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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

  Contributo a uma Consciência da Modernidade

 

 

Não se descuida que um dos crimes do quotidiano chegou até onde o ruído fascina os jovens que vivem na algazarra por tão temerosos que são do silêncio.

 

São apenas vozes o que se ouve. São vozes em plena desestabilidade de discurso. Vozeirais de hipocrisia do está tudo bem se me perguntam, e que não teriam chegado a tanto impacto destrutivo de si mesmos e do que os rodeia, se tivéssemos tomado a peito o destino da humanidade que ama a humanidade, e se eles não se tivessem recusado a se aperfeiçoarem, a não serem apenas pedregulhos de um jogo de pseudo ideias batoteiras.

 

Prefiro mesmo dizer que este cataclismo tremendo que continua a ameaçar matar o cerne do mundo que é mundo, não é privativo da maioria dos jovens, mas sim das gentes medíocres no geral, meros espectadores miméticos das televisões, cubatas ambulantes de vírus no sangue das mães que matam os filhos de muitos modos, de pais que se abstêm de educar e que se escondem por detrás de qualquer coisa, seja de um medo que se não explica, ou até de um mando corrupto ou vazio de limitações.

 

E recordemos que os gregos já choravam quando Medeia matava os seus filhos só para desgostar o marido. Este último motivo é sustento bastante à hipócrita decisão de quem se finge de mártir, agindo, utilizando os que manipula em seu proveito para que a vingança se concretize e prostitua as opiniões de quem vê, escuta e atua, sem escrúpulos de praticar uma qualquer reles injustiça dentro do que poderá ser o seu pensar, e o seu eventual direito a julgar.

 

Quem é atento aos telejornais, bem conhece os afetos assassinos tidos por estatisticamente normais e consolidados. Mas as cotações da bolsa continuam como primeira notícia e as prudentes indiscrições do que ataca a alma no nosso dia-a-dia, só chega depois de umas tantas cabeças terem sido decepadas, realidade tão horrível que abafará a importância das tais algazarras de ruídos temerosos do silêncio que são meio de vida das gentes que sustenta a pseudo decisão dos que praticam o julgamento leviano e sujo dos tempos que vivemos.

 

Tudo isto se atrela às ruturas dos caminhos da perceção humana e, como tal, impede as áreas do conhecimento, das proposições filosóficas, das conexões entre palavra e mundo cujas repercussões afetam necessariamente a própria consciência da modernidade.

 

Steiner já muito escreveu sobre o desafio do homem entender que a poesia é o mais rigoroso dos pensamentos, sobretudo por ser um caminho, e um caminho que faz descobrir o poder da literatura que consolida o homem, que o compromete a ouvir e a refletir, muletas que o impediriam do empobrecimento irreparável da capacidade do intelecto.

 

Mas como falar de poesia se a publicidade a um Jaguar tanto desperta o espectador abastado de sentimentos de frustração?

 

Como falar dos eventuais pensamentos do homem-sanduíche que pensa na verdade manipulando os infinitos canais de televisão?

 

O que interessa é a identificação de um produto e a sua consequente aquisição sugestionada pelo personagem feliz que garante o êxito desse mesmo produto e se suicida a seguir por perder um par de botas do seu grupo de futebol. E já nem se creia no público mas antes na testemunha do produto.

 

Conheci alguém que me disse ter ido a uma festa a casa de uma amiga que tinha lá 62 pessoas amigas! Fantástico! Uma verdadeira assembleia de fé! Uma algazarra em êxtase numa cerimónia fundamentalista que admite à experiência anti-darwiniana quem lutar pela sociedade em que o ensino seja um conhecimento banido.

 

Afinal o botox é uma algazarra que muito fascina. O botox é o produto das “ideias” que vivem do muito medo do tempo da vida que passa: relíquia de um vício que aqui e além faz crer quem não crê, tal é a confusão de quem entende qualquer coisa.

Eis. 

Teresa Bracinha Vieira

Da Arte de Maternar de Zuleide Duarte

 

Revisitando o livro «Da Arte de Maternar» de Zuleide Duarte  - Doutora em Letras e Professora de Literaturas Lusófonas.

Existe todo um edifício por Zuleide construído para que este seu livro se erga no contar dos contos – inquestionavelmente chegados ao mundo das perceções maduras - e no objetivo que os leve a que deles se retirem as coincidências, muitas delas verificáveis no agrupar de realidades só aparentemente distintas, pois que entre todas, a conotação de mundo é a oposição fundamental.

Creio que Zuleide Duarte agrupa, um conjunto de acontecimentos-sentires e doa-os à adivinhação de quem os lê, como prova de quem expõe uma visão até então oculta, mas provocadora. Materna, Zuleide Duarte expõe presenças astrais como manifestas redes de afeto, propícias ao código corajoso exposto no conto «Não era daqui».

Todavia, quando leio « Náufragos» encontro uma deslocação de palavras que se quedam antes de uma hipotética erosão que seria, no meu entender, profícua. Dito de outro modo, eventualmente, aos caminhos incontáveis, sem espias, sem censuras, as palavras do conto que me retém por ora, não seriam, por excesso, levedadas se levassem o leitor a uma ideia de maior viagem, de modo a que as suas interrogações o colocassem, sem receio, a admitir, o quanto   se encontraria disposto ao seu próprio questionar face à expressão com que se finaliza este conto: «como no princípio». E eis o desafio de Zuleide.

Insisto que se descobre neste livro de Zuleide Duarte uma imensidão de impulsos, deliberadamente contidos, e que os mesmos são fonte de uma itinerante exploração interior que, de tão madura, pressupõe em quem os escreve que, quem os lê, compreenderá que tal contenção é fruto de uma comunidade nativa de saberes que sobrevive intacta à visita dos olhos das palavras com que se exprime.

 Atitude arrojada esta. 

Tenho para mim que a extrema explicação subjuga fatalmente o cerne do explicar. Fatalmente também o discurso excessivamente analítico adulterará ou destruirá a vitalidade do seu objeto. Neste caso, a Escritora sabe-o. Mais: tem pleno conhecimento da barbárie narrativa que um conto pode conter e daí o deitar mão ao refreamento que a palavra também sustém se sustida num  hífen de precaução.

Jaci Bezerra, com quem partilho a noção precisa da capacidade de concisão vertida neste livro de contos, refere também um corrosivo senso de humor, tão refrescante à inteligência da escrita.

Deste modo, convivo com o humor que Zuleide Duarte utiliza nesta sua escrita, pois deste humor faz parte uma outra arte: refiro-me à da clareza do discernir em coragem.

Entendo dever referir ainda o quanto o título do último conto deste  livro «Da Arte de Maternar», nos oferece um contrato de esperança subtil pois, se esta rua fosse minha (...) por mais que apurasse o ouvido, não encontrava o fiu fiu nos sons que acudiam ao seu chamado.

E não será que no chamento da lua ao mar é como se a vida se demorasse num instante de sofreguidão e nos desse no peito de maternar um oceano, um mar, a agua imensa de uma lágrima que de timida se oferece à explicação?

 

Teresa Bracinha Vieira