CRÓNICA DA CULTURA
O âmago da árvore permanecia o mesmo, independentemente da frondosidade que esta ia ganhando com o tempo; e as crianças faziam desse lugar - pois que o âmago se tornou lugar- um local de abrigo, nas brincadeiras do onde estás tu meu malandro que está na hora do almoço? E assim esta arvore se tornou a nossa substantiva referência das férias grandes e nela pensávamos quando o inverno na cidade nos desprotegia da ida à escola.
No âmago da árvore, com o passar dos anos, passou a existir toda uma cultura em todos os sentidos aprendidos de cor pelo mais íntimo de cada um de nós: da rima infantil até à cumplicidade com o primeiro namorado, a verdadeira fruição deste âmago de espaço oco da nossa arvore, centrava-se sempre num prazer de natureza simples e, aos poucos, na obtenção de um prazer de natureza mais subtil.
Um dos problemas do moderno mundo é que se fazem tentativas para se alcançar a simplicidade da modernidade em quase tudo, exceto no que respeita à alma. Todavia, o âmago da nossa árvore era desde muito cedo e ainda que o não soubéssemos, de tão cedo, de uma simplicidade de fundo de alma, ao qual eramos gratos pelo imenso conforto que nos proporcionava esse sentir, tão generosamente oferecido ainda que o não soubéssemos definir – até mesmo pela complexidade.
Nenhum de nós que conhecia o segredo do local do âmago desdenhava, dentro dele, até sozinho se sentar lá e devorar com entusiasmo o segredo de uma vida simples nos momentos ali vividos também em espírito simples.
Quantas vezes hoje penso que as formas de arte moderna revertem o seu passo na direção de um “primitivo” que as esclareça, e, que o seu erro, quantas vezes, é procurarem um âmago com altivez- que só ao saciar deveria respeitar- e que em penúltimos e últimos esforços revela afinal o objetivo de desenhar uma árvore que expresse o âmago de uma criança que esboça e consegue demonstrar a visão do sentir primordial.
Teresa Bracinha Vieira
Fevereiro