A FORÇA DO ATO CRIADOR
Simone Weil e a beleza do mundo.
‘A beleza é a única finalidade neste mundo.’, Simone Weil
Em ‘A Espera de Deus’, Simone Weil (1909-1943) escreve que uma coisa bela não contém qualquer fim, não contém qualquer bem. É somente ela mesma na sua totalidade, tal como nos surge. Uma coisa bela oferece-nos a sua própria existência – possuímo-la e contudo desejamos ainda, não sabemos o quê. Para Weil, gostaríamos, no fundo, de ter o que se encontra por detrás da beleza (mas ela é somente superfície). Talvez, na verdade, gostaríamos de nos alimentar dela, de modo a incorporá-la em nós, na totalidade.
Ao não ter qualquer fim, a beleza constitui a única finalidade neste mundo. A beleza não é um meio para outra coisa. Está presente em todas as buscas humanas – todas as coisas que tomamos como fins são na realidade meios e a beleza confere-lhes um brilho que as reveste de finalidade (de outro modo, não poderia existir desejo nem consequente energia na busca).
Para Weil, a pobreza possui o privilégio de nos aproximar mais do amor à ordem e à beleza do mundo, como complemento do amor ao próximo. Renunciar à nossa situação imaginária de centro do mundo, é acordar para o real, para o eterno, ver a verdadeira luz, escutar o verdadeiro silêncio. Só então se opera uma transformação na própria raiz da sensibilidade, na maneira imediata de receber as impressões sensíveis e as impressões psicológicas.
Weil diz ainda que o homem ao esvaziar-se da sua falsa divindade, ao negar-se a si mesmo, consente caridade para com o próximo, consente um amor total à ordem do mundo.
A arte é, para Simone Weil, uma tentativa de reproduzir, através de uma quantidade finita de matéria modelada pelo homem, uma imagem da beleza infinita de todo o universo. Essa porção de matéria deve revelar toda a realidade que nos cerca. As obras de arte devem assim ser aberturas diretas, reflexos justos e puros sobre a beleza do mundo. Para Weil, Deus inspira toda a obra, por mais profano que seja o assunto. A obra de arte reconstrói a ordem do mundo como uma imagem, a partir de dados limitados, inventariáveis e rigorosamente definidos. A contemplação dessa imagem da ordem do mundo constitui um certo contacto com a beleza do mundo.
‘O artista, o sábio, o pensador, o contemplativo devem, para admirar realmente o universo, perfurar essa película de irrealidade que o oculta, e que cria para quase todos os homens, em quase todos os momentos das suas vidas, um sonho ou um cenário de teatro.’, S. Weil
Weil revela que as realizações puras e autênticas da arte revestem-se da verdadeira poesia da vida humana, sendo reflexo da luz celeste: ‘A conveniência das coisas, dos seres, dos acontecimentos consiste apenas nisto, que eles existem e que não devemos desejar que não existam ou que tivessem sido outros. Nós somos constituídos de forma tal que este amor é realmente possível; e é esta possibilidade que tem por nome beleza do mundo.’
A ausência de finalidade, a ausência de intenção, e a ausência de pensamentos que alterem a verdade tal como ela é – essa sim é, para Simone Weil, a essência da beleza do mundo.
Ana Ruepp