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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

 

A sóbria partilha

 

Aristóteles respondeu:

 

«A coragem proporciona os riscos corridos para o fim procurado. Ela mantém-se no meio justo entre estes dois excessos que são a cobardia e a temeridade» 1.

 

De fato se a temeridade muitas das vezes anda por inúteis riscos, a coragem já deve ter assento numa inteligente reflexão. Estudámos que o herói grego é a coragem liberta do medo da morte e despojada de interesse pessoal. Referimo-nos a uma virtude de fundo guerreiro e de onde a violência que abarca é purificada pelo próprio dom que envolve o sacrifício da coragem. Então a coragem nunca será reflexão pois não se trata de pensar, mas de agir. Diríamos que a reflexão do próprio pensamento pode inibir a coragem já que lhe mostra os perigos. Vamos um passo mais e saltamos ao conceito de heroísmo, e é este, e não a coragem, que implica o desinteresse da vida, já que o herói será aquele que se expõe quando podia abrigar-se.

 

Curiosamente também poderíamos concluir que o herói não é «razoável» já que se esquece do seu instinto mais vital. Então justificamos que há razões de viver que afinal valem mais do que a vida.

 

E há aqui doçura. Há a música nos campos de batalha dos filmes. Há aqui algo mesmo de misticismo, mas que só se revela em extremo mobilizado por uma engrenagem interna que faz despoletar uma espécie de conversão.

 

Contudo, existe heroísmo quando alguém se lança à água para salvar a vida de um desconhecido, e ainda assim, o heroísmo mais puro é o de todos os dias, o de toda uma vida de situações difíceis oferecidas como leves para se não tornarem pesadas aos que nos rodeiam.

 

Abrigamos dentro deste exemplo o recomeço depois do fracasso. É ele o grande segredo da coragem, o grande segredo do desprendimento do verdadeiro herói que sem querer ter perdido ainda exige de si dar lugar a valores superiores; afinal, valores superiores àqueles a que todos nos queremos, de um modo ou de outro, vermo-nos destinados, e por não sermos capazes de ir do tudo ao nada, nunca nos é oferecido esse caminho.

 

E se tudo isto tiver fios à alegria, chegada está a eternidade que nos muda: a sóbria partilha, como vocação.

 

Teresa Bracinha Vieira

1.Aristóteles, Ética a Nicómaco, Garnier , 1965

CLAUDE ROYET-JOURNOUD

 

Claude Royet-Journoud nasceu em 1941 em Lyon. A legendária revista Siècles à main lhe devemos entre muitas dívidas como as de ser um tradutor excelente de George Oppen ou ter publicado Louis Zukofsky.

 

Claude tem livros traduzidos em grego, espanhol, dinamarquês, inglês e português. Em 1991 publica uma outra antologia em colaboração com Emmanuel Hocquard, referimo-nos a Un Bureau sur l’Atlantique. Em 1984 já tinha surgido pela Gallimard Les Objects contiennent l’infini por entre as suas inúmeras publicações. A Relógio d’Água apoiada pelos Serviços Culturais da Embaixada de França em Portugal e pela Direção do Livro do Ministério da Cultura francês, publica em 1993 o livro Sud-Express – Poesia Francesa de Hoje, sob a coordenação de Guilhermina Jorge, Jean-Pierre Léger e Etienne Rabaté. Deste livro retiramos uma sempre excelente tradução de Pedro Tamen a poema de Claude Royet-Journoud de Les Objects contiennent l’infini

 

a gaze coloca-se na boca

«destaca-se da fábula»

 

se fala no meio da imagem

 

O frio bloqueia as articulações

comércio

dos objetos da memória

                                   

                                     mesmo junto do acontecimento

                                     ela faz-lhes as vezes de alfabeto

 

Diria que desta poesia se evoca a concavidade de um abraço acolhedor do futuro de um homem que procura e sabe já o que quer. Não se sabe o que resultará daí, mas tudo anda perto de um universo em desordem quando outro regaço se não quer. A amante surge sempre como aquela que aprisiona o trovador cativo. Esta amante será sempre o pensamento dentro do turbante que se desenrola ao longo da escrita de Claude Royet-Journoud.

 

Teresa Bracinha Vieira