A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
XL - SÍLVIO ROMERO E O ELEMENTO PORTUGUÊS NO BRASIL
Em discurso no Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, em maio de 1902, na conferência sobre O Elemento Portuguez no Brasil, o pensador brasileiro Sílvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (SR),[1] defendeu a tese da conveniência de reforçar no Brasil o elemento português, pois se estudarmos as origens brasileiras, o seu genuíno ascendente europeu é constituído pela gente de Camões.
Não se tratava, tão só, e por mero capricho, de opor o elemento português aos outros elementos que colaboraram na formação do Brasil. Tratava-se, sim, “da conveniência de reforçar no Brasil os elementos que o constituíram historicamente uma nação luso-americana, os elementos que falam a língua portuguesa, ou, ainda e como consequência de tudo isso: de como de todas as novas colonizações que possam vir ao Brasil a mais conveniente é a portuguesa”[2].
Tendo o Brasil como um povo luso-americano, um prolongamento lusitano na América, tipo Portugal transplantado e metamorfoseado, é apologista que de todos os emigrantes que procuravam o país, os portugueses eram os que mais convinham, tendo tido o desígnio superior de se aliarem e não exterminarem as raças indígenas, nem repeliram o negro, melhorando as condições da extensíssima mestiçagem brasileira, sem alterar a fisionomia histórica da nação.
Facto único, a língua, só por si, chegaria para individualizar a nacionalidade brasileira marcando, para sempre, o lugar que o português tem no Brasil. Num período de antilusitanismo, foi firme na defesa da aproximação entre os dois povos, percebendo o papel fundamental de uma língua como eixo central de culturas, antevendo, já então, para o idioma comum, o lugar que agora lhe começa a ser reconhecido.
Portugal, pequeno, de diminuta população, teve força e habilidade bastante para entregar integralmente um país gigante e homogéneo àqueles que deviam ser os seus herdeiros.
Sendo estes os ensinamentos da história, conclui: “se a nossa nacionalidade é uma nacionalidade luso-americana, e se ela quer continuar a ser o que é para ficar sendo alguma coisa, (…), não temos outro recurso senão apelar para um reforço do elemento português, já que europeus de outras origens quaisquer não querem cá vir espalhar-se um pouco por toda a parte, e os das duas procedências que nos enviam imigrantes, (…), foram perturbadoramente aglomerados nas belas regiões do Sul, e são hoje um perigo permanente para a integridade da pátria”[3].
O que justifica, à data, pela ameaça permanente da integridade brasileira, por europeus de outras origens (italianos, e nomeadamente alemães), que não desejavam espalhar-se por todo o país, mas fixar-se nas apetecíveis regiões sulistas aí lançando, deixando-os, o gérmen de futuros Estados, designadamente de origem germânica. Seria assim, dado que o elemento germânico, mais que o italiano, é muito diferente de outros emigrantes e dos concorrentes brasileiros que considera inferiores a si, tendo a experiência provado que não se deixa assimilar e diluir pelas populações nativas.
Propõe que os falantes de português se unam na sua defesa, não vendo como utopia ou sonho uma aliança entre Brasil e Portugal, “como não será um delírio ver no futuro o império português de África unido ao império português da América, estimulados pelo espírito da pequena terra da Europa que foi o berço de ambos”[4].
O reconhecer termos muito a aprender com os povos mais ricos, militarmente poderosos e industrialmente avançados, não o deslumbrou, não renegando as origens. Louva-lhes o mérito de um enorme progresso material, mas não os cobiça na sua arrogância de superioridade e hostilização não humanista.
O elemento germânico, que tem como superiormente dotado em termos étnicos, mas que, pela negativa, se não deixava assimilar e misturar pelas populações pátrias que o circundavam no Brasil, faz lembrar os medos e demónios que a Alemanha representou e representa para muitos, a começar pelos vizinhos, por confronto com o seu apreço. Mas nunca o maravilhou. Ao invés de Portugal, não obstante a sua pequenez e a fraqueza de que então era portador como centro de poder.
Parece um contra-senso, qual queda de um mito, a observação de que os emigrantes germânicos se fixavam preferencialmente no sul, em terras ricas e escolhidas a dedo, ao contrário dos portugueses, espalhados por todo o lado. Como que a inverter a fábula lafontaineana da formiga alemã que labuta, labuta, todo ano (e em toda a parte, presume-se), enquanto as cigarras do sul da Europa (incluindo Portugal, Espanha e, por arrastamento, os seus descendentes na América) andam sempre em folia e devem ser punidas. Apesar da História, como mestra da vida, nos ensinar que o ser-se mais ou menos civilizado e poderoso, varia no tempo e espaço, não sendo um dado adquirido para ninguém. Incluindo a Alemanha que, por muito forte e rica que seja, isolada pouco ou nada representa, a começar na União Europeia, onde se questiona, por agora, saber se está em causa a germanização da Europa ou a europeização daquela.
Constatando o desaparecimento gradual e total da língua portuguesa de certas zonas do Brasil, apesar de eterna em grande parte do país, conclui com a certeza de nunca vir a perecer entre a Galiza e a foz do Guadiana. Felizmente que tal receio não se concretizou, sendo o Brasil atual, como portador de todas as caraterísticas de uma potência emergente e continental, o maior protagonista da divulgação do nosso idioma comum à escala global, com base no critério da difusão mundial das línguas.
Ao promover um reencontro das origens e destino histórico do Brasil para os novos chamamentos competitivos no princípio do século XX, defendendo preferencialmente a utilidade de reforço do elemento português, sem que essa matriz nacional excluísse outros elementos que estiveram na base da sua formação e evolução, SR, para além de ser, eventualmente, o primeiro grande defensor da importância do contributo português na formação do povo brasileiro, foi também um precursor da lusofonia e da CPLP.
17.07.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício
[1] Romero, Sylvio, O Elemento Portuguez no Brasil, Conferência (1902), Typographia da Companhia Nacional Editora, Conde Barão, 50, Lisboa.
[2] Idem, p. 6.
[3] Idem, pp. 20, 21.
[4] Idem, p. 32.