Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Existe sim uma tristeza nas gentes daquilo que possa acontecer. E é estranho que este sentir que intuo no ar e nos olhos, dorme ao lado da felicidade. Na fusão da noite dos sentimentos, o medo não enfraquece, antes mina e deixa-nos a temer todas as realidades como modo de ocupação permanente, desde a hora em que o despertador nos acorda até à hora da sonolência cansada nos levar ao sono, e este ao sonho que abarca também a possibilidade de nele perdermos alguém que amamos, como se esse perder nos levasse o amor que por esse alguém sentimos.
Dá a sensação de que os passos das gentes assentam em coisas demasiado transitórias e insustentáveis. Em compromissos estranhos de entendimentos, em pactos de silêncio e de sofrimentos.
Será tudo isto afetação própria da época em que se nasceu? Não será tudo isto mais conjeturado do que propriamente verdadeiro? Não haverá aqui algo de nonsense pelo nonsense? tal como o princípio que decreta a arte pela arte?, ou a congruência de tudo o que é incongruente? A aptidão da inaptidão? Pergunto-me se os matemáticos estão a fazer férias demasiado grandes deixando espaço a inversões descomprometidas por parte do lógico? E só de o pensar, dá-me calafrios.
O que seja a biblioteca de cada um, não lhes passa pela cabeça retirá-la da estante. Contudo vejo bolhas de sabão. Muitas. E, enquanto mundo e nele gentes, em intervalos lúcidos de insanidade, vendo-se a braços com as bolhas de sabão, desnorteiam com sentido, e eu só consigo desejar-lhes casa, desejando-me e desejando-lhes também sítio de mundo para onde queiram sempre voltar no encalço das razões dos livros clássicos.
E pergunto-me se os poetas se conseguem erguer tendo no céu e no chão tantas nuvens por determinar, quer no crepúsculo do nascer ou do pôr-do-sol.
Muito me reprovo e o aprovo tanto quanto outrora aprovei o que hoje me reprovo.
Agostinho da Silva
Já várias vezes tentei escrever nesta página acerca da minha admiração profunda pela cultura de Agostinho da Silva. Nunca sei se o que escrevo é o que senti de o ler, de o ouvir e o ter conhecido um pouquinho – orgulho meu – por com ele ter estado duas vezes após conferências a conversar um nadinha, ao meu sentir, um nadinha grande, ou, se o que escrevo dele, agarra-se sempre ao fascínio que em determinada altura senti pelo estudo dos milenarismos e por aí o segui, ou o final dos tempos não trouxesse um novo mundo de paz e felicidade e não fosse esse motivo bastante para lhe perguntar o quanto a vinda do Messias interrompia esta esperança; o quanto um reino com duração de mil anos é reino indefinido e curto para mudanças.
Depois (antes?) não sei, procurei-lhe nas palavras aquela liberdade única a que se referia com excelência como sendo a mais importante qualidade do ser humano e sendo que só através dela se mudaria a sociedade.
Um dia, numa conferência, com o Mário Soares na mesa, começou Agostinho a falar de protocolo, afirmando nada saber a respeito, e durante mais de uma hora, deixou-nos extasiados com o seu poder de explicar o protocolo num imenso mundo de o saber como sendo um tema que o ligaria ao ser-estrangeiro, numa inteireza acordada de gestos e sinais em comunhão de escuta e de encontro com a «norma», a fim de se poder ser-se reconhecido num determinado papel de influência de grupo. E por aí adiante. E quando se sentou dando por terminada a intervenção, ficámos todos- diria assim - numa expectativa de identificação com um lugar que, ao menos com a clareza que o explicou, nunca o tínhamos visitado.
Sempre na luta desafiando melhores dias, também Agostinho da Silva escrevia poemas fortificados como este
Queria que os Portugueses
Queria que os portugueses tivessem senso de humor e não vissem como génio todo aquele que é doutor
sobretudo se é o próprio que se afirma como tal só porque sabendo ler o que lê entende mal
todos os que são formados deviam ter que fazer exame de analfabeto para provar que sem ler
teriam sido capazes de constituir cultura por tudo que a vida ensina e mais do que livro dura
e tem certeza de sol mesmo que a noite se instale visto que ser-se o que se é muito mais que saber vale
até para aproveitar-se das dúvidas da razão que a si própria se devia olhar pura opinião
que hoje é uma manhã outra e talvez depois terceira sendo que o mundo sucede sempre de nova maneira
alfabetizar cuidado não me ponham tudo em culto dos que não citar francês consideram puro insulto
se a nação analfabeta derrubou filosofia e no jeito aristotélico o que certo parecia
deixem-na ser o que seja em todo o tempo futuro talvez encontre sozinha o mais além que procuro.
Agostinho da Silva, in 'Poemas'
Saudade tenho de o saber entre nós. Saudade terei sempre de o ouvir a convidar-nos a não ter medo.