A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XXIX - OBSERVAÇÕES E CRÍTICAS AO OTIMISMO DE MORENO
1. Embora sugestiva e sedutora, tendo por base, no essencial, uma perspetiva comercial e de mercado, o otimismo de Moreno pode ser desde já criticado pelo facto de entendermos que acredita em demasia na bondade e predisposição dos povos hispânicos, falantes de espanhol (a começar por Espanha), quererem aceitar a língua portuguesa como língua global, dada a mais valia que tem, ao ser falada, de com ela se perceber 90% do castelhano, 50% do italiano e 30% do francês. Independentemente de tal caraterística ser ou não exclusiva do nosso idioma, mesmo que o seja (o que desconhecemos), não vislumbramos que esse bloco linguístico esteja disposto a assumir o português como segunda língua visando, no futuro, a solidificação da Iberofonia ou Comunidade Iberófona, promovendo-se, assim, um “bilinguismo inteligente”, tendente ao reconhecimento da língua portuguesa como o “Ferrari” do comboio linguístico deste século.
A tradicional mentalidade imperial castelhana, o seu centripetismo e força centrípeta, a que não será alheia uma certa altivez ou orgulho ostensivo, tanto mais que atualmente são em maior número os falantes de espanhol que os de português, são sérios obstáculos a que se concretize o reconhecimento dessa mais valia tida como caraterística intrínseca do nosso idioma.
Aliás, se fosse intenção dos falantes de espanhol, a começar pelos próprios castelhanos, de Castela, tirar proveito dessa mais valia, já há muito o teriam feito, mesmo para quem tenha como dado assente que é mais fácil quem fala português entender o espanhol do que o inverso. Ora, todos sabemos, por experiência própria, que é mais usual um lusófono tentar exprimir-se em castelhano, mesmo que não saiba, ou em portunhol, do que o inverso.
2. As justificações poderão ser muitas, desde o ser mais difícil para os falantes do idioma vizinho entenderem ou falarem português, até à ausência de qualquer esforço nesse sentido, porque simplesmente presumem, por certo, que não vale a pena, não só porque português e espanhol são idiomas parecidos, porque o português uma língua menor, ou porque os falantes de português os entendem ou tentam entendê-los, mesmo quando de passagem ou de visita pela nossa própria casa, por exemplo, em Portugal. Que assim é, os exemplos abundam, desde logo, entre nós, quando se veem falantes de espanhol de passagem, residentes ou a trabalhar no nosso país falando e escrevendo com naturalidade no seu idioma, tantas vezes sem concessão alguma ao uso de expressões em português, sendo mais fácil ver portugueses ou jornalistas portugueses a falar ou simular falar espanhol, inclusive intramuros. Já o mesmo não sucede quando lusófonos transitam, trabalham ou residem, por exemplo, em Espanha, onde na maioria dos casos, tendo como interlocutores espanhóis, se exprimem, ou tentam exprimir (mesmo não sabendo) em espanhol.
Também é usual a maioria das nossas elites (políticas e outras) tentarem falar em espanhol ou portunhol, quando em países falantes de espanhol, fazendo-o mesmo em Portugal; já o inverso não é verdade.
A velocíssima rapidez com que falantes de português se adaptam ou tentam adaptar a um bom uso do idioma oficial de Espanha quando aí residem ou trabalham, é inversamente proporcional aos esforços que a maioria de falantes de espanhol fazem para se adaptar a um bom domínio do português em terras lusas. Além da ausência de reciprocidade, subalterniza-se o nosso idioma como uma espécie de dialeto do castelhano. No que respeita aos portugueses em geral, há aqui, por confronto, um complexo de inferioridade linguístico que contrasta com as manifestações desproporcionadas do nacional ufanismo. O que é extensivo a uma percentagem significativa de brasileiros.
Não faz sentido defender-se estarmos perante dois idiomas parecidos, de fácil entendimento entre ambos, quando essa realidade só funciona, normalmente, para um dos lados, nem nos parece ser essa a melhor maneira de preservar e divulgar a língua portuguesa.
Esta é uma das razões determinantes para o nosso ceticismo em relação ao otimismo de Moreno, pois se é a falar que as pessoas se entendem, não será assim que os falantes de espanhol assumirão e reconhecerão, numa primeira fase, a língua portuguesa como o idioma de futuro por excelência da globalização.
3. O que não facilita nem possibilita que os falantes de inglês tomem consciência e percebam, fazendo contas, que o nosso idioma tem esse valor acrescentado, apesar de o português e o espanhol serem falados por 700 milhões de pessoas, sendo 1300 milhões se lhe juntarmos 600 milhões de monoglotas anglófonos, criando-se um mercado mais global.
Nem é de crer que a atual superpotência mundial (anglófona) promova a tal categoria o nosso idioma, pois para além de não ser a sua língua identitária, também não teria interesse que ao difundi-la o Brasil fosse o seu motor, porque um potencial concorrente. Brasil que, por sinal, alguns livros didáticos de conceituadas escolas norte-americanas, têm como um “reino da violência, tráfico, ignorância e um povo sem inteligência”. Ousando alguns editores não reconhecer a Amazónia e o Pantanal como territórios brasileiros. Defendem que desde os anos 80 a mais importante floresta mundial passou a ser da responsabilidade dos Estados Unidos e da ONU, sendo a chamada “PRINFA” (Primeira Reserva Internacional da Floresta Amazónica), fundada por a Amazónia estar localizada numa das regiões mais pobres do planeta “e cercada por países irresponsáveis, cruéis e autoritários”, com povos primitivos e sem inteligência (Jornal “Tribuna da Bahia”, Salvador, 22/12/2004).
O que releva, com inerentes adaptações, no que toca à China e à Índia, referidas por Moreno, no seu otimismo, que passariam a ser Sino-Hindi-Anglo-Iberófonos, mantendo o seu idioma materno e reconhecendo o português como segunda língua e a única do mundo a excluir o monolinguismo.
Parece-nos, pois, que seria necessário começar por uma real e efetiva afirmação dos países lusófonos e seu reconhecimento como tal em termos internacionais, não sendo suficientes construções teóricas que embora bem-intencionadas e positivas para o nosso ego, estão desfasadas da realidade.
Apesar de Moreno colocar o centro do “mundo que o português criou” no Brasil, descentrando-o e deslocalizando-o do continente europeu para o americano, para um gigante promissor, sem dúvida, fazendo lembrar compatriotas seus, como Gilberto Freyre, entre outros.
21.11.2017
Joaquim Miguel De Morgado Patrício