NO TEATRO SÃO LUIZ, MEMÓRIA DA COMPANHIA DE TEATRO MUNICIPAL
Em novembro de 1971 inicia-se no Teatro São Luiz a primeira temporada do que se denominou Teatro Municipal de Lisboa: companhia patrocinada pela Câmara Municipal, que adquirira e recuperara o velho Cine Teatro. Organizou-se então no próprio São Luiz um chamado Departamento Teatral dirigido por Luiz Francisco Rebello onde tive o gosto de colaborar como adjunto do Diretor. Departamento que pouco tempo duraria...
Tenha-se presente que nesse período os teatros de Lisboa prosseguiam uma temporada interessante em matéria de textos e autores. Recorde-se designadamente que o Teatro Nacional levava à cena, no Trindade, o “Calígula” de Albert Camus; e as outras empresas: no Laura Alves, “Quem tem Medo de Virgínia Woolf” de Edward Albee; no Monumental, “Uma Cama para Toda a Gente” de Jean de Létraz; no Capitólio, “A Querida Mamã” de André Roussin; no Villaret “O Aniversário da Tartaruga” de Garinei e outros; e duas comédias infantis no Variedades e no Capitólio; isto, além das revistas no Maria Vitória e no ABC.
Havia pois teatro em Lisboa. Mas devem desde já salientar-se alguns aspetos da iniciativa do Teatro Municipal.
Antes de mais, a indiscutível qualidade e prestígio de Luiz Francisco Rebello, já então e até hoje, nome referencial do meio teatral português, com a circunstância, não despicienda, da sua independência política, no contexto da época. E foi extremamente relevante a colaboração que tive ensejo de prestar.
Mas mais: no São Luiz, a companhia em si mesma reunia um grupo notável de atrizes a atores. Basta evocar os principais nomes que constituíram o elenco: Eunice Muñoz, Alvaro Benamor, Hugo Casais, Vitor de Sousa, Fernanda Figueiredo, Batista Fernandes, Maria de Jesus Aranda, num total de mais de 20 artistas. E como encenador, Costa Ferreira.
Independentemente do que significam hoje estes nomes, decorridos quase 50 anos, realce-se a qualidade do elenco: basta consultar a imprensa da época.
A escolha do repertório coube a Luis Francisco Rebello. Estavam previstas então quatro peças para essa temporada de 1971/1972. E eram elas “A Salvação do Mundo” de José Régio, “A Mãe” de Stanislas Witckiewicz, “Fígados de Tigre” de Gomes de Amorim e “Platonov” de Anton Tchekov.
A peça de Régio foi então reeditada num volume que servia também de programa e apresentação da companhia. Nele, Luis Francisco Rebello explica as razões desta seleção. E fá-lo com independência e objetividade. Diz:
“Não foi de ânimo leve que aceitei a pesada responsabilidade de assumir a direção do setor dramático de um teatro que é (deveria ser) para toda a cidade. Como qualquer outro teatro, aliás, uma vez que as lágrimas e o riso – disse-o François Mauriac - não são o privilégio de uma só classe social. Mas o Teatro hoje atravessa (e não só em Portugal) uma fase perturbada da sua evolução, aqui agravada por fatores particulares. Creio que uma das formas de enfrentar essa crise é caprichar na apresentação, a um público que se desejaria o mais vasto possível, de espetáculos artisticamente dignos, o que só se consegue com uma rigorosa conjugação de planos em que o fenómeno dramático se organiza. Um espetáculo esteticamente inferior é, do ponto de vista social, negativo”.
Ora bem: esta Companhia de Teatro Municipal de Lisboa pouco haveria de durar. Na segunda peça programada, como vimos “A Mãe” de Witckiewicz, surgiu um problema com a censura. Arrastaram-se negociações, tanto mais prementes quanto é certo que o espetáculo estava em vésperas de estreia. Mas não estreou.
Luiz Francisco Rebello demite-se do cargo de Diretor do Teatro Municipal de Lisboa. Eu saí também. Artur Ramos e Jorge Listopad recusam fazer encenações. E Natália Correia retira a tradução feita para o “Platonov”.
Assim acabou a Companhia de Teatro Municipal.
DUARTE IVO CRUZ