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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

XXI - “BELLE ÉPOQUE”, ARTE NOVA, BELICISMO E TOTALITARISMOS

 

1. Com o aparecimento da eletricidade, do cinema, telefone, telégrafo sem fios, bicicleta, automóveis, aviões, surgem novas perceções da vida, novos modos de pensar e de viver. Prevalece, desde 1870 até à primeira grande guerra, em 1914, a Belle Époque (Bela Época). Paris, em especial, tida como a Cidade Luz, era o centro impulsionador e exportador da cultura e da diversão a nível mundial. O que era reforçado pelos seus cafés-concerto, danças (com destaque para o Moulin Rouge), ópera, ballets, teatros, livrarias, alta costura, passeios pelos boulevards, vida boémia e arte nova (art nouveu). Foi um período dominado pelo otimismo, pela paz, prosperidade, crença no progresso e nas ciências, ideias filosóficas, conceções e invenções artísticas, inovações científicas e tecnológicas. Uma Idade do Ouro, por confronto com o belicismo e os horrores da primeira guerra mundial.

 

2. A arte nova, caraterística da Belle Époque, foi um movimento de renovação artística abrangente de várias áreas, desde a arquitetura às artes decorativas, com motivos animalistas, florais, vegetalistas, naturalistas e orientalizantes, tirando partido das possibilidades expressivas e formais de novas tecnologias e materiais como o cimento, o vidro e o ferro. Valorizava as cores vivas, linhas curvilíneas, curvas sinuosas e ondulantes, exemplificando-o em fachadas de edifícios, portões, joias, vitrais, móveis, azulejos e vasos. 

 

3. Porém, muitos dos inventos que contribuíram para todo este bem-estar, acabaram por ser postos ao serviço da guerra, em primeiro lugar da primeira grande guerra, a que se   seguiria, mais tarde, a segunda guerra mundial. Deslumbrado com os progressos científicos e com o consequente domínio da natureza e da vida em geral, o ser humano acabaria por se transformar no maior carrasco de si mesmo destruindo, com o seu poder discricionário, a mesma vida e forças da natureza que gradualmente se submetiam aos seus fins.

 

Aviões, submarinos, automóveis, engenhos de minas, carros blindados, tanques, torpedos, mísseis, gases de ataque, bombardeiros, bombas de hidrogénio e atómicas, modificaram de tal modo a arte da guerra que tornaram imprevisível a estabilidade, a segurança e o futuro. Só a vontade dos povos em querer manter a paz poderia alterar tal catástrofe. 

 

4.  A par da aceleração do quotidiano, devido a novas técnicas, mudanças de condutas e de hábitos acelerados pela primeira grande guerra, como a emancipação feminina e a fúria ou pressa de viver, surge também, com especial enfoque no interregno entre as duas guerras, como uma compensação, evasão ou continuação da “belle époque”, uma cultura do divertimento, uma busca do prazer, traduzida numa intensificação da vida noturna e boémia. As pessoas aderem freneticamente a novos ritmos musicais como o charleston, o jazz, os night-clubs, os espetáculos musicais de variedades ou music-hall, por entre novas bebidas como o gin e o cocktail. E Paris, de novo, com o seu glamour, como grande centro, não só cultural e intelectual, mas também de diversão.

 

Amarguradamente a primeira guerra mundial foi um laboratório de ensaios e de experimentação que abriu a oportunidade para a eclosão de uma guerra mais global e total, com a inovação nuclear: a segunda guerra mundial (1939-45).

 

5. Com as duas grandes guerras, por arrastamento, emergem e consolidam-se Estados autoritários e regimes totalitários, como o regime nazi e comunista, em que o Estado chamou a si a fixação de normas a que os artistas e as artes se deviam submeter.

 

Na União Soviética, artistas e cidadãos são obrigados a aderir e a construir o realismo socialista, nomeadamente com a chegada de Estaline ao poder, em 1925. Malevitch, pai do suprematismo, foi acusado, em 1929, de “subjetivismo”, atacado pela imprensa, preso e torturado, proibido de dar aulas e acusado de espionagem. Tatlin, um dos fundadores do construtivismo, foi esquecido e marginalizado após o desinteresse político pelas obras de vanguarda, sendo obrigado, no fim de vida, a retomar a pintura figurativa caraterística do estalinismo. Maiakovski, escritor, poeta e desenhador, ter-se-á suicidado, na versão oficial, subsistindo a de que terá sido assassinado por razões políticas. Pavel Filonov, teorizador e autor da arte analítica, recusou a arte oficial do realismo socialista, foi dado como traidor e inimigo do povo e morreu na penúria. Boris Pasternak, foi denunciado como “subjetivista” e impedido de receber o Nobel da literatura, em 1958, pela sua obra Doutor Jivago.  O cineasta Eisenstein foi asfixiado e dificultado na sua criatividade. Outros, como Kandinsky e Chagall, emigraram.

 

O regime nazi, condenando a arte degenerada das vanguardas, conotada com o bolchevismo, ridicularizou-a numa exposição intitulada A Arte Degenerada, em 1933, em Nuremberga, com obras de Kandinsky, Klee, Kirchner, Lyonel Feininger, Chagall, Nolde. E em Munique, em 1937, onde Hitler disse: “Agora - e isso posso assegurar-vos - vamos desalojar e dispersar todas estas corjas de bisbilhoteiros, de diletantes e vigaristas da arte que se apoiam entre si. Pelo que nos diz respeito, não nos opomos a que estas personagens pré-históricas, que se reclamam da cultura da idade da pedra, estes gagos da arte, voltem para as cavernas dos seus antepassados e aí borrem as paredes com as suas garatujas primitivas e cosmopolitas. Mas a casa da arte alemã de Munique foi construída pelo povo alemão para a arte alemã”.

 

6. Restava uma Itália fascizante, uma França ocupada e subjugada pela guerra, sendo muitos os que fugiram, partiram e emigraram para o continente americano, nomeadamente para os Estados Unidos, em busca de liberdade, em especial Nova Iorque, que se tornou o novo epicentro cultural, intelectual e mundial das artes, destronando Paris.

 

05.09.2017

Joaquim Miguel De Morgado Patrício