A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XXXV - AGOSTINHO DA SILVA
“O Português precisa de tomar consciência de que é vário. Porque se ele percorrer os seus grandes homens, todos eles se apresentam como uma variedade enorme. É o Camões, é o António Vieira, e é aquele que vem dar a chave mais cómoda das coisas e que se chamou Fernando Pessoa. O Fernando Pessoa ousou ser vários; e para pôr isso bem claro aos olhos dos portugueses é que ele usou vários nomes”.
Após reconhecer que Camões foi vário, reconhece que nunca mudou de nome, acrescentando:
“Não inventou, não se lembrou dessa história dos heterónimos. Mas o Fernando Pessoa, esse, lembrou-se, e deu com isso uma lição aos Portugueses. “Façam o favor de ser os vários que são”. Procurem qual é a economia, qual é a política, qual é a metafísica que lhes permitirá ser vários e ser, sobretudo, gente. Porque quando vamos ver o comportamento dos grandes portugueses, e até dos pequenos portugueses, encontramo-los sempre vários.” (“Esboço do Português, em Ir à Índia sem abandonar Portugal”, Assírio & Alvim, p. 35).
É, para Agostinho da Silva, uma caraterística louvável dos portugueses, ser vário, de que ele próprio fez o culto, levado pelo espírito de miscigenação, de integração e de comunhão com os povos e culturas lusíadas do lugar onde vivia, na sua própria vida de português errante, atravessador de mares e continentes, conformando a sua vivência humana e espiritual com uma espécie de vivência ecuménica muito sentida e espiritualizada.
Essa caraterística tão portuguesa de sermos sempre o mesmo sendo variadamente o outro, retira-a do passado de Portugal, que acaba por adaptar e projetar no seu futuro.
No que aqui nos interessa, através da disseminação pelos descobrimentos, Portugal deu novos mundos ao mundo, descobrindo-se a si próprio e aos outros, sendo sempre o mesmo sendo variadamente o outro, acabando por transmitir a esse outro a ideia de que a humanidade una através da diversidade apenas se pode realizar pelo Amor Universal.
Não admira que em entrevista ao jornalista Victor Mendanha, responda:
“Agora que Portugal, é todo o território de língua portuguesa, os brasileiros poderão chamar-lhe Brasil e os moçambicanos …chamar-lhe Moçambique. É uma Pátria estendida a todos os homens, aquilo que Fernando Pessoa julgou ser a sua Pátria: a língua portuguesa. Agora, é essa a Pátria de todos nós”.
Concluindo:
“Quando se diz ter Portugal de fazer alguma coisa, o que tem de ser feito sê-lo-á por todos os homens de língua portuguesa. A missão de Portugal, agora, se de missão poderemos falar, não é a mesma do pequeno Portugal, quando tinha apenas um milhão de habitantes, que se lançou ao Mundo e o descobriu todo, mas a missão de todos quantos falam a língua portuguesa. Todos estes povos têm de cumprir uma missão extremamente importante no Mundo” (“Conversas com Agostinho da Silva”, Victor Mendanha, Pergaminho, pp. 30, 31).
A Nação Portuguesa é o conjunto de pessoas que falam ou deviam falar Português, defendendo a criação de uma comunidade luso-afro-brasileira, com o ponto central em Angola, de modo a que ali se congregassem Portugal e o Brasil para o desenvolvimento de África e se formasse no Atlântico um triângulo estratégico de Língua Portuguesa (Portugal, Angola e Brasil), levando ao surgimento de outras relações, ou ao oferecimento de um novo tipo de relações a outros países.
Quando, em 1956, na sua obra “Reflexão”, defende que o Brasil é o herdeiro do Portugal medieval, vai ao encontro do pensamento de Gilberto Freyre, que no prefácio desse mesmo livro tem como um dos mestres da sua vida intelectual. As ideias comuns entre ambos, não se ficam por aqui, sendo essencialmente coincidentes na sustentação de um Brasil plural, que se formou através da miscigenação, considerando que a vitória da colonização portuguesa é a vitória da mestiçagem. O mestiço, tido como o expoente máximo da miscigenação, é o homem que faz a ponte entre as culturas puras, é o símbolo da união racial de todos os povos, o primeiro fundamento para a formação de um outro homem. A mestiçagem ou plena hibridez é, em Freyre, o primeiro fundamento para a formação de um terceiro Homem e respetiva Cultura, fruto de uma simbiose luso-tropical. Em Agostinho da Silva, é o primeiro passo para o ecumenismo, em que a união cultural, racial e social é o trampolim para a unidade espiritual do Espírito Santo. Resultado da fusão da Europa com os trópicos e do enriquecimento da cultura europeia no contacto com o novo mundo.
Portugal, enquanto país que se situa entre a Europa e a África, possui caraterísticas africanas que lhe permitiram misturar-se com povos culturalmente diferentes, desconhecidos e de diversos climas.
A isso chamou Freyre de plasticidade, Jaime Cortesão de plasticidade amorável e Agostinho da Silva de aptidão de se adaptar a qualquer meio e circunstância.
Para Agostinho da Silva, o fim do império colonial português fora necessário para que um novo Portugal emergisse: o Portugal criador da Lusofonia, baseado no espírito da língua comum. O Portugal do futuro, que não é sermos só europeus, é sermos isso e muito mais que isso.
Agostinho assume o espaço da língua, da cultura e do espírito português, brasileiro e lusófono como o de uma comunidade messiânica laica, que tem como vocação maior ser mediadora de uma nova revelação do universal, contribuindo para um estado futuro onde se transcendem todas as antinomias e incompatibilidades.
A comunidade luso-tropical de Freyre é a mesma que Agostinho designa, em 1959, como comunidade luso-brasileira, e que vem a corresponder, em meados da década de noventa, à criação da CPLP.
Trata-se de uma das teorias mais fortes e originais sobre o destino universal de Portugal e povos de língua portuguesa, respeitada e aceite por muitos, embora mais ampla a aceitação quando se fala no seu autor, tido por muitos como um dos portugueses mais original, visionário, honesto e íntegro do seu tempo (e mais extravagante, para outros), inclusive ao tentar coadunar a sua vida quotidiana com o seu pensamento filosófico.
29.05.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício