Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
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Arquitetura no final dos anos sessenta – breve contexto internacional.
‘A Post-Modern building is doubly coded – part Modern and part something else: vernacular, revivalist, local, commercial, metaphorical, or contextual… It is also double coded in the sense that it seeks to speak on two levels at once: to a concerned minority of architects, an elite who recognize the subtle distinctions of a fast-changing language, and to the inhabitants, users, or passersby, who want only to understand to enjoy it.’, Charles Jencks In Current Architecture, 1982
A abertura de fronteiras é um dado fundamental dos anos sessenta, do séc. XX. A circulação de novas influências vai, assim tornar-se marcante. Neste período, o panorama da arquitetura caracteriza-se por atuações e expressões que tentam resolver temas do presente concreto e de um lugar específico, produzindo para um público mais alargado. Como pano de fundo e sempre presente está o declínio do Estilo Internacional. A crítica constante à ortodoxia do Movimento Moderno traz uma enorme vontade na procura por um vocabulário próprio, fruto de uma forte expressão individual.
Anunciam-se, programas que valorizam o singular, o real, o banal, o popular, a individualidade, a localidade, a complexidade, a relatividade e até a inexplicabilidade. Alguns arquitetos referenciam-se ao passado (regressam à história e até mesmo a Frank Lloyd Wright, a Alvar Aalto, a Bruno Taut e aos Siedlung dos anos 20), outros ambicionam por uma arquitetura mais eficaz e mais concreta, sobretudo em termos sociais e ambientais, e outros ainda desejam construir para o futuro numa atitude de vanguarda dentro de uma lógica de revolução permanente.
A unidade do Movimento Moderno tinha já sido quebrada, no final dos anos cinquenta, com a dissolução dos CIAM. A atitude de tábua rasa do Movimento Moderno foi assim alvo de reapreciação e autores como Jane Jacobs reclamavam de novo vida e espírito para as cidades através da apologia da rua. (ver aqui)
Os arquitetos que trabalham por estes anos anunciam preocupações comuns e até semelhanças estilísticas mas daí não se constitui nenhum movimento unificado. Algumas das soluções arquitetónicas advém do rápido crescimento económico e tecnológico que se faz sentir. Os programas mais característicos são de implicação urbana e estabelecem diálogo com as formas da cidade pré-existente – o espaço público é agora tema, as megaestruturas representam a compactação de uma cidade complexa. Desenham-se cidades em altura, ruas elevadas para peões, sobrepõe-se malhas, criam-se camadas de memória, deseja-se a cidade de espaços em detrimento da cidade dos objetos. Cada arquiteto tem a sua linguagem, a sua forma de expressão. Agora as novas estruturas têm de se adaptar à cidade preexistente.
Herman Hertzberger acreditava que ao arquiteto não competia cumprir uma solução completa e total. As estruturas desenhadas, por este arquiteto, deveriam antes ser preenchidas pela vida – capazes de integrar diferentes hábitos e usos. Hertzberger pretendia criar a possibilidade de interpretação pessoal do padrão coletivo. Insiste, assim, na importância cultural do lugar interpretável, onde forma e atividade se ajustam constantemente contra a tirania da organização funcionalista.
A modernidade revela-se agora empírica com um desejo dual de conservar e inovar. Na segunda metade dos anos sessenta, desenvolve-se em grande medida a produção teórica – é o momento de livros tão determinantes para a década que se segue como A Arquitetura da Cidade de Aldo Rossi, de Complexidade e Contradição em Arquitetura de Robert Venturi.
Esse esforço teórico cristalizou-se igualmente em torno da obra dos New York Five – grupo constituído por Peter Eisenman, John Hejduck, Charles Gwathmey, Michael Graves e Richard Meier. Influenciados pelas vanguardas europeias do pré-guerra, sobretudo Eisenman e Hejduk referenciam o seu trabalho a Theo Van Doesburg, aos construtivistas russos e ao trabalho de G. Terragni enquanto os outros três assumem o período purista de Le Corbusier como ponto de partida. Mas é preciso ver que os New York Five assumiam a ideia de uma arquitetura autónoma do compromisso funcionalista proposto pelas vanguardas e assim projetos como o da Wall House de Hejduk foram possíveis sem ajustes à Nova Objetividade (em arquitetura a Nova Objetividade nega problemas linguísticos – tornam-se antes explícitos princípios de constituição das formas que se ligam a um programa específico, associa-se ao funcionalismo e ao racionalismo proclamado desde logo pela primeira geração de modernistas.)
No final de sessenta, verifica-se igualmente a emergência da utopia, como por exemplo acontece com o grupo britânico Archigram que começou a projetar megaestruturas high-tech irónicas a partir de 1961, respondendo ao apelo do imaginário da ficção científica (esta visão aparece ligada à influência de Buckminster Fuller, que por sua vez projetou em 1962, para o centro de Manhattan uma gigantesca cúpula contra a poluição). Ou ainda através do exemplo de Claude Parent e Paul Virilio que, ao propor a cidade oblíqua, resolvem o futuro do Homem Moderno. Através do imaginário e do sonho (esquecendo a lógica do número), Claude Parent projeta a vida em planos oblíquos onde a relação do corpo com o solo é necessariamente mais dinâmica e a deslocação quotidiana mais imediata e automática. A eliminação de obstáculos traz economia no uso do solo, criando uma infinitude de espaços (os espaços são utilizáveis em cima e em baixo do plano), eliminando conflitos e prevendo uma comunicação sem fim. E não esqueçamos o grupo japonês Metabolist – que pretendia responder à desordem e ao caos, criado pela construção de um elevado número de pequenas casas em Tokyo, através do desenho de estruturas gigantes no céu, mesmo por cima destas pequenas casas.
Pode reconhecer-se, por outro lado, responsabilidade social e uma tentativa de construir para a vida quotidiana, nas propostas utópicas e antifuturistas do grupo italiano Superstudio que a partir de 1966, começou a produzir formas de acordo com um Movimento Contínuo – onde se descreve uma cidade muda, da qual os monumentos e qualquer bem de consumo são eliminados e em que o pensamento é energia, matéria-prima e produto final, são o único objeto de consumo.
How ironical! Depois de uma vida política de eurocético ativismo face aos continentalistas do seu Labour e do Conservative Party, eis RH Jeremy Corbyn a envergar as vestes de Remainer-in-chief.
Um ideológico discurso em Coventry sobre a European Union serve ao líder trabalhista para anunciar que quer manter Britain na união aduaneira. Melhor que esta mudança de agulha, só o aplauso empresarial ao trotskista que promete renacionalizar a economia. — Chérie! On sait ce que l'on quitte, ne sait pas ce que l'on prend. O termómetro continua nos baixios por todo o reino. O cartoonista Matt sopra 30 velas de bem humorado traço no Daily Telegraph. — Well. Laughter is the best medicine. No resto do mundo, o US President Donald J Trump afirma que "we have more seven years of this" no anúncio da sua recandidatura. North Korea cede a trato diplomático com Washington. O China Communist Party pavimenta a manutenção ilimitada de Mr Xi Jinping na presidência, com emenda constitucional ao limite de dois mandatos no cargo. Por unanimidade e ao oitavo ano de guerra, devastação e tormento, o UN Security Council aprova cessar-fogo na Syria ‒ prontamente violado por indiscriminada escalada de violência.
Wind chill, a lot of weather warnings, but no signs of snow at London. Uma vaga de frio ártico perturba o quotidiano no reino, com as invernosas confusões de estradas, carris e aeroportos a estenderem-se até aos telemóveis. As imagens das árvores nevadas e das lãs adicionais contrastam com o crepitar mercurial em Whitehall. O primeiro sinal de faísca vislumbra-se na House of Commons. Em diálogo com a Premier, pela primeira vez em meses e depois do intelligence tale ressuscitado dos anais da Cold War, o Leader of Her Majesty's Most Loyal Opposition traz a Brexit para a despatch box. Os MPs digerem ainda o briefing paper com as Council Directives for Negotiations on Transition e o gradualismo da regulatory divergence face a Brussels. No ar pairam também as estranhas garantias do RH David Davis de a retirada da Other Union não significar queda “into a Mad Max-style world borrowed from dystopian fiction.” Gostos literários do responsável que por estes dias voa até Lisboa à parte, Red Jezza é ferino no political tennis: “Does the Prime Minister not feel that the Brexit Secretary could set the bar just a little bit higher?” Right Honourable Theresa May responde com pauta brexiteira: “We are very clear that we are going to ensure that, when we leave the European Union, we are able to take back control of our borders, our money and our laws. The only fiction in relation to Brexit and the European Union is the Labour party’s Front Bench, who cannot even agree with themselves on what their policy is.”
RH Jeremy Corbyn persiste no tema, uma e outra vez, com ramalhete de citações ministeriais ao qual não falta a cor de RH Boris Johnson: “The Foreign Secretary recently made a speech about Brexit and found time to mention carrots, spam, V-signs, stag parties and a plague of boils. There was not one mention of Northern Ireland in his speech. We are halfway through—[Interruption.] the six speeches we were told would set out the Government’s negotiating position. So far, all we have had is waffle and empty rhetoric. Businesses need to know. People want to know. Even the Prime Minister’s Back Benchers are demanding to know […]. This Government are not on the road to Brexit—they are on the road to nowhere.” Chegados a nenhures, finaliza a residente no 10 sem requerido detalhe que não das aventuras do (codename) Agent Cob: “I think I have mentioned to the Right Hon. Gentleman before that his job is actually to ask a question, but I am perfectly happy to respond to the points he made.[…] But may I congratulate him, because normally he stands up every week and asks me to sign a blank cheque? I know he likes Czechs,..”
Ora, o conteúdo das alegadas conversas outrora havidas entre o MP por Islington North e um obscuro espião vindo do frio são do domínio do patético. 29 anos após a queda do Berlin Wall, os arquivos do KGB & Co. guardam decerto segredos e indiscrições. Todavia, do que veio a público dos ficheiros checos, confirma-se a aproximação comunista a deputados trabalhistas da ala radical, mas o mais excitante encontrado na pasta do “foreign secretary of the Left” aparenta ser o interesse pelos apetites de Lady Thatcher nos anos de Downing Street! De todo em todo há indícios que RH Jeremy Bernard Corbyn haja sido um colaborador, somente o sabido apóstolo de alto perfil. E é justamente o missionário vermelho quem acaba de curto circuitar o manifesto “For the Many, Nor the Few” com que o Labour Party se apresenta nas ultimas eleições e onde arrecada 40% dos votos. Alinhando com teses dos Blairistes e do seu Shadow Secretary of State for Exiting the European Union, Sir Keir Starmer, o Bennite antecipa-se ao esperado discurso europeu desta semana da PM e dá uma guinada na Brexit que muda mais que a forma a aprovar nas Houses of Parliament ‒ caso Brussels aquiesça no cherry-picking que sempre recusou. Na longa intervenção de Coventry deixa nova posição negocial: "A customs union is a viable option for the final deal. So Labour would seek to negotiate a new comprehensive UK-EU customs union to ensure that there are no tariffs with Europe and to help avoid any need for a hard border in Northern Ireland."
Esta viragem política dos trabalhistas abre o flanco ao derrube de RH Theresa May na liderança dos Tories, onde já hoje se perfilam RHs Anne Soubry, à esquerda, e Jacob Rees-Mogg, à direita. O governo minoritário dificilmente se aguentará nas eurovotações face à informal aliança do Lab com os conservadores rebeldes. O Springtime esboça alerta meteorológico para o Mayism, pois o alvo de Mr Corbyn é o No. 10. O calendário acelera. As England Local Elections de 3 May dirão do pêndulo partidário em 32 municipalidades de London, 34 áreas metropolitanas, 68 concelhos distritais e 17 autoridades unitárias a par das diretas para as Mayoralties de Hackney, Lewisham, Newham, Tower Hamlets e Watford. Uma derrota no país e no parlamento pode forçar a sufrágio antecipado no UK. Curiosíssima é a estranha banca de contrários ideológicos. — Umm. Ironical are those which augmented with tears the stream that did not need water like Master Will remind us in the adventurous Henry IV Part 1:— “There’s no more faith in thee than in a stewed prune."
O livro de Marco Polo é uma referência essencial nos relatos de viagens, sobretudo pela influência que exerceu na abertura de horizontes nas descobertas oceânicas dos séculos XV e XVI, em especial iniciadas pelos portugueses.
MARCO POLO E PORTUGAL Em Portugal é conhecido o facto de um exemplar manuscrito constar da livraria de D. Duarte, devendo pensar-se que esse exemplar esteja relacionado com o que foi trazido pelo Infante D. Pedro de Veneza na década de 1420, depois das importantes deambulações europeias. Temos notícia da tradução impressa em 1502 (vd. imagem), escrita antes, feita por Valentim Fernandes com objetivos informativos, para os portugueses que se dirigiam ao Oriente, e políticos, para enaltecer o rei D. Manuel, tendo um texto introdutório que descrevia os territórios correspondentes à Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia. Sobre a Pérsia são parcas as palavras de Valentim Fernandes, que remete para o relato do próprio Marco Polo, onde se faz referência às regiões desde Tabriz (noroeste do Irão) até Caxemira. É essencialmente o mercador que está em causa, referindo as rotas comerciais, dando natural ênfase a Ormuz e aos produtos trocados em cada região, bem como aludindo ao clima, às riquezas naturais e às condições de segurança. Aí se fala da devastação operada pelos chamados incorretamente de tártaros, já que se trata de mongóis; da cidade de Saba, terra mítica dos magos que foram a Belém, adorar Cristo; da fauna, avultando as referências aos falcões e aos asnos; da flora exótica e desconhecida dos europeus; das práticas bárbaras dos habitantes da zona; da influência exercida pelos indianos nas práticas de magia; da beleza das mulheres de Timochain no norte da Pérsia e dos vestígios da presença de Alexandre Magno. A Pérsia interessa aos europeus como território da rota da seda e como repositório histórico de interesse superlativo. No caso português, a Pérsia fará mesmo parte dos títulos do rei D. Manuel, onde expressamente se refere a «conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia». Ormuz, por onde Marco Polo passou duas vezes, constituirá o ponto estratégico crucial da presença portuguesa no Golfo Pérsico – definida e iniciada por Afonso de Albuquerque. O primeiro português em terras do Golfo e na ilha de Ormuz, em 1489, foi porventura Pêro da Covilhã, enviado por D. João II em busca do reino do Preste João. O rabi Abraão de Beja e o sapateiro José de Lamego, que andaram na região, também terão estado em Ormuz, mas as informações destas explorações terrestres apenas chegaram a Portugal depois de terem sido contadas por Pêro da Covilhã ao Padre Francisco Álvares em 1520, quando foram estabelecidas relações com o Imperador da Abissínia…
O ESPÍRITO DAS CRUZADAS Devemos lembrar os planos de D. Manuel para a conquista do Médio Oriente, desde o reino mameluco à ambição da tomada de Jerusalém, segundo os velhos ideais das cruzadas. Afonso de Albuquerque participava de tais ideias messiânicas – facto que não pode ser esquecido quando analisamos a sua ação. Como sabemos, em outubro de 1507 houve uma primeira conquista da praça de Ormuz por Albuquerque, já que o domínio da entrada do golfo Pérsico constituía uma condição essencial para o comércio do mar Arábico, sobretudo perante o insucesso na tomada de Adém. Assim se poderia enfraquecer a influência otomana no levante do Mediterrâneo, apesar de o império turco conhecer um período de expansão e consolidação no território persa. Ormuz era um importante centro de comércio, onde se trocavam alimentos, drogas, incenso, especiarias, marfim, metais e minerais, cavalos (persas e árabes), tecidos e joias, perfumes e produtos de luxo. Não foram fáceis, porém, os primeiros tempos para os portugueses, já que Albuquerque foi levado a abandonar a presença em Ormuz (1508), na sequência de um motim de capitães – tendo, mesmo assim, praticamente concluída a construção da fortaleza. A expansão otomana e a ameaça desse movimento avassalador levaram a uma aproximação da Pérsia a Portugal. Deste modo, o próprio Afonso de Albuquerque, pouco depois da conquista de Goa (1510), recebeu um enviado do xá Ismail – que apontou no sentido de haver possibilidades de uma aliança. De facto, havia objetivos convergentes no antagonismo relativamente ao Sultão do Cairo e à expansão turca… Contudo, foram tímidos os progressos no sentido de um entendimento formal, que perdeu premência com os sucessos das conquistas otomanas, com o enfraquecimento do poder do xá, com a incorporação do sultanato mameluco no império turco e com a morte de Afonso de Albuquerque (1515). Como se nota nas “Décadas da Ásia” de Diogo do Couto, o tom adotado é o de um relacionamento pacífico entre o Estado Safávida e o Estado Português da Índia…
FINALMENTE EM ORMUZ… Em Abril de 1515, Albuquerque, “o cavaleiro grande e forte leão dos mares”, então governador da Índia, concretizaria a conquista de Ormuz, para mais de um século, e então pôde ter lugar o completamento e a consolidação do Forte de Nossa Senhora da Conceição de Ormuz. Sobre a importância da Praça, Diogo do Couto citará o vice-rei D, Afonso de Noronha, em 1552: “as outras fortalezas podem-se chamar membros particulares da Índia, mas Ormuz é corpo de que todos os membros rebem substância e se sustêm (…) nem a Índia se pudera sustentar sem a contratação de Ormuz”. Um fidalgo velho acrescentou que “Ormuz era a chave de toda a Índia, e cabeça daquele comércio da Pérsia e da Arábia, título de que os reis de Portugal tanto se jactavam”. Tomé Pires, logo em 1513, ao passar por Ormuz a caminho da China, descrevera, aliás, o reino como “rico e nobre” e “chave para a Pérsia” – “o povo é civilizado e humilde; tem espírito guerreiro, boas armas e cavalos”. Gaspar da Cruz em apêndice ao seu “Tratado das Cousas da China” escreveu sobre a cidade de Ormuz, onde viveu três anos (1560-63), que a urbe “tem todas as riquezas e abastança de todas as cousas que de fora lhe trazem” – sendo os rendimentos da alfândega muito vultosos. Couto não é, porém, pródigo na análise das vantagens económicas, limitando-se a referir a utilidade de Ormuz enquanto escala, onde as armadas deviam “invernar”. Se os navios de maior porte se recolhiam na baía de Mascate, os mais ligeiros ficavam em Ormuz, retornando a Goa em setembro/outubro… E, sendo o reino de Ormuz como que um protetorado português, reconhecendo-se o monarca como vassalo do rei de Portugal, a quem pagava um tributo anual (as páreas), o cronista trata as questões desse território como do Estado da Índia, até por haver uma fortaleza com capitão e contingente militar. Duraria até 1622 a presença em Ormuz, quando as forças persas e britânicas tomaram a cidade. Hoje, podemos com a distância do tempo analisar as relações de Portugal e da Pérsia, a partir dos acontecimentos, considerando as condicionantes geoestratégicas, a expansão do império otomano, os altos e baixos na situação muito vulnerável como é a do golfo. As narrativas, como a moderna historiografia o reclama, deverão ser equilibradas e não celebratórias nem anacrónicas na definição dos termos de referência. O importante é registar o conhecimento mútuo e compreender o futuro como capaz de entender a diversidade das circunstâncias e a complexidade dos factos. A diversidade das culturas, dos valores e interesses conduz-nos à necessidade de uma ponderação serena e objetiva dos factos e à procura de pontos de encontro.
Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença
Para nos ajudar na reflexão sobre esta problemática da legitimação de Jerusalém como capital do presente estado de Israel, isto é, com a dimensão territorial e histórica que lhe pretendem atribuir, tantas vezes ao arrepio dos direitos internacional e humano, traduzo-te (da edição francesa do Courrier International, da primeira semana deste fevereiro) passos dum trecho de artigo originalmente publicado (a 23 de janeiro) no Maariv de Tel Aviv e assinado pelo israelita Ben Caspit:
Ao pronunciar o seu discurso diante da Knesset [a 22 de janeiro], Mike Pence inundou-nos de louvores e de beijos, de apaixonadas declarações de amor. Nada fingido, bastava ver o seu olhar determinado. O discurso era quase perfeito. O seu amor por esta terra está cheio de admiração por Israel, o povo judeu, a santidade do país de Israel, e mais não digo. Mesmo Netanyahu, o rei do género, não poderia ter feito melhor, e eis sem dúvida o maior elogio que podemos fazer a Mike Pence, sem ironia.
Pence parece, à primeira vista, um homem político americano clássico. Cabelos brancos bem penteados, fato de bom corte, palavra fluida e carisma tranquilo. Pence pronunciou um discurso impressionante, cheio de referências e inovações. Marcou para o fim de 2019 a data limite da transferência da embaixada americana para Jerusalém. Confirmou que se o acordo sobre o nuclear iraniano não fosse corrigido pelas partes envolvidas, os Estados Unidos dele se retirariam unilateralmente. Repetiu que Israel é o aliado mais essencial da América.
Mike Pence é a incarnação dos sonhos da direita israelita em geral e de Netanyahu em particular. Contrariamente ao atual presidente americano, caprichoso e imprevisível, Pence é um homem calmo e piedoso. Ao pronunciar um discurso em que pesou bem cada palavra, deu-nos essa massagem tailandesa com fundo de música apaziguadora.
O amor de Pence pelo povo de Israel e os judeus mergulha as raízes nas suas convicções evangélicas. Segundo a fé evangélica, quando vierem a Redenção e o Messias (entenda-se: Cristo) todos os judeus se reunirão em Israel e se converterão imediatamente ao cristianismo. Mesmo que pensemos que esse dia nunca chegará, é bom sabê-lo, já que, nos Estados Unidos, há 60 milhões de sionistas em potência, evangélicos que se supõe estarem enamorados de nós até ao fim dos tempos...
... Mas não são as apaixonadas declarações de Mike Pence em Jerusalém que nos ajudarão a resolver o nosso conflito com os Palestinos. Quando formos grandes, caber-nos-á decidir o que queremos ser, definir, de uma vez por todas, as fronteiras do nosso Estado. É pena não ser possível substituir todos esses Árabes por cristãos evangélicos que acreditam na vinda de um Redentor a Sião. Ainda que talvez fosse preferível que esse Messias nunca viesse, porque teríamos então de nos converter ao cristianismo!
Não conheço o senhor Ben Caspit, não sei que juízo fazer das sua palavras. Mas sei que, para o movimento sionista, com motivação religiosa e escatológica, o regresso a Sião (que significa a terra de Israel (Eretz Israel) e Jerusalém, o regresso do «Povo Eleito» a esse lugar histórico-teológico é condição sine qua non da vinda do Messias, pelo que a reivindicação do poder absoluto do estado de Israel sobre a «Terra Santa» é assim fundamentada politicamente... Ou sê-lo-á teocraticamente, sem qualquer fundamento no direito internacional, que é, este sim, o direito positivo das gentes? Pessoalmente - e não sendo eu próprio judeu, mas tendo muitos amigos que, com ou sem religião, se reclamam do judaísmo - gostaria de poder dar a uma declaração de Theodor Hertzl, fundador do sionismo, uma interpretação rigorosamente política e respeitadora do Direito, tal como o entendemos na definição de justiça dada por Ulpiano, jurista romano, que tantas vezes, Princesa, já te citei: Justitia est jus suum cuique tribuendi. Quero crer que, ao escrever no seu O Estado Judaico as frases seguintes, Hertzl quis mesmo dizer o que lá está escrito: Eu considero a questão judaica não como uma questão religiosa ou social, mas como uma questão bem nacional. Para resolvê-la é necessário, antes de mais, colocá-la em termos políticos à escala mundial. Poderá então ser regulada no quadro do conselho dos povos civilizados. Nós somos um povo. Com toda a certeza: um povo como os outros. sem mais nem menos direitos do que os que a justiça a cada um deve atribuir ou reconhecer. Li, creio que no jornal Le Monde do passado dia 2 de fevereiro, passos dum relatório dos representantes diplomáticos dos países da União Europeia em Israel, considerando que "a administração Trump quebrou o consenso internacional acerca do conflito israelo-palestino, baseado no direito e nas resoluções das Nações Unidas". Tal relatório aponta os malefícios da já antiga política israelita de marginalização económica, política e social dos palestinos em Jerusalém... ...e como, em razão do isolamento físico e da política israelita restritiva de salvo condutos, a cidade já deixou de ser o centro económico, urbano e comercial palestino que costumava ser... Para não falarmos da continuação da ocupação, por decisão unilateral, ilegal e violadora de direitos territoriais e humanos, de terras palestinas por "colonatos" israelitas (não se lembram dos «espaços vitais» que Hitler reclamava?). Recordo que, pelo armistício de 1949, entre a Jordânia e Israel, Jerusalém permanece dividida entre dois países; e, pelo acordo de paz de 1994, entre eles celebrado, mutuamente se reconhecem a OLP e o Estado de Israel. Infelizmente, já nas conversações de paz, entre palestinos e israelitas, retomadas na Turquia, em 2008, a questão de Jerusalém não é abordada. Anos antes, o poeta judeu Yehuda Amihai (1924-2000) dissera que Jerusalém é uma operação cirúrgica que ficou aberta. Mas, no século XV (em 1434?), um viajante judeu, Elias de Ferrara, vindo da Itália à Jerusalém já sob domínio otomano, escreveu: Os Judeus de Jerusalém fazem, taco a taco, tratados com os Ismaelitas (isto é, os Árabes), e eles não desconfiam uns dos outros...
Resumindo o meu pensarsentir a questão palestina, designadamente a do estatuto de Jerusalém, tal como atual e dramaticamente se coloca:
Aos estado-unidenses diria que se lembrem dos seus "Pais Fundadores", dos constitucionalistas que criaram o Distrito de Colúmbia para aí fixarem - e nunca em qualquer um dos estados federados - a capital federal dos EUA: Washington, D.C. Não vos parece recomendável que uma cidade-mundo, como Jerusalém é, que até já deu provas de poder ser a cidade santa de vários povos e credos, e símbolo de um encontro e convívio universal, seja uma entidade com administração própria, livre, independente de outros poderes políticos - inclusive e sobretudo dos que geograficamente a rodeiam e que, por consenso, a devem reconhecer como tal e proteger, sem que qualquer dos estados envolvidos faça dela sua capital própria?
Aos líderes de um estado de Israel, em que mais de metade da população judia se declara laica, e menos de 35% ortodoxa ou apenas praticante, pediria que refletissem no mal que outros terríveis nacionalismos populistas fizeram a milhões de judeus da diáspora, para finalmente também eles próprios, perseguidores, acabarem mal; e que pensem melhor no símbolo universal que Jerusalém, desde sempre mais cidade do Templo do que capital política, hoje é, para judeus e muitos que não o são, promessa de encontro, terrestre e celeste, de todos os povos da terra. E fazendo este apelo, nem preciso seria recorrer à insinuação de que a sorte das armas e dos povos não fica sempre virada para o mesmo lado... Basta-me evocar a memória do próprio judaísmo e o nome hebraico da cidade de que já te lembrei outras etimologias. Até acabam todas por concordar: a Shelem ou Salém referida no livro do Génese (cujo rei é o sacerdote Melquisedeque, que a Abraão oferece pão e vinho) já quererá dizer Shalom, Paz; Yerusalahim, em hebraico, cidade integral, Cidade da Paz. Lugar santo, acolhia todos os peregrinos, oferecia-lhes alojamento gratuito. Não foi dividida pelas doze tribos, nem entregue a reinos, porque era símbolo da paz entre todos. Na profecia de Isaías (2, 2-5), Jerusalém, centro da fé de Jacob/Israel, tornar-se-á na vocação religiosa de todos os povos: Pelo andar dos tempos acontecerá que a montanha da Casa de Yahvé se estabelecerá acima das montanhas e se erguerá acima das colinas. Então, todas as nações convergirão para ela, então virão inúmeros povos que dirão: «Vinde! Subamos à montanha de Yahvé, à casa do Deus de Jacob, assim nos ensine ele as suas vias e sigamos os seus caminhos». Pois que de Sião nos chega a lei, e de Jerusalém a palavra de Yahvé. Julgará entre as nações e será árbitro de numerosos povos, que quebrarão as espadas para fazer arados e as lanças para fazer foices. Já as nações não levantarão espadas contra as outras, e jamais se aprenderá a fazer guerra. Vamos, Casa de Jacob, marchemos à luz de Yahvé! Infelizmente, correntes do judaísmo insistiram em vincar uma linha de superioridade do seu povo e da sua religião, numa perspetiva nacionalista, tantas vezes soez, que talvez tenha marcado para mal o destino de uma nação que, enquanto tal, e fiel à Aliança, poderia sem mácula ser portadora de uma mensagem universal de paz.
Não me parece, pois, justificar-se qualquer receio de "ofensa" religiosa ou tibieza argumentativa no exercício do dever internacional de impor ao atual estado de Israel o respeito devido às disposições, acordos e resoluções que têm vindo a ser tomadas, consentidos e decididas no concerto das nações, relativamente à arrogância e à atuação de posição de força (sustentada pelo apoio dos EUA) de que aquele Estado vem impunemente usando e abusando.
E, ao afirmá-lo, não estou a falar de política, estou simplesmente a lembrar-me do dever fraterno de cultivar o espírito.
Na semana passada, referimos o livro de Júlio César Machado intitulado “Os Teatros de Lisboa”, publicado em 1875 com ilustrações de Rafael Bordalo Pinheiro. Tal como na altura escrevemos, o livro contém uma evocação histórica, mas sobretudo acentua a relevância e atividade do Teatro na época e a abrangência das atividades artísticas e culturais, numa perspetiva ajustada à sociedade portuguesa centrada em Lisboa e, mesmo assim, limitada no livro ao Teatro de S. Carlos, ao Teatro D. Maria e ao Teatro da Trindade. Evocámos então, nesse texto da semana passada, os principais teatros que na época funcionavam em Lisboa e que não são citados: Recreios Wittone, Salão do Conservatório, Teatro da Rua dos Condes, Teatro D. Augusto, Teatro Ginásio, Teatro Taborda, Teatro das Laranjeiras.
Deles não fala pois o livro de Júlio César Machado e Rafael Bordalo Pinheiros: mas isso não obsta obviamente a que não mereça ser evocado, desde logo pelos autores, mas ainda pela linguagem, pela informação epocal, pelas descrições, pelas as análises culturais e sociais, digamos assim mesmo, e também pela atualidade, até porque os três Teatros detalhadamente analisados felizmente mantêm plena atividade.
E isto porque certo tom crítico epocal, com as alterações profundas entretanto decorridas, mantém ajustamento aos dias de hoje. Não se trata pois, insistimos, antes pelo contrário, de uma estudo puramente histórico...
Vejamos então agora o Teatro D. Maria II, tal como o analisa Júlio César Machado. Desde logo a referência inicial:
“Mal fadado. Abriu para fechar. Primeira ratice!” assim mesmo, o que documenta a irónica linguagem utilizada. Mas também documenta o ajustamento histórico-crítico. Há que recordar, o Teatro Nacional de Dona Maria II, nos mais de 166 anos de existência, tantas e tantas vezes esteve fechado: e sobretudo, podemos hoje aqui evocar, na sequência do incêndio que quase o destruiu em 1964. Só reabriu em 1987.
Obviamente, o livro de Júlio Cesar Machado não o podia antever: mas assinala as sucessivas interrupções de exploração que na época também o atingiu.
Ora bem: em qualquer caso, o que sobretudo valoriza a perspetiva histórica e crítica do livro é o levantamento dos elencos, as referências críticas aos atores e atrizes que marcaram os primeiros anos do Teatro de D. Maria II. Nomes que chegam até hoje pela qualidade artística: Tallassi, Teodorico, Tasso, Epiphanio, Josefa Soller, João Anastácio Rosa, Emília das Neves, Marcolino, Sargedas, António Pedro, Bárbara, Amélia Vieira, Virgínia, Catarina Falco, Cesar de Lacerda, Emília Adelaide...
Estes nomes são referidas também em obras posteriores que evocam e analisam o teatro no Portugal post-garretteano: o próprio Garrett é aliás evocado como “modernizador” da dramaturgia e da cena portuguesa.
Mas o mais relevante no livro de Júlio César Machado é a análise crítica à atuação dos artistas, devidamente “justificada” ou enquadrada por fatores psicossociais que não eram correntes na época e representam, como tal uma valorização do texto: pois tenha-se presente a relevância que na época tinha o meio teatral em Portugal.
E tudo isto é devidamente analisado e valorizado por Júlio César Machado e por Rafael Bordalo Pinheiro, este tanto no que respeita à figura dos artistas como a cenas dos espetáculos evocados e analisados.
Com a fixação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, esta cidade converteu-se em capital do Império e foi a sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, pelo que todas as decisões relevantes do Reino provinham de terras brasileiras, de onde passou a ser governado todo o mundo lusíada.
Com a independência do Brasil, em 1822, consagrou-se a separação, embora o Tratado de Paz e Aliança de 1825, disponha, no seu preâmbulo “os mais vivos desejos de restabelecer a Paz, Amizade, e boa harmonia entre Povos Irmãos, que os vínculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpétua aliança”.
A procura desse fator comum de união permaneceu presente até aos dias de hoje, traduzindo-se num conjunto de planos para unir os dois países, assim surgindo o interesse para a criação de uma Comunidade Luso-Brasileira.
A recuperação da relação privilegiada entre Portugal e o Brasil ocorreu em 1922. Os acontecimentos mais marcantes foram a travessia aérea do Atlântico Sul pelos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral e, nesse mesmo ano, a visita ao Brasil do Presidente da República Portuguesa, António José de Almeida, coincidindo com o 1.º centenário da sua independência.
A ideia de uma Comunidade Luso-Brasileira recebeu um forte ímpeto de Gilberto Freyre, com destaque para as suas obras “CasaGrande & Sanzala” (1933) e “O Mundo que o Português Criou” (1940). Destacando e enaltecendo a ação dos portugueses nos trópicos e na formação do povo brasileiro, contribuiu decisivamente para uma reviravolta, pela positiva, da autoestima dos brasileiros e da sua visão da atividade portuguesa no Brasil. Depois de Freyre, o estudo da colonização portuguesa no Brasil passou a ser vista com maior interesse, o mesmo acontecendo em relação à génese e emergência do povo brasileiro, libertando a opinião pública brasileira de pessimismos e complexos de inferioridade, com os respetivos reflexos em Portugal.
Surge, neste contexto, um dos maiores entusiastas da aproximação entre os dois países, o embaixador do Brasil em Portugal, José Neves Fontoura, principal mentor do Tratado que foi a concretização inicial da Comunidade Luso-Brasileira.
Em 16 de novembro de 1953, no Rio de Janeiro, é assinado o Tratado de Amizade e Consulta, entre Portugal e o Brasil, em cuja introdução consta basear-se no mútuo reconhecimento “das afinidades espirituais, morais, étnicas e linguísticas que, após mais de três séculos de história comum, continuam a ligar a Nação Brasileira à Nação Portuguesa, do que resulta uma situação especialíssima para os interesses recíprocos dos dois povos”.
Aspetos fundamentais dele resultante são o reconhecimento jurídico da Comunidade Luso-Brasileira, consulta recíproca relativa a problemas comuns da Comunidade, mesmo de âmbito internacional, e a criação de um estatuto especial para os cidadãos de ambos os países.
O Tratado de Amizade e Consulta traduziu-se no primeiro projeto de uma comunidade de povos de língua portuguesa.
É imperioso referir que entre os eventos que podem ser vistos como antecedentes da CPLP, estão dois Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, feitos em Lisboa, em 1964, e na Ilha de Moçambique, em 1967, realizados sob a responsabilidade da Sociedade de Geografia de Lisboa, que tiveram como maior dinamizador Adriano Moreira, na sua qualidade de Presidente da União das Comunidades de Cultura Portuguesa.
Esta União tinha por fim “promover e assegurar as relações e a cooperação das associações, grupos e indivíduos que estejam ligados ou se interessem pela conservaçãoe propagação da cultura portuguesa” (art.º 1.º). Para cumprir os seus objetivos, a União deveria servir “a cooperação entre os portugueses, descendentes de portugueses e pessoas filiadas na cultura portuguesa, tendo especialmente em vista osque residem habitualmente fora do território português” (art.º 2.º).
No relatório geral do I Congresso das Comunidades Portuguesas, salienta-se a necessidade de um movimento destinado à salvaguarda da herança cultural portuguesa no mundo. Referem-se, enumerando-os, três grupos de fenómenos que os portugueses difundiram mundialmente: o achamento do mundo não europeu, a europeização dos trópicos e a formação do mestiço. Como seu resultado defende-se que os portugueses descobrem a unidade da espécie humana, aproximam da Europa novas civilizações e criam a antropologia cultural e física dos trópicos, exportando para os continentes mais distantes “os genes e os patterns culturais euro-mediterrânicos”.
Para além de notórias as influências de Freyre e do luso-tropicalismo, constata-se que tais realizações são também precursoras do atual conceito de Lusofonia. Antecipam-se mais à atual noção de Lusofonia que à da CPLP, pois agarram mais de perto aquela e são mais abrangentes no seu conteúdo, à semelhança da Lusofonia. É assim, desde logo, porque a CPLP é uma organização de vocação restrita quanto aos seus membros, de natureza interestadual e intergovernamental.
Outro avanço de grande importância, no âmbito da Comunidade Luso-Brasileira, foi a Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, assinada em 07.09.1971, em Brasília.
Desde o Tratado de Paz e Aliança de 1825 e o de Amizade e Consulta de 1953, existia uma ideia de tratamento especial concedido, em reciprocidade, aos cidadãos de Portugal e Brasil.
Com a Convenção de Brasília, à ideia de tratamento especial veio juntar-se a de igualdade de tratamento, estabelecendo aquela, no seu art.º 1.º: “Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respetivos nacionais”.
Tal Convenção baseava-se em princípios constitucionais de igualdade das Constituições do Brasil e de Portugal, em obediência ao princípio da reciprocidade. Não era de aplicação automática, mas tão só após requerimento da parte interessada a quem de direito.
Para a aquisição da igualdade de direitos civis exigiam-se como pré-requisitos a residência permanente e a capacidade civil em conformidade com as leis do país (art.º 5.º). Para os direitos políticos, a residência durante cinco anos no país e saber ler e escrever português (art.º 7.º da Convenção e art.º 5.º, n.º 3, Decreto-Lei n.º 126/72, de 22/04).
Não se estabelecia uma dupla cidadania ou uma cidadania comum luso-brasileira. Observa Jorge Miranda: “Os portugueses no Brasil continuam portugueses e os brasileiros em Portugal brasileiros. Simplesmente, uns e outros recebem, à margem ou para além da condição comum de estrangeiros, direitos que a priori poderiam apenas ser conferidos a cidadãos do país” (Manual de Direito Constitucional. Estrutura Constitucional do Estado, Tomo III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1988, p. 145).
Com o 25 de abril de 1974, novos horizontes e estratégias surgiriam.
Romance de Jules Roy com tradução de José Saramago para a Estúdios Cor
Jules Roy é um escritor da linhagem de Saint-Exupéry. Pierre Loewell recorda mesmo que é o único escritor francês que a guerra fez aparecer. Direi que não obstante os prémios que a sua obra recebeu, a profundidade com que escreve faz dele uma marca das obras clássicas. O presente romance foi Grande Prémio de Literatura da Academia Francesa e orgulho sincero de Nataniel Costa o publicar na Coleção LATITUDE da editora Estúdios Cor.
E também julgo que o meio-dia estava próximo quando no esbulho dos livros amados o encontrei de novo. Coloquei-o em cima da secretária.
Dentro e fora de um avião que se despenhara no mar, a mulher infiel, e dentro dele o homem que tão bem e tão mal amava a sua mulher infiel ou, tão só e tão tudo: a mulher infiel.
Sabia que o caminho até ela seria percorrido através dos homens que ela tivera e, no entanto, este caminho ia dar ao mar, para sempre num atrevimento de quem o decifrasse.
Um telegrama anuncia na base dos capitães a queda deste avião trôpego, mas que cumpria a sua função como nenhum outro, ou, o seu piloto, a cada dia não fosse nele como quem vai para o amor eterno e com ele medisse forças.
A morte podia tornar insuportável o que a vida de um modo ou outro ajudara a aceitar. A presença da mulher infiel que ainda não tinha tido conhecimento da notícia, era uma presença de corpo de desejo que desafiava as regras estabelecidas. Era uma mulher que todos queriam pela carga de felicidade que lhes tornava mais tensa a posse que com ela mediam forças para se não deixar partir. Era como quem dizia o dono sou eu.
Todavia, a espécie de alegria confusa e sombria, depois do amor, arrastava-se nos homens até a amarem e amarem e admirarem o marido, excelente pessoa, o melhor piloto da base, agora morto e que nunca explicara a tolerância do que fingira não conhecer ou ele não fosse o único que a levava, à mulher infiel, nos braços, céu adentro no cockpit do pequeno avião, conjuntamente com as asas que lhe desenhara para a eventualidade de um avião inimigo atingir o seu. Então, ele iria para o mar. Ela não. Diante da maldade dos homens, ela sobreviveria, e, eles, honrados como eram, montariam uma encenação de tristeza para reduzirem a crueldade de lhe terem roubado a mulher, a ele, um excelente colega, um corajoso e invejado piloto que tão bem entendia que os seus voos eram tão tiranos quanto a sua mulher, e se abandonados o trairiam. Quando é que abandonara o voo? Só naqueles segundos em que se via a despenhar no mar, e ela? Só naqueles dias a partir dos quais, sem querer, a colocara a seguir ao voo e com ela não fizera suficiente ninho na terra.
A perda de velocidade até ao mar, imaginada pelos colegas, fazia senti-los mais impudicos, e afinal ainda não a encontraram para lhe dar a notícia que qualquer um, só a queria dar com um beijo, ou mil beijos que lhe cobrissem a ela o grito e a culpa do que eles lhe tinham despertado. Pois que era menos desejada do que o céu, mas estava próxima.
Caiu ajoelhada que a culpa de não chegar ao mar com o marido era dela.
No início fora fiel por indiferença e por vocação e por deixar de competir com o destino. Depois os vestidos colados ao corpo sem nada por baixo, deram-lhe o que um dia repentinamente lhe faltara ainda que ao seu lado. E eis uma nova liberdade. E ei-la de joelhos. E eis que bem conhecia que os homens não possuíam o dom de observação e que a vaidade os impedia de acreditar que as mulheres lhe podem sempre ser infiéis. Mas não, de joelhos, gritava não, não, não, ele observava o céu. Eu sei. Ele soltara seguramente as asas, as minhas, para voarem sozinhas e não intuírem a horrenda morte.
Ambos os capitães que deram à mulher infiel a notícia da morte do marido estavam perdidos com o rosto e as palavras da amante, ali, ajoelhada à frente deles, quase nua, para eles agora, como algumas santas nas igrejas, e, a memória do marido morto, salvo enfim pela própria morte da humilhação extrema que ambos sentiam. Não sabiam o que dizer. Muitas tinham sido as indecentes menções que fizeram à mulher infiel. E eis que a busca amorosa estivera sempre ferida pela admiração ao marido da amante infiel. E por ela, provocante, sem medo afinal.
Julgo que colocado em cena este romance, aqui chegado
Só um deles a levantou do chão e ajoelhando-se, ele, lhe disse:
sei que me não vais querer, mas quero que saibas que o que sinto por ti é mais forte que a minha vergonha. A partir daqui, sim, a minha vida será banal.
Portugal é uma terra de contrastes, onde pontificam o Atlântico e o Mediterrâneo. Mas é difícil de definir, pela complexidade e pela diversidade de elementos que caracterizam o país. Orlando Ribeiro escreveu em 1943 um livro notabilíssimo, pelo rigor da investigação e pela leveza da escrita, que constitui um vade mecum indispensável para quem queira conhecer a geografia de Portugal e, através dela, a nossa identidade. Falo-vos de Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico (Sá da Costa, 4ª ed., 1986). (…)
"Disposto de través na zona mediterrânica, bem engastado numa península que é como a miniatura de um continente, o território português abre-se para o mundo por uma vasta fachada oceânica" (p.131). O traçado de viés é acompanhado de alternâncias climáticas e da coexistência do clima oceânico e da secura quente. E é a "vigorosa oposição das terras altas e montanhosas, cortadas de vales profundamente incisos ", as repercussões no revestimento vegetal define uma terra de contrastes. Norte e Sul - o primeiro é atlântico, verdejante, húmido, com "gente densa"; o segundo mediterrâneo, com longos estios e escassamente povoado. Litoral e Interior - o país vai desde a verdura espessa, "banhada na luz doce e húmida" do noroeste até à aridez das terras de além Marão; desde a variegada aptidão rural do Vouga ao Sado ou do sul algarvio até aos monótonos descampados alentejanos… Terras altas e baixas, Serra e Ribeira, Campo e Monte, Montanha e Vale, Terra Alta e Terra Chã - assim define o povo a complexidade e as oposições, bem evidentes na economia e no povoamento. Desde a montanha húmida do norte e da economia agro-pastoril tradicional até aos relevos menos acentuados, secos e descarnados do sul, "onde o gado miúdo e as queimadas degradaram a floresta primitiva", temos os traços de uma complementaridade e de uma coerência meridional. E, deste modo, a unidade de Portugal é em grande parte obra humana - que há mais de sete séculos define uma entidade política antiga e estável.
Orlando Ribeiro não se limita a interrogar a terra. Olha sempre as gentes e a sua vontade, procurando as "raízes antigas" da identidade. No fim do neolítico fala de três áreas de civilização - a do levante, a dos planaltos centrais e a da faixa oeste. E no Oeste peninsular recorda a "civilização megalítica ocidental", ligada igualmente à Bretanha, ao País de Gales e à Irlanda. Aí estão os redutos célticos da Galiza e de Portugal. E a sul temos as influências dos povos mediterrânicos - fenícios, gregos, cartagineses e a "brilhante civilização indígena" dos Tartessos no Guadalquivir. Os tempos vão revelando as diferenças e as ligações, as continuidades e as descontinuidades. Os conventi romanos, a organização administrativa dos suevos e dos visigodos, as desinteligências da monarquia goda, a invasão moura, a influência árabe, a reconquista, a coexistência das zonas estabilizadas dos reinos cristãos a norte e dos reinos taifas no meio dia com uma zona intermédia de incerteza e de alternância de influências - tudo nos vai revelando uma multiplicidade de elementos, num curioso melting pot, que vai gerando a autonomia ocidental peninsular. José Mattoso encarregar-se-á, aliás, mais tarde, de lançar nova luz sobre essa encruzilhada de circunstâncias.
Portucale ou Portugale, junto à foz do Douro, vai ser matriz do corpo político donde sairá o Estado português - um Estado que precede a Nação. (…). O nome Portugal leva-nos à influência indo-europeia (o elemento per significa em sânscrito entrada. E Gal é a referência ao povo céltico – que encontramos na Capadócia (Galácia, Gálatas), em Istambul (Galatasaray), na Galicia (Cracóvia), na Gália, no País de Gales e na Galiza)…
São os contrastes naturais que determinam ainda a deslocação de populações. As vindimas do Douro, as ceifas da Terra Quente, a apanha da azeitona na Beira Baixa, as ceifas no Alentejo, a tirada da cortiça obrigavam a que houvesse movimentos internos, sazonais, de gentes. Nos arrozais são exímios os caramelos do Mondego e do Vouga, bem como os gaibéus do norte do Ribatejo ou os avieiros da foz do Liz… Ao Ribatejo e ao Alentejo chegam os minhotos e pica-milhos, os beirões e os ratinhos. E em Lisboa e na Caparica encontramos as varinas e varinos de Ovar, como é bem de ver, ao lado dos pescadores de Ílhavo. E em Azeitão, Orlando Ribeiro descobre a curiosíssima distinção entre os caramelos de estar e os caramelos de ir e vir, ou seja, os colonos permanentes e os migrantes periódicos. É este o entrecruzar de influências que reforça, aliás, o melting pot e a identidade portuguesa complexa e diversa.
E a divisão regional? (…) O Norte Atlântico é o "tronco antigo e robusto" da nação, dominado pela abundância de chuvas, pela riqueza da terra e pela vitalidade das populações. É uma região de intensa diversidade e de policultura. O Porto velho é o polo histórico indiscutível da região, mas Braga pontua como sede do velho arcebispado. A diversidade urbana coexiste com a intensidade rural. As montanhas do Minho, as serras do Douro e do Vouga assemelham-se, mas o povoamento dá-lhes múltiplas facetas na atividade e nas tradições. O Noroeste é, desta forma, uma "unidade natural definida pelo predomínio dos caracteres atlânticos, unidade histórica mantida através de uma população antiga e densa que, pelo seu número e homogeneidade, veio a constituir o elemento aglutinante do Estado português" (p.148). Nesta síntese feliz, O. Ribeiro dá-nos o sinal das diferenças, que se unem e se completam, e dos elementos comuns. Sentimos a História a fazer sentido - e os reinos cristãos a espraiarem-se naturalmente para a Beira Alta, em direção ao Mondego e à Cordilheira Central, passando pelo Dão vinícola e por Viseu e indo até à Estrela, "enorme reservatório de águas límpidas e de grandes desníveis" (p.149).
No Norte Transmontano "a paisagem carrega-se de tons severos, cinzentos, acastanhados. A luz torna-se mais crua, a terra mais dura e a gente mais retraída". Para cá do Marão, mandam os que cá estão! O arvoredo rareia. Desapareceram os castanheiros, a batata cultiva-se no planalto. A Terra Fria e a Terra Quente marcam uma paisagem de extremos. Nas vertentes do Douro, os matagais deram lugar no séc. XVII aos formosos vinhedos do "vinho fino", nos terrenos de xisto. A Régua é o epicentro e dali sai o vinho, Douro abaixo, para se tornar do Porto, sob os auspícios da colónia britânica. A praga da filoxera do séc. XX dizimou as vinhas. Algumas foram substituídas por amendoeiras e oliveiras. Mas o vinho continuou a ser o grande símbolo da região, que ainda se lembra a memória do Barão de Forrester, morto no Douro, quando a Ferreirinha, D. Antónia, se salvou…
No Sul, o Alentejo singulariza-se pela monotonia da planície. Mas as terras meridionais são complexas e heterogéneas, começando na zona de transição do sopé da Cordilheira Central, a sul do Fundão, na Portela de Alpedrinha, onde a cova da Beira anuncia as planuras de além Tejo, indo, para oeste, através da planície aluvial do Mondego e da cidade de Coimbra até ao grande maciço florestal de Leiria. Depois, há o polimorfismo da Estremadura, os maciços calcários, os barros basálticos dos arredores de Lisboa, o microclima da romântica Sintra, a área de influência de grande metrópole mediterrânea e a península de Setúbal, o santuário natural da Arrábida e a sua floresta mediterrânea. Para leste, estão o Ribatejo, a lezíria, Santarém e o vale celebrado por Garrett em "As Viagens na Minha Terra", que abre para sul na "imensidão de terra lisa ou apenas quebrada em frouxas ondulações…" Aí está Évora, "a cidade mais bela de Portugal", no dizer do mestre, repositório vivo da história portuguesa. E vêm depois o Baixo Alentejo, com Beja como centro, e os dois Algarves - a serra e a orla marítima, lugar de encanto e amenidades - "nenhuma outra região portuguesa possui uma rede urbana tão antiga, tão densa e tão importante", com uma profunda organização romana e muçulmana, tendo esta passado quase intacta ao domínio português…
O lugar escolhido é deveras curioso. Depois de Lancaster House (London) e Florence (Italy), Munich (Germany) é palco para um novo grande discurso da Prime Minister RH Theresa May sobre as futuras relações entre o United Kingdom of Great Britain and Northern Ireland e a European Union. O tema em foco é também tão oportuno quanto incómodo: a segurança comum. — Chérie! Ne pas se poser de questions, c’est se garantir des mensonges.
O Sunday Telegraph revela laços perigosos entre membros do Labour Party e serviços secretos do antigo East Bloc durante a Cold War. No rol de alegados informadores dos ‘Commies’ aparecem os nomes de RHs Jeremy Corbyn e John MacDonell. O porta-voz do Lab Leader rejeita a imputação do anel de MPs. — Well, well. Every Jack has his dearest Jill. O Ukip despede o líder Mr Henry Bolton, tido nos bastidores como uma planta do MI5, colocando interinamente ao leme Mr Gerard Batten. South Africa procura novos rumos na era pós President Jacob Zuma. Para a eternidade partem já Mr John Mahoney e Mr Terence Marsh, aquele celebrizado pelo papel de Marry Crane em Frasier e este pela direção artística de cenários visíveis em Lawrence of Arabia, Doctor Zhivago ou Oliver. Mr Gary Oldman continua a amealhar com a sua interpretação de Sir Winston Churchill em Darkest Hour, desta feita com triunfo nos 2018 Bafta da British Academy Film.
Light rain but better low temperatures at Great London. A passarada guia os primeiros sinais do Springtime, a exemplo da gradual coloração nos rebentos florais. O fio simbólico das estações é também evidente na esperada intervenção primoministerial na Security Conference de Munich. RH Boris Johnson pavimenta-lhe por cá o caminho, com uma positiva visão de futuro soberano e braços abertos para os ‘nobres sentimentos’ dos Remainers nas vésperas do novo encontro da PM com a Bundeskanzeralin Angela Merkel em Berlin. O Foreign Secretary respira forte otimismo, quando as altas propinas universitárias preenchem a agenda doméstica e desviam o olhar para os desafios na vida dos mais jovens. Na big picture, porém, domina o countdown para March 2019. Mrs May aproveita a viagem a Germany para desnudar um pouco mais das realidades do Brexiting. Reafirma o comprometimento britânico na segurança comum face às ameaças globais enquanto anuncia que Westminster irá retomar o pleno controlo das suas políticas externa e de defesa ‒ campos até agora com responsabilidades partilhadas, nomeadamente no tocante às operações de assistência ou de manutenção da paz no resto do mundo. Pragmatismo é a senha de ordem na missiva de Downing Street para a Mitteleuropa.
Com o cenário teutão a sugerir quer o 1938 Agreement, assinado pelo PM Neville Chamberlain com o III Reich, quer o massacre dos 1972 Olympics, e consequente iniciativa do Foreign Secretary Jim Callaghan de criar um grupo intergovernamental para coordenar o europoliciamento e a ação antiterrorista, começa a tornar-se crystal clear para as chancelarias continentais que o reino está de saída da alçada de Brussels em múltiplas áreas sensíveis. A equação da Brexit tem mais, na perspetiva de London. Retirada da EU, sim, mas sem que tal signifique enfraquecimento na vontade política de uma protocolada nova fórmula de cooperação entre os margens do Channel. Ainda assim, autonomias à parte na rota de almejadas intermacionalidades, o Number 10 persiste na ausência dos detalhes concretos: “for ours is a dynamic relationship, not a set of transactions.” Na retórica da honorável representante de Maidenhead, sendo aqui o objetivo último “put the safety of ours citizens first,” haverá que concretizar “[a] relationship built on an unshakeable commitment to our shared values. (…) A relationship in which we must all play our full part in keeping our continent safe and free, and reinvigorate the transatlantic alliance and rules based system on which our shared security depends.”
Porque gerir a ambiguidade é uma das artes da liderança, abra-se a lente ao apontado atlanticismo. A última edição da Tablet apresenta três interessantes teses sobre a ascensão política de DJ Trump. É um leque alternativo viável às teorias da conspiração popularizadas pelo FBI quanto ao atual inquilino da White House ter sido alcandorado à presidência com o apoio ativo do regime russo, hipótese que acaba de ganhar formas com a 37-pages indictment contra 13 indivíduos, por alegada, concertada e dolosamente organizarem “fake campaign events” visando minar a candidatura democrata de Mrs Hillary R Clinton. O artigo de Mr Paul Berman antes foca o perfil sociológico dos eleitorados, escalpeliza os argumentos dos agravos materiais e dos ressentimentos culturais, contextualizando depois o candidato “unWashingtonian” na tradição dual da Great Republic, para acabar a identificar as raízes profundas do classificado “Mussolinian con man” e do seu “Italian style” (leia-se: mafioso) com avassaladora derrocada moral de valores na atual paisagem americana: “the cultural collapse‒ of civility, education, and decorum.” O artigo merece leitura demorada, para fixar o pormenor metodológico. — Umm. Civility, incivility! Politeness! Manners? What about those woolly lines of Master Will by the Duke Senior’s mouth in the entertaining As You Like It:— “This wide and universal theatre / Presents more woeful pageants than the scene / Wherein we play in."
«Vidas numa Vida» de Maria Germana Tânger (Manufactura, 2016) é um livro de memórias onde encontramos as andanças de uma mulher apaixonada pela arte e pela poesia.
O LARGO DE S. CARLOS
Não esqueço as belas tardes passadas na acolhedora casa do Largo de S. Carlos, onde pairavam os mais puros espíritos poéticos. A primeira vez que lá entrei, deparei-me com a mais enigmática das frases de Almada Negreiros – escrita e autografada com a letra inconfundível do mestre e com o belíssimo d com a singular haste que nos levava aos mais ambiciosos sonhos. “Chegar a cada instante pela primeira vez”. Nunca mais perdi essa referência fantástica. Conheci pessoalmente Maria Germana Tânger no final dos anos sessenta, graças à amizade de seu filho António. E quantas vezes não lembrámos, aí mesmo, a presença forte de José de Almada Negreiros, iconoclasta, modernista, inconformista, poeta d’Orpheu, futurista e tudo. O certo é que fora ele a levar a jovem para a leitura de poesia – com o célebre “Corvo” de Edgar A. Poe, na tradução de Pessoa… O grande mestre morreu por essa altura, e não deixámos mais de o considerar na ara das nossas afinidades eletivas. E aqui o plural não é majestático, mas literalmente referido a quantos ali aprendemos a cultivar os mistérios da Arte. Maria Germana gostava da presença dos jovens, entre os alunos do Conservatório Nacional de Garrett e os muitos amigos que passavam por sua casa. Era uma pedagoga inata, que amava a arte como ponto de encontro do espírito. Esse era um tempo em que as mudanças se anunciavam, mas naquela casa, com toda a serenidade, vivíamos a geração de “Orpheu” como se ela se mantivesse viva. E não estaria? Ainda hoje quando todos os dias passo em frente do painel “Começar” na Gulbenkian, feito nesse ano em que comecei a visitar assiduamente a adorável casa do Largo de S. Carlos, recordo essa memória bem presente.
SEMPRE ALMADA NEGREIROS “Chegar a cada instante pela primeira vez” é todo um programa de vida que jamais pode ser esquecido. Que desafio mais obrigatório que o de sermos os “primitivos” das novas gerações? E que é a capacidade criadora senão a fantástica virtude de possuirmos o olhar limpo para podermos descobrir o mundo, numa verdadeira “invenção do dia claro”? E, de facto, ouvíamos em silêncio completo: “Mãe vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! (…) Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça! Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade”. E era ali que tudo se passava, em frente do lugar em que Fernando Pessoa tinha nascido, com todos os seus heterónimos. E assim ouvíamos com júbilo o sino da sua aldeia (na torre da igreja dos Mártires). Ali sonhámos as primeiras viagens que tínhamos a descobrir. E se refiro a casa de S. Carlos não esqueço a de Queluz, onde a hospitalidade também era uma constante… A lembrança mais antiga que tenho de Maria Germana Tânger? A vê-la e a admirá-la na “Ronda Poética”, nos primeiros tempos da televisão. Então aquela voz pausada, ligeiramente rouca, a dizer na perfeição a língua portuguesa tornou-se-me familiar. Devo ainda lembrar Manuel Tânger Correia, seu marido, que iniciou Maria Germana nas andanças teatrais da velha Faculdade de Letras no Convento de Jesus. A qualidade de pensamento e de reflexão que tinha está bem evidenciada no ensaio “Em Busca de uma Estética Literária”, que dele recebi e guardo religiosamente. “O que não oferece dúvida é o personalismo que caracteriza o génio. O transpersonalismo é determinista. O homem tentará sempre. A estética do futuro será mais humana”…
OLHO E CONTENTA-ME VER Em diversos momentos de sua vida, ouvi Maria Germana dizer de cor a “Ode Marítima” de Álvaro de Campos. A sensação que tínhamos era difícil de explicar. Esse exercício nela parecia natural, como se tratasse de uma conversa longa e compassada. Era assim que na Antiguidade os Aedos transmitiam de geração em geração os poemas heroicos. A última vez foi no Teatro da Trindade, com o seu aluno João Grosso, em 1999. E posso dizer que mesmo então a sua memória continuava fielmente segura. Olhando para o seu interlocutor ia dizendo mentalmente as partes que lhe estavam destinadas. O mano-a-mano dessa noite de justíssima homenagem serviu apenas para confirmar tudo – a mestria, o talento, a sabedoria, o amor, a capacidade de dizer comunicando, o entusiasmo, a alegria. “Sozinho no cais deserto a esta manhã de Verão, / Olho pró lado da barra, olho pró Indefinido, / Olho e contenta-me ver, / Pequeno, negro e claro, um paquete entrando. / Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira. / Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo”… Nesse longo poema estava não apenas Álvaro de Campos, mas o fundo poético da nossa língua – levando-nos até Cesário Verde, a Antero de Quental e a Camilo Pessanha… Sim, todos lá estavam – nesse “giro lento do guindaste” que traçava “um semicírculo de não sei que emoção / no silêncio comovido da minh’alma”… Da janela da casa do Largo de S. Carlos adivinhava-se uma nesga de mar ao fundo da rua – e a nossa imaginação associava o lugar do nascimento de Fernando Pessoa (inesquecível ortónimo), a sua memória distante, às andanças escandalosas de Almada Negreiros, a proclamar pelo Chiado os manifestos futuristas. Tudo se ligava e fazia sentido – o teatro, a poesia, a música, a dança, o desenho, a pintura: Pessoa, Almada, Mário de Sá Carneiro, Amadeo de Sousa-Cardoso.
POETA DE POETAS Em Vidas numa Vida (Manufactura, 2016) encontramos as andanças de uma mulher apaixonada pela arte e pela poesia. Cecília Meireles, Fernanda de Castro, Sarah Afonso, Natália Correia fizeram parte do seu círculo de amizade e de culto da Arte. Mário Cesariny chamou-lhe poeta de poetas… O método que usava era simples, mas permitia compreender a diferença entre o declamar (que não praticava) e o dizer, que foi o seu trabalho de sempre. Começava pela descontração, e continuava pela respiração, pela articulação, pelo conhecimento do corpo e pela máscara. Os seus alunos e os amigos (e os primeiros rapidamente entravam para o grupo dos segundos) sabiam-no bem por experiência e entusiasmo. O fundamental era saber dizer, o que pressupunha compreender e transmitir o que o poeta escreveu e o que o leitor sentia. Em quase cem anos de vida, Maria Germana Tânger viveu intensamente, resumindo esse caminho deste modo: “tanta surpresa, tanta dedicação, tanto amor, tanta amizade, tanta desilusão, tanta força, tanta alegria, tanta esperança, tanta rebeldia, tanto desgosto, tanta saudade”… Ah! como sentimos, mais intensamente em cada dia que passa, o que Fernando Pessoa disse: “No tempo em festejavam o dia dos meus anos / Eu era feliz e ninguém estava morto. / Na casa antiga, até eu fazer anos, era uma tradição de há séculos, / E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer…”.
Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença