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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A VIDA DOS LIVROS

 

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     De 11 a 17 de setembro de 2017

 

Ler «A Renascença Portuguesa: um movimento cultural portuense» (1990) de Alfredo Ribeiro dos Santos constitui oportunidade para compreendermos a influência extraordinária que o Porto Culto teve no século XX português.

 

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CIDADE INVICTA, CIDADE CULTA

Alfredo Ribeiro dos Santos (1917-2012) é um símbolo do Porto Culto. Esta noção antiga de Sampaio Bruno cabe especialmente a este médico, discípulo de Leonardo Coimbra, para quem a tradição da “Renascença Portuguesa” não poderia caber numa qualquer noção estrita de escola ou de grupo fechado. Se lermos textos fundamentais de sua autoria como «A Renascença Portuguesa: um movimento cultural portuense» (1990), «Jaime Cortesão: um dos grandes de Portugal» (1996), «O Perfil de Leonardo Coimbra» (1998) ou «História Literária do Porto…» (2009) depressa e facilmente compreendemos que a riqueza e a fecundidade dessa plêiade coerente mas heterogénea (de Pascoaes a Proença e a Brandão) teve a ver com a fidelidade às raízes bem portuguesas de uma cultura aberta, multifacetada e complexa. Alfredo Ribeiro dos Santos foi cicerone privilegiado relativamente a esse movimento e a esse grupo de exceção – ensinando-nos que a sua atualidade se deve ao espírito aberto e persistente, baseado na autonomia enraizada da cidade do Porto, de onde houve nome Portugal, a única cidade-estado que houve em Portugal, pátria do Infante D. Henrique e também de Garrett (“nós, os do Porto, podemos trocar os b pelos v, mas nunca a liberdade pela tirania”), urbe invicta na guerra civil, fiel à causa da liberdade de D. Pedro – que, em preito de homenagem, deixou à cidade o seu próprio coração – sede da «Vida Nova» e da amizade entre Antero e Oliveira Martins, simbolizada nas Águas Férreas, ou de Soares dos Reis.

 

A «RENASCENÇA PORTUGUESA» COMO NINHO

Ribeiro dos Santos ensinou-nos que a «Renascença Portuguesa» constitui um exemplo de como o republicanismo teve diversas leituras e exerceu uma influência multifacetada e rica na evolução do século XX português. Recorde-se que no dealbar do movimento (em 1911), Teixeira de Pascoaes e Raul Proença apresentaram para ele dois projetos de manifesto que, sendo bastante diferentes, representam aos olhos de hoje a imagem significativa do que foi originalmente a ideia. «O fim da “Renascença Lusitana” – escrevia Pascoaes – é combater as influências contrárias ao nosso carácter étnico, inimigas da nossa autonomia espiritual, e provocar, por todos os meios de que se serve a inteligência humana, o aparecimento de novas forças morais orientadoras e educadoras do povo que sejam essencialmente lusitanas». Proença, por seu lado, falava “em pôr a sociedade portuguesa em contacto com o mundo moderno, fazê-la interessar-se pelo que interessa aos homens lá de fora, dar-lhe o espírito atual, a cultura atual, sem perder nunca de vista, já se sabe, o ponto de vista nacional e as condições, os recursos e os fins nacionais”. Como salientou José Augusto Seabra: “o ideal patriótico é idêntico, apenas os meios de o atingir divergem, embora sejam afinal complementares, como Pascoaes, aliás, n’A Águia, intentará mostrar”. Ambos se demarcam do positivismo ou de lógicas redutoras, estando em causa o que Jaime Cortesão propunha: «dar conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana». Como dirá Pascoaes, havia que «criar um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancá-la do túmulo, onde a sepultaram alguns séculos de escuridade física e moral, em que os corpos definharam e as almas amorteceram».

 

ESPÍRITO MULTIFACETADO

Alfredo Ribeiro dos Santos encarna este espírito multifacetado! Fez os seus estudos secundários no Porto, no Liceu Rodrigues de Freitas, tornou-se discípulo de Leonardo Coimbra, colaborou ativamente na candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República, foi frequentador das tertúlias literárias e políticas portuenses e colega do Dr. Veiga Pires, resistente de sempre, com quem estagiou no Hospital de Santo António, e com quem militou no MUNAF e no MUD. Mário Soares disse dele que «deixou sempre por onde passou um rasto de simpatia, de humanidade, de aprumo moral e de respeito verdadeiramente invulgares». Nesse sentido, devo insistir na ideia de que é um símbolo indelével do Porto culto. E não poderemos esquecer a sua ligação ao Professor Abel Salazar, referência maior da ciência e da arte, da medicina e da pintura – sobre quem escreveu em termos de uma justiça e de uma sensibilidade lapidares. Foi o meu saudoso amigo José Augusto Seabra quem primeiro me apresentou o Dr. Alfredo Ribeiro dos Santos, elo indispensável entre a Renascença Portuguesa antiga e a Nova Renascença. O seu exemplo era fundamental, já que nos permitiria compreender, com todas as suas consequências, a força e a durabilidade da mensagem renovada da ideia de Renascença, que se seguia à Regeneração constitucional de 1820. Afinal, o tempo veio a revelar que a velha revista «Águia», nascida na aurora da República portuguesa, constitui símbolo da perenidade do constitucionalismo – ligando os fatores democráticos desde a formação de Portugal que Jaime Cortesão e Leonardo Coimbra assumiram plenamente, à causa liberal de D. Pedro, à liberdade constitucional e ao melhor da causa republicana, com a orientação socializante da «Seara Nova», o modernismo do «Orpheu» de Fernando Pessoa e Almada Negreiros e a democracia moderna da revolução de 25 de abril e do constitucionalismo democrático da contemporaneidade. No centenário de Alfredo Ribeiro dos Santos, invocamos o seu exemplo, mas mais do que ele, toda a sua lição ligada aos grandes mestres modernos da democracia portuguesa – que o cidadão e intelectual sempre enalteceu. No fundo, a chave do «Porto Culto» tem a ver com a perenidade dos fatores democráticos da formação e afirmação de Portugal. Eis o que não pode ser olvidado!   

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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