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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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NEMÉSIO, SEM LIMITE DE IDADE…

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DIÁRIO DE AGOSTO (XXX) - 30 de agosto de 2017

 

Vitorino Nemésio é uma das figuras mais interessantes da cultura da língua portuguesa do último século.

Autor de um romance capital, como «Mau Tempo no Canal», foi o grande investigador da Mocidade de Herculano e de tantos temas luso-brasileiros, o ensaísta da cultura da língua pelo mundo repartida, o cronista inspiradíssimo e o inesperado poeta, com uma verve inesgotável…

E se falo de inesperado poeta é porque a sua escrita revela-nos quase que uma outra personalidade - um autêntico heterónimo, em que, apesar da idade, há uma juventude límpida que se foi manifestando independentemente da idade…

Dir-se-ia que a grande riqueza do mestre está na capacidade de voar pelo mundo da vida, sem preconceito e com verdadeira intuição criadora. E, como não poderíamos deixar de o referir nesta série de Agosto, eis um dos seus belos poemas, publicado em «O Verbo e a Morte»:


     A tempo entrei no tempo,
     Sem tempo dele sairei:
     Homem moderno,
     Antigo serei.
     Evito o inferno
     Contra tempo, eterno
     À paz que visei.
     Com mais tempo
     Terei tempo:
     No fim dos tempos serei
     Como quem se salva a tempo.
     E, entretanto, durei.

 

 

 

 

 

DIÁRIO DE AGOSTO
por Guilherme d'Oliveira Martins

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

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O mundo plano e flutuante de Bonnard

 

'Painting has to get back to its original goal, examining the inner lives of human beings.', Pierre Bonnard

 

Pierre Bonnard (1867-1947), desde muito cedo, sentiu o impacto de duas grandes influências: a pintura de Gauguin e a gravura japonesa, que prosperou entre o séc. XVII e XIX. 

 

No livro 'Bonnard' de Timothy Hyman, lê-se que, ambas as influências apontam para uma necessidade de planicidade e de síntese. 

 

Paul Gauguin repudiava o puro naturalismo positivista que dominava a arte francesa, no final do séc. XIX. Acreditava que a pintura deveria regressar ao seu propósito original e por isso, ser o reflexo do mundo interior do homem. Desejava unir o mundo interior ao exterior, através do uso de cores planas e fortes, formas recortadas e bem definidas e linhas enfáticas. Gauguin acentuava uma visão profunda e sugestiva, que se presta mais à evocação do que à descrição.

 

De todos os Nabis, Bonnard era o mais profano e mundano, o menos receptivo à aura do revivalismo arcaico. Não esqueçamos, que os Nabis (Bonnard, Denis, Ibels, Lacombe, Maillol, Ranson, Rippl-Ronnaï, Roussel, Sérusier, Vallotton, Verkade, Vuillard) eram um grupo unido em torno das possibilidades da síntese (primária, original, verdadeira e evocativa) iniciada por Gauguin.

 

Ora, a negação do espaço de Gauguin foi considerada, pela maioria dos nabis, como uma maneira de transcender o mundo quotidiano. Para Maurice Denis, importante era a independência da cor e da linha, em relação à sua função representativa - isto porque uma pintura é essencialmente uma superfície plana coberta de cores, dispostas de acordo uma determinada ordem. Já para Bonnard, a planicidade, existia como um meio para compreender o mundo com ainda mais firmeza. 

 

Foi em 1890, que Bonnard descobriu a gravura japonesa: 'I covered the walls of my room... To me Gauguin and Sérusier alluded to the past. But what I had in front of me was something tremendously alive.' 

 

O tema dos gravadores japoneses é centrado no mundo flutuante, da experiência efémera e fugitiva, da burguesia no bairro do prazer em Edo (hoje Tóquio). Tal como as gravuras japonesas, a pintura de Bonnard anseia por fixar momentos fugazes através de formas bem definidas e essenciais. Bonnard também trabalhou com a gravura em madeira, o que lhe permitiu desenvolver uma nova sensibilidade no que diz respeito ao uso da cor: 'I realized that colour could express everything... That it was possible to translate light and shapes and character by colour alone.'

 

A pintura de Bonnard 'La Partie de Croquet' (1892) revela a interiorização da 'Visão depois do Sermão' (Gauguin, 1888), secularizada e padronizada pela gravura japonesa e deseja sobretudo, descobrir uma forma essencial, sintética, descarnada e incompleta capaz de alongar infinitamente um momento efémero do quotidiano.

 

'Our generation always sought to link art with life.', Bonnard

 

 

Ana Ruepp