Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A imprensa do século XIX era palco de severas, normalmente violentas, acusações pessoais, que andavam perto da difamação, quando não punham seriamente em causa a dignidade dos alvos do tiroteio político…O pior era ocupar a pasta da Fazenda. Quem fosse apanhado no lugar era certo e sabido que se tornava bombo de festa. O menos que os jornais da oposição diziam era que a vítima teria ido aos cofres do Estado...
Aconteceu que Mariano de Carvalho foi nomeado ministro da Fazenda. Emídio Navarro era um proeminente membro da oposição a esse governo e dirigia o jornal «Novidades», na altura particularmente verrinoso.
Mariano de Carvalho saiu de ministro da Fazenda e foi ocupar o lugar de Diretor do Observatório Astronómico. O Emídio Navarro deu assim a notícia no jornal: “O Senhor Mariano de Carvalho deixou a pasta das Fazenda e foi nomeado diretor do Observatório Astronómico. Lá vai ficar Saturno sem os anéis…”.
XIX - CRISE E RUTURA DOS VALORES E CHOQUE DA GUERRA – I
No século XIX e até à primeira grande guerra, a Europa viveu um período eufórico de criatividade científica e intelectual, de inventos permanentes e sucessivos que faziam crer que o progresso estava intimamente ligado ao desenvolvimento científico. Desenvolveu-se o cientismo, corrente de pensamento de matriz positivista segundo a qual a resposta a todas as questões humanas estava na ciência, tida como superior a todos os outros meios de compreensão da realidade humana, como a filosofia, a metafísica, a política e a religião, dado o seu determinismo cognitivo e resultados práticos.
Mas a crença no sentimento de superioridade da razão e vontade humana, por oposição à resistência das forças da natureza, começou a declinar e a ficar ameaçada, no fim do século XIX, pelo próprio desenvolvimento científico das ciências. A sociologia, psicologia e psicanálise revelavam que o ser humano não é só conduzido pela razão, mas também por forças instintivas e naturais, onde impera o inconsciente. A biologia, a antropologia e a física demonstravam ser um ser natural como os demais e que as suas ações eram regidas pela natureza, o que conflituava com a ideia de liberdade e responsabilidade defendida pela moral estabelecida. Questionou-se o determinismo e a tentativa de aplicar os mesmos métodos das ciências naturais às restantes áreas do conhecimento.
Ante o derruimento de valores tradicionais, estes foram vistos como sendo tabus e preconceitos, pseudovalores de uma sociedade enganadora e falsa, apenas servindo para ferir e inibir a plena realização humana. Havia na ciência novos valores que revelavam novos caminhos, numa permanente experimentação de um sentimento de libertação e de uma nova ética assente na liberdade individual e realização total do indivíduo.
André Gide, em Les Nourritures Terrestres, no poema Nataniel, Eu Te Ensinarei o Ardor, proclama:
Mandamentos de Deus, magoaste a minha alma. Mandamentos de Deus, sois dez ou vinte? Até onde os vossos limites? Ensinareis vós que há sempre mais coisas proibidas?
Novos castigos prometidos à sede de tudo quanto achei de belo na terra? Mandamentos de Deus, tornastes a minha alma doente. Envolvestes de muros as únicas águas que me dessedentavam…
… Foi por certo tenebrosa a minha juventude; Disso me arrependo. Não provei o sal da terra. Nem o do grande mar salgado.
Julgava que era eu o sal da terra. E tinha medo de perder o meu sabor. O sal do mar não perde o seu sabor; mas os meus lábios estão velhos para o saborear. Ah, porque não respirei eu o ar marinho quando tinha na alma a avidez desse ar? Que vinho conseguirá agora embriagar-me? Ah! Nataniel, entrega-te à alegria enquanto ela sorri à tua alma - e satisfaz o desejo de amar enquanto os teus lábios estão belos ainda para beijar e o teu abraço é jubiloso. Porque tu pensarás, tu dirás: - Os frutos ali estavam; o seu peso já curvava, fatigava os ramos; - a minha boca ali estava e plena de desejo: mas continuou fechada e as minhas mãos não puderam estender-se porque estavam unidas em oração; - e a minha alma e a minha carne ficaram desesperadamente sequiosas. - Desesperadamente a hora passou.
O belicismo, a brutalidade e o choque da guerra agravaram angústias e interromperam esperanças e otimismos.