AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO
V - SUPREMATISMO
Movimento artístico russo, criado por Malevitch por volta de 1913, teorizado em 1920 no seu tratado O Suprematismo, ou o mundo da minha representação. Permanece indissocialvelmente ligado ao nome do seu fundador, para quem a arte apenas deveria desenvolver uma sensibilidade plástica pura, privilegiando formas geométricas como o círculo, o quadrado, o triângulo, o retângulo, a cruz. Rejeitando o preexistente, opta por uma opção não-convencional ao não retratar o convencional e a vida real, expurgando a arte de contar uma história, examinando a cor e suas tonalidades, o peso e textura das tintas, o espaço, equilíbrio e movimento da composição.
Para o cidadão comum, sendo a arte uma linguagem visual, compete-lhe contar, descrever, relatar ou retratar, aludindo a qualquer coisa compreensível e visível, doando ao observador uma narrativa, nem que seja sob uma configuração ou alegoria de um simbolismo musical, como a própria arte abstrata de Kandinsky oferecia.
O não querer uma abordagem musical, espiritual, ou qualquer outra, da arte abstrata, excluindo qualquer noção de um tema, material ou imaterial, restringindo-se tão só aos aspetos técnicos e físicos de uma obra de arte e da sua relação com o universo, o cosmos, a terra, a vida e o infinito, exigia um corte radical com a tradição artística e reavaliar o papel da arte e expetativas dos seus destinatários, rumo a uma nova ordem mundial, revolucionária e de formas absolutas.
Procurando informação e inspiração, assimilando ideias, modos de pensar e estilo, muitos artistas russos viajaram por toda a Europa, pensando que cubistas, futuristas, Picasso e outros eram bastante ambiciosos, mas não o suficiente. Criaram o grupo de São Petersburgo. Queriam ser originais. Questionaram e tentaram ultrapassar os seus colegas do ocidente. Surge o suprematismo, com nomes como Lissitzky, Lyubov Popova e o empenho criativo de Malevitch, após ter participado nas experiências do cubo-futurismo. Uma forma de abstração pura, em que sobressaem os quadros suprematistas de Malevitch, em que quadrados, retângulos, círculos, triângulos de várias cores são bidimensionalmente e geometricamente dispersos e pintados num fundo branco, para que o observador pudesse fruir da supremacia da sensação pura inerente à não-objetividade. Expurgando a arte do objeto, dos elementos do mundo conhecido, o observador tentaria alcançar um significado, interpretando e racionalizando o quadro.
Se a arte abstrata de Kandinsky já tinha alcançado um patamar elevado no abstracionismo, que dizer da arte abstrata não-objetiva de Malevitch? Se as telas abstratas de Kandinsky, mesmo que incompreensíveis, eram um encanto visual para as pessoas, procurando analogias com o domínio das emoções, que dizer de um quadrado preto, numa tela branca, do Quadrado Preto, de Malevitch?
“A cor e a textura em pintura são fins em si”, rematava Malevitch.
No seu quadro Suprematismo, de 1915, no Stedelijk Museum Amsterdam, com um pequeno quadrado vermelho em cima de faixas retangulares amarelas e castanhas, linhas retas e essencialmente retângulos de várias cores e diferentes comprimentos e larguras num fundo branco, não há tema reconhecível. Mas o fundo branco aberto, comunicativo, expansivo, efusivo, quiçá lembrando o abismo ou o infinito, pode provocar no observador um sentimento cósmico ou um reflexo do movimento quotidiano e permanente do universo, da interação e rotação entre estrelas, astros, planetas, suspensos e em equilíbrio pela força da gravidade, de trajetória em órbita ou à conquista do infindo espaço, em paralelo e à semelhança da influência recíproca entre todos os seres (humanos ou não) no seu dia a dia. O mesmo emana da sua tela Suprematismo Dinâmico, de 1916, do Museum Ludwig, em Colónia. Para Malevitch é uma arte pura, em que a tinta de óleo dita a cor e a forma, através de um abstracionismo geométrico ou abstração geométrica.
Mas é com o Quadrado Negro/Preto sobre um fundo branco (1913), de que falarei em texto próximo, que Malevitch cria o primeiro projeto de reconhecimento das formas absolutas.
25.04.2017
Joaquim Miguel De Morgado Patrício