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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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O CASO DA NÃO CRIAÇÃO DE PORCOS…

O CASO DA NÃO CRIAÇÃO DE PORCOS

 

DIÁRIO DE AGOSTO (XIX) - 19 de agosto de 2017

 

Esta também foi contada, cheia de pormenores, pelo António Alçada, como ilustração do analfabetismo da tecnocracia.

 

Millor Fernandes dizia que «a economia compreende toda a atividade do mundo. Mas nenhuma atividade do mundo compreende a economia». A este propósito recorda-se o célebre caso da não criação de porcos.

 

Abreviando razões, trata-se de um subsídio por cabeça para a não criação de porcos - e do requerimento para o efeito feito ao Ministro. Basta ler a parte final para entender tudo.

 

«Excelência. Estes porcos que não criaremos teriam comido 10 mil sacas de trigo. Ora, assegurando-nos que o governo indemnizará igualmente os agricultores que não cultivem o trigo. Nesta ordem de ideias, poderemos esperar que nos deem qualquer coisa pelas sacas de trigo que não serão cultivadas para os porcos que não criaremos. Ficar-vos-emos extraordinariamente reconhecidos se nos responder o mais rapidamente possível, porquanto julgamos que esta época do ano será a melhor para a não criação de porcos e, por isso, gostaríamos de começar quanto antes. Queira Vossa Excelência, Senhor Ministro, receber os protestos da maior consideração. P.S. – Excelência. Não obstante o exposto poderemos engordar 10 ou 12 porcos para nós, sem que isso venha a perturbar a nossa não-criação de porcos? Queremos assegurar que esses animais não entrarão no mercado e não significam mais do que a maneira de termos um pouco de toucinho e presunto para o inverno».

 

 

 

 

 

DIÁRIO DE AGOSTO

por Guilherme d'Oliveira Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“O MUNDO DERRUBADO” - Referências dramatúrgicas na exposição da Fundação Calouste Gulbenkian

Tudo se desmorona © Arquivo Municipal de Lisboa.j

 

A Fundação Calouste Gulbenkian organizou um relevante ciclo de atividades evocativas da participação de Portugal na guerra de 1914-18, numa perspetiva histórica, cultural e literária que prolonga e completa a importante exposição simbolicamente denominada “Tudo se Desmorona - Impactos Culturais da Grande Guerra em Portugal”. Trata-se de notabilíssima mostra de documentos e textos evocativos da intervenção de Portugal, numa análise historiográfica da sociedade e da politica da época, mas também da expressão cultural subjacente - e tão relevante ela foi e é!..

 

“O Mundo Derrubado” é identificado como o «Jornal da Exposição». Nos textos que o preenchem fazemos aqui referências a aspetos especificamente ligados à dramaturgia e à produção teatral portuguesa no contexto da intervenção de Portugal na Guerra.

 

E desde logo se salienta o que pode parecer algo paradoxal, a saber, a evocação da guerra no teatro de revista. O tema é abordado por Carlos Silveira, na perspetiva da criação artística em si mesma - textos, espetáculos, atores, autores - mas também na temática política, e ainda em variadíssimos aspetos pessoais da intervenção na guerra.

 

Citam-se aí diversas revistas da chamada «Parceria», tríade de autores que, durante anos, dominaram em Portugal o teatro ligeiro, a saber, Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos.

 

Bermudes definiu deste modo a estrutura das revistas:

1º ato - Quadro de Abertura, estruturado em fantasia; quadro de comédia; quadro de rua, com as atualidades; apoteose.

2º ato - Dois quadros de variedades, números com cenários próprios e apoteose…

 

Damos um exemplo extraído da revista «O Novo Mundo» (1916), da Parceria, citado por Luís Francisco Rebello, na sua “História do Teatro de Revista em Portugal” (ed. D.Quixote 1984):

«Meus amigos, esta vida / Pra quem lida / A moirejar cá na roça / É uma grande subida / Que se leva de vencida / Como quem puxa a carroça. / Quando a gente desanima / E a coisa vai parar / Ai ó! / Então adeus ó vindima! / Se não vem chicote acima / Somos uns homens ao mar»  

Na publicação da Fundação Calouste Gulbenkian acima citada, Carlos Silveira refere que os autores da Parceria “intuíram lucidamente os impactos do conflito nas camadas populares. São vários os fados de assunto social que animam estes quadros”. E salienta a temática política na época dominante nos anos seguintes à guerra, especificando os teatros onde as peças foram representadas:

«Em “Adão e Eva” de Jaime Cortesão (Teatro do Ginásio,1921) estreado dois meses depois de “Zilda” (de Alfredo Cortez) o protagonista Marcos é um revolucionário idealista que sacrifica o amor à família pela causa da revolução. (…) Em “A Casaca Encarnada” (Teatro Politeama, 1922) anunciada por um cartaz de Almada Negreiros, Vitoriano Braga reproduz o ambiente de promiscuidade e moralidade duvidosa entre o mundo empresarial e a vida desregrada dos clubes noturnos. (…) Ramada Curto, um dos dramaturgos mais representados no período entre guerras, levou à cena drama de conteúdo semelhante, “O Caso do Dia” (Companhia Rey Colaço - Robles Monteiro, 1926)».

 

E termina-se esta remissão com a transcrição do comentário que Raul Brandão faz em “Vale de Josafat” (1933), citado na publicação que aqui referimos: «Os teatros transbordam. O dinheiro perdeu o valor (1921-1922). Todos caminhamos com febre - a febre de quem não confia no dia de amanhã»

 

DUARTE IVO CRUZ