Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

TRADIÇÃO DE TEATROS NO INTERIOR: O CASO DE ALCÁCER DO SAL

 

Referimos hoje uma tradição, devidamente comprovada e prolongada, de recintos de espetáculo em Alcácer do Sal, “famosíssimo porto resguardado, interior”, como qualifica, e bem, Fernando António de Almeida (in “Olhar Portugal – Viagens e Paisagens” – ed. Circulo de Leitores - 2013): e não é demais enfatizar, precisamente, a notável relevância do espetáculo e do edifício teatral/musical, em meios urbanos mais pequenos.

 

Alcácer do Sal conserva um património histórico notável, a começar no castelo de origem muçulmana (Al-Cassar, antes Salávia no período romano) mas que guarda desde o século XII a Igreja medieval de Santa Maria, e ainda as Igrejas renascentistas do Senhor dos Mártires, do Espírito Santo e do Convento de Santo António, todas do século XVI. Oliveira Marques lembra que “passado o Tejo, a fronteira deslocou-se para o Sado e as terras alentejana. Al-Qasr Abu Danis (Alcácer do Sal) foi conquistada em 1158” (cfr. “História de Portugal” vol I Edições Ágora 1958 pag. 91).

  

E faz-se ainda uma citação “definitiva” pela relevância da obra em si. É que Alcácer do Sal surge consagrado na citação de Camões nos Lusíadas: “E vós também, ó terras transtaganas/ Afamadas co dom da flava Ceres,/ Obedecendo às forças mais que humanas/ Entregando-lhes os muros e os poderes:/ E tu, lavrador Mouro que te enganas, /  Se sustentar a fértil terra queres;/ Que Elvas e Moura e Serpa conhecidas,/ E Alcácer do Sal estão rendidas”…   

         

Escusado seria dizer que os teatros são muito mais recentes… mas, mesmo assim:  no caso que agora nos ocupa, é oportuno referir uma tradição de cultura e de espetáculo, marcada pela sua diversidade e pela sua especificidade.

 

Referimo-nos pois, em primeiro lugar, ao Teatro Pedro Nunes, já citado por Sousa Bastos no “Dicionário de Theatro Português” publicado em 1908, como aqui temos visto. Edificado a partir de 1894, foi inaugurado no ano seguinte com uma adaptação de “Os Fidalgos da Casa Mourisca” de Júlio Dinis. Na época, o Teatro teria algo como 15 camarotes, 10 frisas e para cima de mais de 100 lugares de plateia, balcão, geral e superior, usando a terminologia da época. Notava-se o pano de boca de João Vaz, depois devidamente restaurado. “Já ali representaram diversas companhias, incluindo a do Teatro do Príncipe Real”, diz-nos ainda Sousa Bastos, e na época isto não era pouco. Acrescenta que “a iluminação é a acetilene”.  

 

Este Teatro terá sido fundado por uma então chamada Sociedade Civil Particular: entretanto, a entidade proprietária passa à designação de Sociedade Filarmónica Matos Galamba. E homenageou em devido tempo o compositor Rui Coelho (1892-1986), natural de Alcácer do Sal, que aqui iniciou a sua aprendizagem musical e teatral. O seu retrato foi então colocado no salão nobre do Teatro.

 

Ora importa então salientar que Rui Coelho constitui figura de grande destaque também na expressão teatral, designadamente (mas não só) como compositor de operas, a partir de nomes relevantes da literatura portuguesa em épocas diversas.  Vale a pena evocar aqui os dramaturgos que Rui Coelho “transformou” em autores de libreto de ópera: nada menos do que Gil Vicente, António Ferreira, Teófilo Braga, António Patrício, Carlos Selvagem, Júlio Dantas, Augusto de Santa Rita, Silva Tavares.

 

Mas voltemos aos teatros da região. Outro que merece referência, situa-se em Santa Suzana e remonta aos anos 40 do século passado. Trata-se, como já tivemos ocasião de noutro local referir, de um salão recreativo destinado (na época) sobretudo a trabalhadores rurais, criado por iniciativa de Henrique Louro Fernandes: pequena sala de festas típica da época, de arquitetura algo regionalista, na decoração à base de tijolo alentejano.

 

Mas acresce-se a referência à infraestrutura de espetáculo, chamemos-lhe assim, que a Câmara Municipal de Alcácer do Sal inaugurou em 2003. Trata-se agora de um projeto do Arquiteto João Resende, com uma plateia de cerca de 200 lugares. E também se citam os auditórios do Torrão e da Comporta, zonas de expansão turística.

 

O Teatro e os Teatros acompanharam o desenvolvimento urbano: e pelo menos assim deveria ser sempre. Mas pelo menos, a época de demolição sistemática de Teatros e Cineteatros para construção de imóveis no centro das cidades, se ainda não desapareceu, pelo menos diminuiu!...     

 

DUARTE IVO CRUZ