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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

Eram seis da manhã quando acordámos nos quartos do sótão que tanto amávamos na nossa casa de praia. A empregada bateu as palmas ao entrar nos nossos quartos totalmente forrados a pinho e salpicados com fotos dos nossos ídolos e gritava

 

Vá meninos se querem ver aquela cor do mar no céu, vamos a sair da cama depressa.

 

E nós os três meio trôpegos de sono vestimo-nos num ápice, e, escadas para que te quero que se faz tarde.

 

Cada um a roer a sua maçã, descemos a ladeira de terra e pedra que dava acesso à praia e ali na areia nos sentámos ao lado do António Lameja, nosso banheiro e salvador, mas que não nos salvava dos banhos gelados a que pelas 11h o nosso pai dava ordem que todos tomássemos.

 

O meu irmão mais velho perguntou-lhe

 

É esta a cor?

 

Não, chiu! é mais daqui a bocadinho, mas estejam calados, pois ela pode fugir.

 

A nossa ansiedade e alegria cresciam à luz de prata daquela manhã em que veríamos a tal cor no mar colada com o céu e que em agosto só naquele dia e hora surgiria.

 

Agora de pé, já, gritou Lameja, olhem bem lá no fundo do horizonte: veem aquele tom amarelo? Aí vem a tal luz que sobe para o céu e se torna azul e branca e que é igual à dos santinhos dos missais que mostram a cor dos milagres.

 

Sai de dentro daquela nuvem lá ao fundo? Perguntei

 

Não menina, essa é uma nuvem que acorda mais tarde e quando se abre, sai por seu pé, bem leve, um pouco do sol, aquele que depois é gordo durante o dia.

 

Mas vejam agora. Olhem.

 

E fixámo-nos todos numa auréola que tomava cor amarela e azul e branca e dela saiam uns traços lindos do mar, erguidos para o céu, ou, do céu descidos para o mar, tudo num abraço de cores e luz esplendorosas.

 

Que lindo, que lindo disse o meu irmão mais novo, agarrando-me os ombros. Aquilo é um milagre ou é a natureza lá do alto que chama o mar e ele sobe sozinho?

 

E o Lameja

 

Ó meninos, não duvidem, aquilo é milagre não veem logo? São focos de luz com vida que se cruzam em mar e céu e dão nesta cor de oiro de pasmarmos. Debaixo das águas os peixes também a veem, e, logo saltam para dentro dos barcos dos pescadores, não sendo precisos anzois ou redes, e fazem-no por tanta beleza terem visto, preferindo morrer logo a seguir a esta hora do dia do mês e do ano e, morrem transformados em oiro! Pronto! Viram? Vá, ide para casa, já viram o segredo.

 

Tiveram muita sorte, podia até chover. Ide, ide tomar o pequeno-almoço.

 

Subimos a ladeira devagar, mas íamos olhando para trás, para o mar e o céu.

 

Que viste mana?

 

Uma borboleta que veio do céu beber agua e tu?

 

Um fantasma bom. Um daqueles que toma conta das aparições desta hora.

 

E tu mano, que achas? Ou antes o que viste tu?

 

Ora eu vi o mundo quando estamos a dormir.

 

Entrámos em casa e a empregada perguntou-nos: que tal? Como foi, meninos?

 

Eu respondi

 

Pois parece que vamos ter peixes de oiro para o almoço. Sabes cozinhá-los?

 

Os de oiro, não.

 

Ainda bem. Devem ser rijos. Mas queres que te conte o que vi?

 

Sim, menina.

 

Pois vi o céu azul vestido de borboleta para esconder que é princesa que namora com o mar àquela hora e abraçam-se e tudo.

 

Com beijos?

 

Claro, com beijos também, acho que é uma hora de intimidades com muitas cores. Nada de especial, mas mesmo assim é muito bom.

 

Jesus Maria! Até estou arrepiada. De fato Nosso Senhor não pertence à raça humana!

 

Teresa Bracinha Vieira