A FORÇA DO ATO CRIADOR
O Modernismo em Portugal. (Parte I)
‘Exauridos pelo labirinto caminhamos
Na minúcia da busca na atenção da busca
Na luz notável: de quadrado em quadrado’, Sophia de Mello Breyner, em ‘Maria Helena Vieira da Silva ou Itinerário Inelutável’, Dual, 1986
A sociedade portuguesa, com carências técnicas e económicas, tal como se definiu no decurso dos primeiros anos do século XX, reservou um lugar secundário à vida artística. As vanguardas artísticas europeias eram seguidas fugaz e tardiamente. Foi, em 1912, a via do humor que abriu as portas à modernidade, abandonando-se assim o naturalismo – nas salas do famoso Grémio Literário, o Salão dos Humoristas Portugueses. Na verdade, nesse salão estrearam-se, os nomes importantes no próximo futuro da nova arte nacional (Emmerico, Cristiano Cruz, Almada Negreiros, Jorge Barradas, Ernesto do Canto). Cristiano Cruz, considerado pelos seus companheiros de então como o mais dotado, apresentava um traço original na sua estilização, um humor, amargo e distante e uma preocupação mais social do que política. Jorge Barradas tinha um humor mais popular. Almada Negreiros, que tinha só dezanove anos e aparecia com ‘um espírito aberto, primaveril, como um belo corpo de moço senhor da sua nudez’ (França, José-Augusto).
Para o estabelecimento e descoberta do modernismo, Santa-Rita e Almada Negreiros contribuíram decisivamente - em ligação estreita com o Orpheu.
‘O número dois da revista Orpheu foi, subitamente, em abril de 1915, o rastilho dessa fixação de um modernismo que vimos hesitar entre várias situações, oitocentistas ainda, ou com desculpas de humorismo capaz de mostrar algumas inovações formais.’, José-Augusto França, História de Arte em Portugal – O Modernismo.
Entre 1915 e 1917, emerge o futurismo que fez confluírem si uma certa alucinação ética. Santa-Rita Pintor reproduzia composições de esforçados títulos futuristas (como por exemplo ‘Estojo científico de uma cabeça-aparelho ocular-sobreposição dinâmica visual-reflexos de ambiente x luz.’), com colagens e sobreposição sucessivas de planos. O futurismo, suposto ou pretendido nestas obras, situa-se fora dos exemplos italianos contemporâneos, numa originalidade que não encontra paralelo.
Almada Negreiros realizou o mais vasto ataque ao academismo artístico protagonizado pela elite social, apesar de mais tarde optado por uma prática do desenho pouco vanguardista que culminou nos frescos das Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha Conde de Óbidos.
Porém, foi Amadeo de Souza-Cardoso que mais claramente afirmou modernismo. Amadeo acompanhou em Paris, os desenvolvimentos formais dos cubistas, de Modigliani, Kupka, Picabia e Delaunay. Amadeo analisa especialmente o motivo e exprime-o, primeiro segundo uma imagética arquitectónica explorando progressivamente mais as formas puras através de cromatismos ritmados. Amadeo de Souza-Cardoso representou, para os anos regimentais salazaristas, uma influência vanguardista e não necessária. No entanto, é decisivo facto de Salazar apesar do seu conservadorismo, ter escolhido para dirigir a sua propaganda um modernista, da escola de Marinetti, que fora secretário da revista Orpheu - António Ferro. A política do espírito definida, em 1933, por António Ferro, diretor da do SPN (Secretário de Propaganda Nacional) limitou, assim, toda a potencial acção vanguardista. A sua atuação de assinalável eficácia, mobilizando até ao início dos anos 40, o germinar do modernismo, teve o clímax na Exposição do Mundo Português de 1940 - apogeu e consolidação do regime político salazarista.
Os anos 30 tinham trazido ainda a matriz expressionista descrita por Mário Eloy e Dominguez Alvarez. Eloy representou uma absoluta busca de si próprio e uma forte paixão pelo eu interior. Alvarez apresentou uma atmosfera visual entre paisagens isoladas e auto-retratos deformados.
À margem da realidade artística portuguesa Maria Helena Vieira da Silva foi enquadrada na escola de Paris dos anos 30 e 40, ao lado de Arpad Szenes. A sua obra, nestes anos, usava uma geometria que transformava as linhas e que adquiriam uma função espacial e nos revelavam as perspectivas. As paisagens de cidades, ou de espaços interiores são uma constante temática na obra de Vieira da Silva.
Ana Ruepp