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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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PRODUTIVIDADE…

 

DIÁRIO DE AGOSTO (V) - 5 de agosto de 2017

 

O António Alçada Baptista era um incansável contador de histórias. Podiámos estar com ele horas a fio, serões seguidos, mas sempre havia motivo para bom convívio. A ele voltaremos mais vezes… Esta é dele.
Um amigo, diplomata brasileiro, foi colocado na Embaixada do Brasil na Holanda. Chegou à noite e, logo na manhã seguinte, telefonou para a Embaixada para combinar com o Embaixador a sua apresentação. Atendeu o porteiro, um português emigrado, que assegurava a guarda daquela casa. O diplomata perguntou: - O Senhor Embaixador está? – O Senhor Embaixador não está.
E como ele sabia como se compunha o quadro da Embaixada, foi perguntando, um por um, pelos seus titulares. Não estava nenhum. Admirado, perguntou: - Então, de manhã não trabalham? Resposta do porteiro zeloso: - Não. De manhã não vêm. À tarde é que não trabalham!...

 

 

DIÁRIO DE AGOSTO

por Guilherme d'Oliveira Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

UM DRAMATURGO ESQUECIDO E UM TEATRO DEBATIDO

 

Trata-se, aqui, de uma situação no mínimo insólita: um dramaturgo que, pela qualidade e prestígio epocal da sua obra, justificou, na transição dos séculos XIX/XX, a denominação de um teatro que, ao menos no edifício, dura até hoje. E isto, apesar do abandono, seja permitida a expressão, em que o teatro se encontra, não obstante integrar (hoje) o património municipal.

 

Trata-se então do Teatro Salvador Marques de Alhandra. E vale a pena então recordar que Salvador Marques (1838-1907) marcou de forma esteticamente assinalável a transição do teatro romântico para o realismo-naturalismo, movimento consagrado a partir de “Os Velhos” (1893) de D. João da Câmara (1852-1894): assim se iria definir, de certo modo até hoje, a expressão estética e de conteúdos da dramaturgia portuguesa. E vale a pena recordar que D. João da Câmara é hoje, como sempre certamente será, um nome referencial do teatro português.

 

Mas quem se lembra hoje das peças de Salvador Marques, e da relevância na época, e isto, tanto na perspetiva dramatúrgica em si, como na atividade do autor? E no entanto, pelo menos algumas das peças merecem atenção, pela qualidade da escrita, mas também pela conceção de certo modo adiantada para a época, mesmo quando reflete uma influência do romantismo já na altura algo tardio.

 

Estamos a citar “Fome e Honra”, Santa Quitéria”, mas sobretudo “Os Campinos” (1874), peça referencial de Salvador Marques. E aqui, há que salientar a iniciação a uma corrente muito marcada até hoje, que qualificamos já como teatro regional rural.

 

Trata-se de uma evocação de amores clandestinos numa ambientação social que envolve as relações profissionais da época, com bons e maus patrões, fidalgos tradicionalistas mas também o “fidalgo novo” D. Luís que acaba casado com a filha do velho abegão Diogo: e isto era, na época considerado uma expressão de renovação social. Pelo meio, um velho Prior marca também o conteúdo da peça. 

 

E curiosamente, o que sobretudo sobressai é a tendência então modernizante do conflito social e da problemática socio-económica, tudo num enquadramento regional.

 

Ora bem: esta evocação de um dramaturgo hoje completamente esquecido, serve para melhor compreender as razões que levaram um grupo de individualidades de Alhandra a empreender a construção do Teatro Salvador Marques, homenagem marcante ao dramaturgo então ainda em plena atividade.

 

O Teatro Salvador Marques foi inaugurado em 10 de abril de 1905, em espetáculo a cargo da companhia do Teatro Ginásio, com “O Comissário de Polícia” de Gervásio Lobato, o que teve a maior relevância: importa recordar que o Teatro marcou sobremaneira o ambiente cultural mas também patrimonial da região.

 

Salvador Marques salientou-se sobretudo como empresário e dirigente de teatros e iniciativas de espetáculo. Esteve ligado OS Teatros Avenida, Rato, Príncipe Real e Teatro da Rua dos Condes. Em todos eles exerceu também a função de ensaiador, como na época se dizia. 

 

O Teatro Salvador Marques tinha na época 40 camarotes, duas frisas, para cima de 200 lugares de plateia e balcão e mais 90 lugares de geral. Tudo isto marcado no exterior por uma bela fachada. Nos anos 50 do século passado albergou por exemplo espetáculos dos Companheiros da Alegria, de Igrejas Caeiro, à época de enorme sucesso na rádio e em teatros poe esse país fora…

 

Diga-se ainda que o Teatro Salvador Marques funcionou até 1984. Encerrado, a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira adquire-o em 2001. Dura até hoje o debate acerca do destino do edifício, debatido designadamente em sessão da Câmara deste mês.

 

Garrett, nas “Cartas de Vale de Lobos” refere-se a “Alhandra a toureira”. E Oliveira Martins, nas “Cartas Peninsulares”, é eloquente: considera Santarém “o coração deste paraíso do mundo” que abrange “as pequenas povoações ribeirinhas do Tejo, Vila Franca e o Carregado, Alhandra, Tancos e a Barquinha, debruçadas sobre a margem alimentadas pelo rio onde se mira e que as criou e fecundou”…

 

Vamos ver o que acontece ao Teatro Salvador Marques!

 

DUARTE IVO CRUZ