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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

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Ontem escutei e vi num canal de televisão a explicação dos tornados, a razão de seu nascimento, da sua aparência e frequência e morte. A dada altura, confesso, julguei começar a ver no núcleo enlouquecido de um deles, todos nós a debatermo-nos num torvo para respirar e mergulhar de novo naquela força tão desigual à nossa. E pensei-nos a tirar proveito daquela natureza brutal, ganhando tempo para nos familiarizarmos com os elementos e respondermos. Pensei na raiz humana da crise.

 

Não sei quem hoje se aproxima mais do entendimento das mudanças no mundo. Não sei até que ponto se vive um desafio intelectual face às novas realidades ou se lhe sobrepõe um estado de angústia no procurar ver as coisas com bom senso, o que torna tudo bastante arriscado, e exige coragem, quando a exigência é a de um começar. O exorcismo do medo e da desconfiança que existe não carece apenas do encontro dos grupos que, quantas vezes apenas cultivam as suas distâncias. Atuar isoladamente ainda que de aparência grupal é muitas vezes o mesmo que atuar desconfiadamente, e deste facto surge o não avanço contra aquilo que é a raiz mais profunda da loucura do tornado quando deixa de ser fenómeno local e apanha o mundo numa mutação global. Então tudo é suscetível de ser confundido: recebe-se a liberdade e foge-se como prisioneiro.

 

A ameaça entrou no nosso raciocínio como um acontecimento em relação ao qual o poder político ficou de fora, há muito, e sem capacidade de nos tranquilizar.

 

E pergunto-me se toda esta convulsividade não favorece o ato criativo do pensar? ou serão os acontecimentos, mais acontecimentos do que modificações? Tenho para mim que se viveu uma aglutinação, um adormecimento que impediram muitas clarificações, e que de um referver de receios mais claros, se poderia colher aproximações às realidades que pressentíamos poderem surgir de há muito. E quase todos, mais ou menos, modestamente estamos por dentro de similares processos. E quase poucos foram os que sentiram que as interrogações não eram mais do que certezas que já tinham.

 

Diria que a força e a capacidade de pensar e de se exprimir e de refletir vivem numa coragem específica de quem aguardou a decantação no tempo para adquirir uma repulsa à carência do que não seja vida. Então o núcleo louco do tornado, em nós, deixa de ser uma procura de sair dele, mas uma experiência ativa de que a nossa interrogação é um silêncio de quase insuperável dificuldade, como referiu Paul Thibaud, ou o «sem fundo» de Castoriadis ou ainda a circunstância que enfim nos despertou para a importância da ação estética no quotidiano do homem comum. Afinal, cabe aqui dizer que a democracia será sempre um futuro ou não relevasse da incerteza, e julgo que nela nos interessa mais a sua dinâmica do que o seu longínquo ideal de sociedade quase perfeita.

 

A homogeneização é a negação da diferença dos valores dos tornados das sociedades. A título de exemplo a sociedade francesa de hoje conhece uma crise tremenda que sobretudo resulta de uma desagregação entre a sociedade e as instituições, se pensarmos nomeadamente que a grandeza da sociedade democrática reside na sua divisão intrínseca, tanto quanto uma sociedade justa é uma sociedade em que a justiça é de facto uma realidade sempre em aberto ao permitir que a dissimulação se torne visível e o seu combate um garante do Estado que aguardamos, afinal.

 

Como não recordar Marcel Gauchet

A tomada autêntica do poder pela sua verdade pode prevenir os totalitarismos. Atente-se.

 

E acrescento como um dia li: «se não descuidarmos que os partidos políticos agem hoje como se fossem um para além da sociedade.»

 

E ontem escutei e vi num canal de televisão a explicação dos tornados, e nada me pareceu apatia, obediência, conformismo naquele estreito funil e ainda assim.

 

Nós.

 

Teresa Bracinha Vieira

Maio 2017

AS CERTEZAS DO JAPÃO NO FEMININO

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A história da literatura japonesa também se encontra dividida em vários períodos. O período Heian nome da capital da época, Heian-Kyo, atual Kyoto foi marcado especialmente pela poesia. No Japão – final do séc. VIII até ao final do séc. XII - a forma poética tanka brilhou pelas mãos de duas mulheres: Izumi Shibiku e Ono No Komachi, ambas pesos raros na fixação do japonês como língua poética.

 

Apesar de a escrita chinesa (kanbun) continuar a ser a língua oficial do período Heian, esta poesia originou o desenvolver da literatura japonesa.

 

O tanka (de 31 sílabas) que dá lugar ao haiku (de 17 sílabas e inicialmente masculino) constituem uma arte do olhar e do interpretar, e o haikai, igualmente forma poética,  busca pela subtileza uma unidade compacta entre impressão e realidade que na sua concisão tudo devem dizer.


Recordo que num livro quis prestar homenagem a esta conciliação e por entre outros Hai-Kai o arriscado


Quando tardas

Adio o essencial.

 

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Há quem afirme que esta escrita representada pelos tankas é inscrita por signos, tal a lenda na história de tão fortificada e contida arte.

 

De salientar que a consciência religiosa e erótica de Komachi e Shibiku permite-nos avaliar, o quanto estes tempos foram igualmente marcantes na liberdade e cultura das mulheres, sendo aceites sem reparos os seus múltiplos casos amorosos, bem como a sua independência monetária podendo usufruir de rendimentos próprios.

 

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A sensualidade proverbial desta poesia relata-nos conversas, atos ou omissões auspiciosas no papel da interpretação da vida e da própria política, avaliada pelo sentir gracioso destas mulheres de pincel da escrita, que assim registaram as emoções humanas face ao mundo.


Izumi Shikibu uma das mais importantes figuras da Literatura japonesa era uma rebelde social determinada a viver a vida sem receios, e, num misto de eros e de meditação budista escreveu:


Costumava dizer dos homens: «como é poético»,

Mas agora sei

Que o erguer da madrugada é apenas cansativo.

 

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E Ono No Komachi mulher astuta na intuição da impermanência do ser, escreve


Quando o meu desejo se torna intenso de mais,

Visto a roupa de dormir virada pelo avesso.


Aqui a poetisa segue o velho costume japonês de virar a roupa ao contrário para que os desejos se cumpram.


E também eu vesti roupa do avesso tentando aproximar-me, e no meu livro


A outra ponta de mim tens tu. Mostra-me o futuro!


Enfim, não creio que exista uma versão portuguesa dos tankas, menos ainda uma tradução, talvez antes uma aproximação, mas de referir que em 2007 a Assírio e Alvim ajudou-nos no à deriva em relação a este género literário.

pois como dizer


Os vivos vão sendo menos (…) o luar derramado espreita


Então, talvez atentar a Jane Hirshfield que nomeia o sentir destes textos japoneses como único «leap of faith». 


Teresa Bracinha Vieira

 

Obs: Em maio de 2012 publiquei este texto no blogue do CNC. Esta semana um amigo japonês releu-o com tal sentir que em sua homenagem o republico.