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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

 

A MORTALHA DA INDIFERENÇA: a separação dos destinos num único


Um vídeo divulgado pela agência Reuters mostra um bote ocupado por refugiados chegando à Playa de los Alemanes, em Andaluzia, na Espanha, (…) depois de cruzar o Estreito de Gibraltar. O bote com pelo menos 50 refugiados africanos chocou os banhistas da praia. Assim que a embarcação se aproximou da areia, os imigrantes saltaram e fugiram correndo. (10.08.17)

 

Escravos do nosso tempo, gente sem defesa, exposta à violência de todas as partes, alvejados pela indiferença dos banhistas que tanto incomodaram nas praias dos nossos dias.

 

Não sabem eles, nem o amortalhado mundo a que chegam, que, por aqui também o rasgão no diafragma da alma laqueou as artérias da compaixão e sob o calor, na praia, só o bronzeado é pista de vida. Os moribundos de roupas andrajosas fogem, arrastam-se fixa e silenciosamente da morte da partida e da morte da chegada.

 

Não existem médicos, nem medicamentos que atenuem a dor dos que sem clemência, debruçados no chão, vão suportando o olhar inquiridor que até exprime desdém ou ódio ou pasmo ou simplesmente lhe perscrutam a morte pois que com ela se iria embora um problema.

 

Não sabem as gentes que ao aceitarem diariamente a oferta em saldo, de imagens de horror, passam a agonizar em pasmo, sem qualquer surpresa, de que o próprio caminho seja o do abismo. Contudo quando lhes toca algo de mau, em vão tentam traduzir por palavras o seu silêncio: «Porquê eu? Porquê isto? E para onde agora?»

 

Não sei se se deram conta estes sortudos do lado de cá que só têm escolhido profundos ferimentos a seu cargo e semeado as terras de sementes hostis à abundância da fome. Agonizam pois numa viagem que celebram com champanhe. Então, imóveis, os abutres aguardam por óbvias razões que os festins lhes caiam aos pés como espectros de mortos ainda insepultos. Talvez a hora do que deveras deveriam ter feito se chame indiferença hipotecada a preço de sol roxo.

 

Um jornalista ainda pergunta aos persistentes banhistas: quanto tempo vai ficar assim? E por cá? E quando volta? Conte-nos de si dos seus desejos. Acha que politicamente partimos para um futuro sólido?

 

Com justa e impiedosa clareza o amor treme de frio. A indiferença traça a separação dos destinos num único. A revelação dramática da solidão usa protetor solar mascarando o lado atroz da guerra que o mundo enfrenta, sem vergonha de si, como se fosse brutalmente insuspeito.

 

Depois a velhice, a doença, a falta de afeto, as incompreensões, os abandonos, enfim todos os males, são culpa alheia. Fantástica cocaína!

 

Teresa Bracinha Vieira
11.08.17

Van Gogh

 

já que me deste o que de ti jamais me separará, do meio das mãos que te imploram horizontes, te saúdo sempre, e no meio dos meus vestidos nus - tuas ilhas conhecidas – o espaço teu, total, único horizonte do teu olhar que dá vida aos sonhos, à ternura, a todos os lados das paredes cegas, à voz que te reconhece nos dedos a pintura de eternidade. Só para ti chorarei profundamente, se a minha força te não levar o trigo do céu. Perdoa-me, de algum modo, do fundo dos teus cachos de luz, teus frutos maduros; perdoa-me de dentro desse teu coração que tanto quis ser amado, e a vida, menos, tão menos do que amor, de uma flecha mata o pássaro que só depois viveu

e sempre lúcido, afinal, sempre liberto no tempo de sentir

 

starry, starry night.
Paint your palette blue and grey,
Look out on a summer's day,
With eyes that know the darkness in my soul.
Shadows on the hills,
Sketch the trees and the daffodils,
Catch the breeze and the winter chills,
In colors on the snowy linen land. Now I understand what you tried to say to me

 

how you suffered for your sanity
how you tried to set them free.
They would not listen
they did not know how

 

perhaps they'll listen now.

 

A Paixão de Van Gogh é o primeiro filme do mundo totalmente pintado à mão. 

É um filme que não tem ninho tem apenas asas.

Um filme que nos condena a todos ao ritmo do que somos onde longamente continuamos a viver.

 

  http://www.vangoghgallery.com/painting/starrynightlyrics.html

 

Teresa Bracinha Vieira

Dezembro 2017