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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

Tentaremos dar seguimento ao que escrevemos sobre as aulas de Jose Luis Aranguren. Referíamos, na penúltima Crónica da Cultura, que, antes mesmo de sabermos se o saber científico e técnico são o suficiente para a ordenação total da vida, a que estado deveria chegar o nosso raciocínio para provar a insuficiência desta afirmação e descobrir o quanto o conceito daquilo que se entende por «experiência de vida», deverá conquistar-se através dos conceitos filosóficos de prudência e sabedoria, de modo a que só no momento pleno em que saibamos o que é experiência de vida, e que relação ela estabelece com a moral, então poderíamos sim, preguntarmo-nos pelo modo de a adquirir e inclusive pela possibilidade ou não de a conseguirmos transmitir.

 

Entendemos estas questões como sendo do maior interesse para indagarmos qual o cerne que nos espreita da própria experiência de vida e assim determinarmos o seu posto e a sua função na nossa vida, na vida do homem.

 

Na realidade, muitos são os que entendem que a totalidade da vida se organiza a partir da ciência e segundo a ciência, e que mesmo a felicidade pode surgir por uma espécie de human engineering, e mesmo sendo as relações humanas muito complexas, a ciência pode reduzi-las ao princípio mais simples. Ainda que assim fosse, perguntaríamos onde ou como a verdadeira justificação científica pode surgir, se pensarmos em saberes costumeiros de uma vontade que muitas vezes, nem claramente foi identificada? Então estaríamos perante uma utópica ciência, se esta pretende formular uma pretensão de domínio do uso científico da razão sem que se chegue à realidade enquanto tal.

 

Julgamos que se pode responder às perguntas com a ciência, não sabemos, contudo, se neste caso não haverá um abuso da própria ciência?, na verdade é indeterminado e imprevisível o futuro da história ou o futuro pessoal. Não existe um cálculo da história como um cálculo matemático e a razão científica não o é em plena profundidade se o seu raciocínio se fizer desconhecendo os passos de uma experiencia a viver, ou mesmo da experiência vivida em diferentes realidades.

 

Como afirma Xavier Zubiri, a ciência é dirigida para a confirmação das suas hipóteses e a experiência é «algo adquirido en el transcurso real y efectivo de la vida, el haber que el espírito cobra en su comercio efectivo com las coas», em suma no lugar natural da realidade.

 

Enfim, se experiência da vida não é o mesmo que ciência, também não é o mesmo que filosofia, por mais perto que esteja desta, já que a filosofia assenta numa pretensão de um sistema, de um método, ambos afastados da experiência da vida, e a filosofia ainda que possa ser também «uma filosofia da vida», nem sempre o foi, nem tem que o ser primariamente.

 

Veremos se a prudência de que falamos não carece de vários graus de entendimento para ajustarmos as realidades, e tão bem que elas nos são propostas por Aranguren.

 

Teresa Bracinha Vieira

Até onde pode ir a literatura na leitura de Mia Couto?

 

Até onde podemos ir, até onde pode ir a literatura, parece ser a pergunta constante de Phillip Rothwell, professor catedrático de Estudos Portugueses na Universidade de Oxford. No seu livro “Leituras de Mia Couto – Aspetos de um pós-modernismo moçambicano” com uma tradução e introdução de Margarida Ribeiro. Em rigor este ensaísta britânico considerado um dos professores de Estudos Portugueses mais inovadores da sua geração e dominando continuadamente a literatura portuguesa, reconhece, por óbvio, em Mia Couto o grande escritor de língua portuguesa legitimado em todo o mundo.

 

A sua capacidade de analise da escrita de Mia passa necessariamente por lhe reconhecer os mapas geográficos, étnicos e religiosos e de onde a história também é contributo ao colocar no lugar certo as questões universais, tal como o faz em plena mestria este escritor único que é Mia Couto que tão excelentemente une a identidade múltipla de um povo a uma nação-a-ser como menciona Margarida Calafate Ribeiro.

 

Chama-se a atenção neste livro para a luz da literatura no seu papel crucial de construir identidades culturais e politicas numa linguagem de esperança que revela um Moçambique para moçambicanos geradores de continuidades. Mia Couto persegue o situar a ideia de nação e Mia Couto lido por Phillip Rothwell faz-nos entender que sempre as fronteiras trazem suspeitas e entre a verdade e a falsidade Mia usa as técnicas do pós-modernismo para do percurso literário europeu o transformar no que poderíamos chamar de “autenticamente” africano para os europeus o que nos coloca no país em diferença no seu movimento.

 

Mia é nome de mulher, e Mia Couto é um escritor branco que representa Moçambique. E alerta-nos o ensaísta para esta absoluta literatura nacional de Mia Couto, igualmente riquíssima em cultura portuguesa. Assim se conjuga o europeu e o africano e questionando a modernidade a partir de Moçambique.

 

Este livro de Rothwell coloca-nos sempre a pergunta: até onde poderemos ir? E ir na literatura? Uma proposta belíssima ao pensar. Uma proposta para melhor conhecermos Mia Couto no seu modo de ir respondendo a estas duas questões fundamentais.

 

Teresa Bracinha Vieira