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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

 

6. PORTUGAL, LUSOFONIA E CPLP
NO PENSAMENTO DE EDUARDO LOURENÇO - III

 

 

Para Eduardo Lourenço a lusofonia é um mito cultural português recente que tenta persistentemente desconstruir, expurgando-o de teorias emotivas, míticas ou messiânicas. O imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o da pluralidade e da diferença, pelo que, se queremos dar algum sentido à galáxia lusitana, temos de vivê-la, na medida do possível, como indestrinçávelmente portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, guineense, são-tomense, cabo-verdiana ou timorense.

 

A celebrada alma portuguesa pelo mundo repartida, evocada por Camões, foi, sobretudo, língua deixada pelo mundo, que não é propriedade nem objeto de ninguém, nem mesmo dos portugueses, atuantes primeiros na ordem cronológica e genética, não usufruindo, por isso, quaisquer mordomias de “senhores da língua”, que é sempre dona de quem a fala.  

 

Os únicos sujeitos da língua portuguesa, são as gentes que a falaram, falam e falarão no futuro, razão pela qual não admitindo o espaço lusófono a unicidade de uma só cultura, tem de ser apenas o espaço da língua portuguesa: “Dos Portugueses, como de Francisco I de Pavia, pode dizer-se que perderam tudo (perdendo-se no tudo em que se encontraram) menos a língua. (…) E é o sonhar como unido o espaço dessa língua ou a ideia de o reforçar para resistir melhor à pressão de outros espaços linguísticos - não como um império, hoje impensável, à Albuquerque, ou nem sonhável à maneira de Vieira, como o de Cristo senhor do mundo - que os Portugueses (sem o quererem dizer em voz alta) projetam no conceito ou na ideia mágica de lusofonia. Razão mais do que suficiente, no seu ponto de vista, para desejarem que exista, com um esplendor real e onírico comparável ao do quinto império pessoano, A Comunidade de Povos de Língua Portuguesa: CPLP” (A Nau de Ícaro seguido de Imagem e Miragem da Lusofonia, Gradiva, p. 164).

 

Assim, para além de Portugal ter de ter consciência de que a existência do espaço de uma língua, neste caso a portuguesa, não equivale a ser espaço de cultura una, de igual modo terá de constatar de que a real mola da lusofonia reside na suprema constatação de  que “os outros não a sonharão como nós”. Apesar de compreender ser de sonhar a sério uma comunidade de raiz linguística portuguesa. Não sendo a questão de natureza circunstancial, ideológica ou política, mas sim de cultura.

 

Interrogando-se sobre o interesse que pode levar um país como o Brasil em investir na construção da nova comunidade, no caso a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, responde: ”Só o Brasil pode responder à questão, não como Portugal, em função de uma mitologia cultural que tem o seu tempo forte no passado, ou como a África, que o espera de um novo presente, mas de uma exigência condicionada por um futuro onde pode ver-se já como uma das configurações civilizacionais e culturais mais relevantes do próximo século”, acrescentando: “É mais do que evidente que, se o Brasil não se implicar em nome desse fundo comum de língua e de cultura, … , ela será uma quimera nado-morta” (ob. acima citada, pp. 171, 172).

 

Assim, o Brasil é (e será) o grande centro da lusofonia, realidade de que os portugueses têm de ter consciência, não podendo Portugal imaginar ou sonhar uma nova forma de projeção da sua vocação imperial. O Brasil é, e será, para muitos, a realização e continuação do sonho imperial português.

 

Em entrevista ao jornal Público, de 19.05.13, à pergunta se há o risco de cairmos de novo na tentação de pensar que o Brasil ou Angola são a alternativa à Europa, diz: “Valemos no mundo o que valemos na Europa. E eles, no Brasil, ligam-nos pouco. É uma coisa mais lírica. (…)  Querem ser os americanos do Sul. O engraçado é que o paradigma da Península Ibérica inverte-se do outro lado. É o Brasil e a língua portuguesa que querem dominar a região. É uma coisa quase mecânica, quase natural”. Acrescenta: “Ficam muito encantados quando vêm aqui, que lhes parece uma coisa familiar. Falamos a mesma língua, o que já é uma coisa fabulosa, que é uma coisa que já nos ultrapassa porque já não somos os sujeitos dessa língua. O nosso futuro enquanto língua portuguesa está assegurado no Brasil”.

 

Brasil que, também nesta perspetiva, se converte/rá num novo centro, num novo centro imperial linguístico através de um idioma comum a falantes de várias latitudes, através  da língua portuguesa, após tempos idos, ter sido a sede da transferência do centro imperial de Lisboa para o Rio de Janeiro com a corte de D. João VI alimentando, para outros, o novo sonho e a realidade de que aí se situa o futuro de Portugal, dado que este aí se projetou, ampliou, transformou e tem a sua condição e conclusão natural por excelência.

 

Conclui-se que são e serão os descendentes das antigas colónias da antiga Europa imperial os novos impérios linguísticos do futuro, à semelhança do que sucede com a liderança atual dos Estados Unidos da América.[1] O que pode ir para lá do idioma, compatibilizando-se e adaptando-se, com o evoluir dos tempos, por exemplo, com a Europa, de que somos parte. E com um europeísmo de que Eduardo Lourenço sempre foi fortemente convicto, mas de cujo êxito, por agora, já não está tão convencido.  

 

28.03.2017 

Joaquim Miguel De Morgado Patrício 

 

[1] Ver, neste blogue do CNC, um texto nosso, publicado em 25.08.16, sobre A Língua Portuguesa no Mundo XII - Da Europa Imperial aos Novos Impérios Linguísticos.