Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

O PODER DA MEDINA

 

Foi quando, movida pela irracionalidade, avancei a correr atrás do homem que vendia punhais. Em segundos olhei para todos os lados e vi todos e ninguém. A pesada porta do silêncio perdido avançava para mim e nem tentei uma entrada precária pela blindada fresta luzidia dos pregos de metal. Fatalmente o poder da Medina seduzia-me e apavorava-me e encarcerava-me. Estava perdida à porta de uma porta. Num instante sorvera o discorrer para dentro do senso das especiarias; voava num tapete até ao sensual local dos banhos de rosas argalistas. Desconhecia porventura o destino do jogo que jogava impotente, entregue ou não, não sabia. O tempo não existia, mas antes um poder sábio, hierárquico, precedente à noção.

 

O que vivia em segundos era um movimento não isento de passividade, nem de agressividade, era algo que se revelava numa explosão de sons e cheiros e movimentos do mundo da morte e do mundo da vida.

 

Os dentes enormes do homem do punhal sorriram-me num excesso, assediando-me com preços obstinados, perguntando-me, impacientemente, quanto ofereceria eu por dois deles. Então, naquilo que senti como sendo a penumbra de um hemiciclo, fez-se luz, de súbito. A multidão abrira espaço, era uma possibilidade-limite e o teu olhar ali tão perto dos meus olhos agora, e já a memória em mim dispunha daquela liberdade separada que me envolvera no perder-me no poder da Medina.

 

Local sem corpo, local informe e todo ele torneado. Local pensante de uma inteligência infalível. Local sem escolhas livres e no entanto frémito, emoção, afeto todo ele muito além da simples vontade de o pensar.

 

O poder da Medina prende-nos às essências dos mundos e a trança que nele nos enrola e nos perde é um antigo comportamento em nós.

 

Sob um calor que nos desencaminha, o vai-vem de uma passagem recomendava que uma distância prudente fosse preservada. No entanto, os números e símbolos e cheiros, destinados a permanecerem vedados, permanecerão sempre em densos mistérios que não nos serão dados a conhecer. E no entanto, também ali, nós e o nosso princípio, como se pedra e pássaro e beijo e caos e incitação num balanço de opostas forças nos segurasse numa estranha mistura de tempos do sentir.

 

Teresa Bracinha Vieira

Junho 24.6.2017

PERGUNTA

 

Ao longe o encontro

Com a ilha escarpada

Sob um céu de presságio

Aguardava-me em jeito de chamamento.

E mal olhei para o disco do sol

Um cobre fundente descrevia-me

A rua dos heróis antigos.

Tentei atravessar o enigma

E abraçar a violenta e vã esperança

Na qual retomara sozinha o meu percurso.

 

Quem era? Quem deveras queria o que ainda não cruzara?

O que procurava sem notícia?

E assim continuava esta longa jornada de chegar até mim.

 

Quando jovem superara muitos tons de fogo

E nunca mais sendo o que fora

Naquele fim de terra agora

Um outro eu

Aquele que na errância perseguia

O sentido do seu viver

Do seu tão longo caminhar

 

 

Teresa Bracinha Vieira

Junho 17