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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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PESSOAS DE BEM…

Paiva Couceiro.jpg

 

DIÁRIO DE AGOSTO (XVII) - 17 de agosto de 2017

 

Henrique de Paiva Couceiro (1861-1944) foi um resistente monárquico persistente e por isso respeitado pelos seus adversários. Em outubro de 1910 foi dos únicos que se bateu em defesa de D. Manuel II, ainda que sem sucesso. Muitas vezes foi preso, sofreu o exílio, foi julgado, condenado, mas manteve sempre a mesma coerência. 


Numa das vezes em que foi detido e estava numa das esquadras de Lisboa, Afonso Lopes Vieira, o grande poeta de S. Pedro de Moel, soube do sucedido e decidiu exprimir a sua solidariedade para com o amigo. 


Fez uma pequena mala, onde colocou um pijama, uma muda de roupa, os utensílios fundamentais de higiene e partiu para a esquadra, suponho que da Praça da Alegria. Chegado, dirigiu-se ao piquete: - Venho para ser preso! O guarda não queria acreditar no que ouvia… E perguntou: - Que deseja o senhor! O poeta respondeu: – Quero exatamente o que já ouviu – ser preso! – Mas cometeu algum crime? – Claro que não… Mas não é aqui que está Paiva Couceiro? Pois bem, aqui prendem pessoas de bem, e por isso aqui estou. O guarda ficou sem resposta e Lopes Vieira sentou-se na sala de espera com a maleta a seus pés…

 

 

 

  

 

DIÁRIO DE AGOSTO

por Guilherme d'Oliveira Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CRÓNICA DA CULTURA

 

Este ano fui às noites de Santo António procurar o cheiro das terras do meu país. Fui saudar o rosmaninho e a erva-pinheira, os manjericos, os funchos e todos os cheiros explicativos que a memória prendeu. Nada encontrei tão casto, tão idílico quanto a ideia paisagista e bucólica que tinha e que fazia o caminho inocente das tradições que nos amparavam as estações dos anos. O melhor mesmo seria, pensei para mim, que cada pedaço de terra celebrasse naquelas noites e a seu modo, as noites, numa virtude de livre concorrência até que de um justo equilíbrio do que por lá se passa, restasse para nós o imposto do consumo.

 

Afinal, há muito que o iate de recreio de Júlio Verne produziu mais impressão do que as Viagens Maravilhosas escritas pelo talento deste escritor.

 

Todos de um modo ou de outro, na procura – se procura houver - dos cheiros das terras do mundo, sempre entenderão e acreditarão que um ser possua génio, julgando, porém, dificílimo que por esse mesmo génio obtenha um barco que navegue.

 

Este ano fui às noites das aldeias do meu país; ufanei-me com o que pude, passei uma vista de olhos de estrangeira na fachada dos Jerónimos, frequentei o Chiado ladeado pelas casas dos milhões, aquelas mesmas que abrem portas para deixar sair os cinco cães de família de olhar vago e nostálgico como os dos donos. Todos, bichos e bichos homens, já procuraram remédios para a profunda tristeza que os tolhe nestes locais de mundo. Já usaram a erva-pinheira antes e depois das refeições. E nada.

 

Assim num Portugal muito longe do mundo me senti. Um Portugal de agradecimento que lhe não cabe ter me atordoou, ou não se soubesse que seu não é o turbante nem o selim que vão compondo o artefacto com o qual nunca em verdade se vestiu.

 

Teresa Bracinha Vieira

Agosto 2017

A resistência da palavra de António Alçada Baptista

 

Revi então toda a minha vida de homem casado com as suas mais pequenas experiências. Em primeiro lugar o casamento como um fim. Toda a construção do meu universo moral estava sujeita a este princípio: ou se vai para padre ou se casa. (…) mas o problema nunca foi o deixar de casar: a imposição do casamento exercia-se não só perante uma sexualidade que devia ser considerada, como pela impossibilidade de a viver fora do casamento. De certo modo, só nos interrogámos sobre a forma de viver o nosso casamento, nunca sobre a sua viabilidade.

 

Eu ainda fui educado a ouvir dizer que o «destino da mulher é ser esposa e mãe» e até demorei a reparar que isso é tão bizarro e inadequado como dizer que o «destino de um homem é ser esposo e pai».

 

António Alçada Baptista, in “O Tecido do outono” 1999, ed. Presença

 

Teresa Bracinha Vieira