CRÓNICA DA CULTURA
Há alguns anos, quando o Luís visitava uma exposição de pintura ou outra que lhe agradasse, carecia de ver logo certos filmes, ler ou reler determinados livros e ir a alguns espetáculos. Depois almoçávamos no restaurante do costume e quase em silêncio. Junto ao momento do café, normalmente o Luís respirava fundo e perguntava: vamos conversar?
- Pois é, há uns dias a esta parte, olha, desde a nossa visita à exposição x, que vejo que a vida se tem aproximado dos fundamentos daquilo a que chamaria uma cultura tradicional, uma cultura mole, assente na bancarrota da criação. Quase tudo é pouco mais do que uma forma de entretenimento secundário, ideias, ideais e valores e artes tudo numa dimensão comestível e confinada ao público que se diz de elite pensante. Depois, basta que estes digam que sim que o paladar é agradável, e transborda o êxito e a influência para o conjunto da sociedade. Deste modo chega-lhes também um sentido da vida e uma razão que entendem superior, uma razão até de mecenas e que transcende o mero bem-estar material. Pois é! Nunca se esteve tão desconcertado, sobretudo em relação às razões básicas, sem as quais o norte é a mera sobrevivência. Até a responsabilidade é volúvel e as ideias de progresso enganosas. Que fazer?
- Pois não sei, respondi. Sempre pensei que a razão última da cultura era dar uma resposta cabal a esse tipo de perguntas. Ainda assim desconheço se a clonagem não se voltou apenas para os grupúsculos vaidosos dos intelectuais de instantâneo.
Luís sei que sabes que os enclaves da vergonha feliz, se instalaram na opulência da ignorância e há muito que se sentem lá bem. Talvez por isso as pessoas virem costas à dureza dos tempos e aos hífens do ato de criar. Não sei, mas não é só por aqui que tudo passa. Os paraísos artificiais das vidas de cada um são tidos por boa marijuana que proporcionam boas e constantes férias do dia-a-dia.
- Continuando nos pois, pois, amanhã, e aproveitando estarmos aqui, vamos à exposição de Goya e, se estás de acordo, às seis da tarde não perdemos Mahler. Não podes ficar o resto da semana? É tão grande a solidão que tenho sentido. Desculpa ter dito. Não me quero em lamentos, todavia é muito bom conversarmos. Sabes? lembro-me constantemente de duas coisas: do medo e da felicidade. Custa-me dormir.
Teresa Bracinha Vieira
Agosto 2017