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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

Há alguns anos, quando o Luís visitava uma exposição de pintura ou outra que lhe agradasse, carecia de ver logo certos filmes, ler ou reler determinados livros e ir a alguns espetáculos. Depois almoçávamos no restaurante do costume e quase em silêncio. Junto ao momento do café, normalmente o Luís respirava fundo e perguntava: vamos conversar?

 

- Pois é, há uns dias a esta parte, olha, desde a nossa visita à exposição x, que vejo que a vida se tem aproximado dos fundamentos daquilo a que chamaria uma cultura tradicional, uma cultura mole, assente na bancarrota da criação. Quase tudo é pouco mais do que uma forma de entretenimento secundário, ideias, ideais e valores e artes tudo numa dimensão comestível e confinada ao público que se diz de elite pensante. Depois, basta que estes digam que sim que o paladar é agradável, e transborda o êxito e a influência para o conjunto da sociedade. Deste modo chega-lhes também um sentido da vida e uma razão que entendem superior, uma razão até de mecenas e que transcende o mero bem-estar material. Pois é! Nunca se esteve tão desconcertado, sobretudo em relação às razões básicas, sem as quais o norte é a mera sobrevivência. Até a responsabilidade é volúvel e as ideias de progresso enganosas. Que fazer?

 

- Pois não sei, respondi. Sempre pensei que a razão última da cultura era dar uma resposta cabal a esse tipo de perguntas. Ainda assim desconheço se a clonagem não se voltou apenas para os grupúsculos vaidosos dos intelectuais de instantâneo.

 

Luís sei que sabes que os enclaves da vergonha feliz, se instalaram na opulência da ignorância e há muito que se sentem lá bem. Talvez por isso as pessoas virem costas à dureza dos tempos e aos hífens do ato de criar. Não sei, mas não é só por aqui que tudo passa. Os paraísos artificiais das vidas de cada um são tidos por boa marijuana que proporcionam boas e constantes férias do dia-a-dia.

 

- Continuando nos pois, pois, amanhã, e aproveitando estarmos aqui, vamos à exposição de Goya e, se estás de acordo, às seis da tarde não perdemos Mahler. Não podes ficar o resto da semana? É tão grande a solidão que tenho sentido. Desculpa ter dito. Não me quero em lamentos, todavia é muito bom conversarmos. Sabes? lembro-me constantemente de duas coisas: do medo e da felicidade. Custa-me dormir. 

 

Teresa Bracinha Vieira
Agosto 2017

ALGOS

Blogue CNC - Algos.jpg

 

A mulher que a meio da ponte

Dá a impressão de distraída

É uma mulher que não é senão vontade

 

Olha à volta e assegura-se de que ninguém a espera

 

Não hesita

Antes intensifica a sua concentração

O seu desejo é que um imprescindível ódio permaneça com ela neste momento

 

Salta

 

E assim se lança no vazio

Morrer será fácil

O seu maior inimigo tem sido o seu reflexo de boa nadadora da vida

E nela tem salvo a sua morte

 

Agora

Deitada na água

Desprovida do vigor

 

Ela regressa a casa por um caminho que não existia

Ainda que o futuro já não existisse quando tomou a decisão

E ei-la

 

Ninguém descobriu o que se passou

Ninguém lhe pedirá que peça perdão

 

Tornou-se uma situação de silêncio

Denunciado publicamente pela sua morte

 

Por agora, só sei que no fim houve um anjo

Um anjo não rejeitado do céu

Uma bondade que a escutou do além

 

Um encontro com o esquecimento

Agora

Como se todos vivêssemos exilados destas proximidades

 

 

 

Teresa Bracinha Vieira
Outubro 2017