira atriz portuguesa, sobressaindo muito nos papéis e na tragédia, diz a crítica da época. “De acidentada história, a rigor o nosso primeiro edifício público de teatro condizente com essa atividade, que passa então a ser estimulada”, refere José Aderaldo Castello. (cfr. “Manifestações Literárias no Brasil Colonial” ed. Cultrix pág. 212).

 

O Teatro São João do Rio de Janeiro sofreu sucessivos incêndios e alterações, desde o nome ao edifício em si. Mas a sala primitiva guardou uma memória e uma imagem que faz recordar o Teatro de São Carlos de Lisboa. A aguarela de Thomas Ender, que aqui reproduzimos, confirma-o amplamente.

 

E não será alheio ao surgimento de uma literatura dramática de expressão brasileira. Volto a António José da Silva, já acima referido. Cito, a propósito, Arlete Cavalieri, para quem “o surgimento de uma arte teatral nacional liga-se ao papel de Gonçalves de Magalhães (1811-1882), introdutor do romantismo no Brasil, cuja peça «António José ou o Poeta e a Inquisição» é considerada a primeira tragédia brasileira sobre tema nacional”. (cfr. “Teatro no B” no “Dicionário Temático da Lusofonia” - direção e coordenação de Fernando Cristóvão, Texto Editores pág. 909). 

 

DUARTE IVO CRUZ