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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CAMILO CULTOR DA MEMÓRIA…

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TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

Diário de Agosto * Número 31

 

Chego ao fim deste Diário de Agosto. Muito ficou por dizer.

 

Hoje falo do Bruxo de Seide. Sim dum bruxo, que soube usar a língua e a narrativa como um modo de enfeitiçar… Camilo Castelo Branco é, por certo, o escritor português que mais sistematicamente cultivou o património e a memória. Ah, como é enganadora a sua fama! Profundo conhecedor do Portugal profundo, deu-nos nos seus romances um retrato rigoroso sobre as tradições, as angústias e as aspirações mais inóspitas e escondidas. Conheceu bem a Patuleia, nas suas diferentes componentes – desde o culto das tradições, das hostes do General Póvoas, à força incontida do inconformismo… E a sua biografia é um verdadeiro alfobre de temas que foi desenvolvendo e desconstruindo ao longo de um conjunto inumerável de títulos. Não se pense, porém, na superficialidade do escritor. Longe disso. Leitor insaciável, reunia informações e documentos, que conhecia como ninguém, e que faziam dele um dos nossos escritores mais cultos. É um caso singularíssimo na língua portuguesa. Longe do repentismo ou da facilidade, estamos perante um verdadeiro cultor das letras que se evidenciou ao saber aliar a um grande talento narrativo, uma capacidade de evocação única e a exigência de um profissional de primeira água, equiparável aos maiores de sempre, como Dickens ou Balzac… Alexandre Cabral fala, com razão, do «exemplo de um profissionalismo sem mácula, nesse estrito aspeto, que não foi ainda ultrapassado». Fialho de Almeida calculava a produção camiliana em cerca de 180 volumes e 54 mil páginas.

 

Aquando da prisão na Relação do Porto, no processo de Ana Plácido, D. Pedro V fez questão de visitar o romancista duas vezes, em novembro de 1860 e no final do Verão de 1861, com palavras de admiração, e, como corresse a notícia de que o monarca lhe mandara oferecer dois contos de réis, Camilo apressou-se a esclarecer e a desmentir: «Eu creio que o Sr. D. Pedro V é infinitamente delicado, e só dá esmolas a quem lhas pede. Quando S. M. me fez a honra de perguntar, na cadeia, em que ocupava, respondi a S. M.: que trabalhava. Ou o Sr. D. Pedro V entendesse que eu me ocupava em chapéus de palha ou em romances, ou em caixinhas de banha, a minha posição ficava defendida para o inteligente monarca: o homem que trabalha não pede nem aceita esmolas; e, se a pedisse ao rei, julgar-se-ia tão humilhado, como se a pedisse ao ínfimo dos homens». Estava em causa a hombridade e a direitura da sua dignidade.

 

Como escritor que se empenhava num verdadeiro drama quotidiano, confessa: «Eu inclinava o peito crivado de dores sobre uma banca para ganhar, escrevendo e tressudando sangue, o pão de uma família. A luz dos olhos bruxuleava já nas vascas da cegueira. E eu escrevia, escrevia sempre».

 

Oiçamo-lo então nas páginas inesquecíveis de “A Queda de Um Anjo”:

 

   «Fermentou na mente dos principais lavradores e párocos das freguesias do

   círculo eleitoral a ideia de levar ao Parlamento o morgado da Agra de Freimas.

   Os deputados eleitos até àquele ano, no círculo de Calisto Elói, eram coisas

   que os constituintes realmente não tinham enviado ao congresso legislativo.

   Pela maior parte, os representantes dos mirandeses tinham sido uns rapazes

   bem-falantes, areopagitas do café Marrare, gente conhecida pela figura desde o

   botequim até S. Carlos, e afeita a beber na Castália, quando, para encher a

   veia, não preferia antes beber da garrafeira do Mata, ou outro que tal

   ecónomo dos apolíneos dons.

   Em geral, aquela juventude esperançosa, eleita por Miranda e outros sertões

   lusitanos, não sabia topograficamente em que parte demoravam os povos seus

   comitentes, nem entendia que os aborígenes das serranias tivessem mais

   necessidades que fazerem-se representar, obrigados pelo regímen da

   constituição. Se algum influente eleitoral, prelibando as delícias do hábito de

   Cristo, obrigara a urna e o senso comum a gemer nos apertos do doloroso

   parto do paralta lisboeta, o tal influente considerava-se idóneo para escrever

   ao deputado, incumbindo-lhe trabalhar na nomeação de um vigário chamorro,

   ou outra coisa, que foi denominação de bando político, em tempo que a

   política não sabia sequer dar-se nomes decentes. Pois o deputado não

   respondia à carta do influente, nem o requerente sabia onde procurá-lo fora

   do Marrare. 

   Por muitos factos desta natureza conspiraram os influentes do círculo de

   Miranda contra os delegados do Governo; e a ideia de eleger o morgado foi

   recebida entusiasticamente por todos aqueles que o ouviram falar no adro da

   igreja, e por quantos tiveram notícias da sua parlenda.

   O partido, que o mestre-escola ganhara de eloquente assalto, cedeu ao império

   das razoáveis conveniências, e centralizou-se na maioria. A verbosidade,

   porém, do professor não ficou despremiada, sendo nomeado secretário da

   junta de paróquia.

   Resistiu Calisto de Barbuda tenazmente às solicitações dos lavradores, que o

   procuraram com o mestre-escola à frente, facto que muito honra este

   desinteresseiro e reportado funcionário. Neste encontro, o professor excedeu

   o juízo avantajado que ele propriamente fazia da sua vocação oratória.

   Mostrou as fauces do abismo escancaradas para travarem Portugal, se os

   sábios e virtuosos não acudissem a salvar a Pátria moribunda. Calisto Elói,

   enternecido até às lágrimas pela sorte da terra de D. João I, voltou-se para a

   esposa, e disse, como o agricultor Cincinato:

   — Aceito o jugo! Assaz receio, mulher, que os nossos campos sejam mal

   cultivados este ano.

   Estavam próximas as eleições.

   A autoridade, assim que soube da resolução do morgado da Agra, preveniu o

   Governo da inutilidade da luta. Não obstante, o ministro do Reino redobrou

   instâncias e promessas, no intuito de vingar a candidatura de um poeta de

   Lisboa, mancebo de muitas promessas ao futuro, que tinha escrito revistas de

   espetáculos, e recitava versos dele ao piano, cuja falta ou demasia de sílabas a

   bulha dos sonoros martelos disfarçava. Redarguiu o administrador do

   concelho ao governador civil que pedia a sua demissão para não sofrer a

   inevitável e desairosa derrota.

   Quis assim o Governo aliciar no círculo algum proprietário, que

   contraminasse a influência do candidato legitimista, fazendo-se eleger. Alguns

   lavradores, menos aferrados à candidatura de Calisto, lembraram à autoridade

   o professor de instrução primária, estropeando frases dos discursos dele,

   proferidos na botica. O administrador riu-se, e mandou-os bugiar, como

   parvajolas que eram.

   Por derradeiro, o governador civil fez saber ao ministério que os povos de

   Vimioso, Alcanissas e Miranda se tinham levantado com selvagem

   independência e tinham fugido com a urna para os desfiladeiros das suas

   serras.

   Pelo conseguinte, não pôde ser proposto o poeta, que, beliscado na sua

   vaidade, assanhou-se contra o Governo, escrevendo umas feras objurgatórias,

   as quais, se tivessem gramática à proporção do fel, o Governo havia de pôr as

   mãos na cabeça e demitir-se.

   À exceção de uma lista, o morgado da Agra de Freimas teve-as todas. A que

   não tinha o nome simpático aos eleitores votava em Brás Lobato, professor de 

   instrução primária, secretário da junta de paróquia, e ex-sargento das milícias

   de Mirandela. Parece que votara em si o mestre-escola. Afinal, maculou a

   alvura do nobilíssimo desprendimento com que perorara em pró da eleição de

   Calisto! Fragilidade humana!

   Principiou, desde logo, o morgado eleito a refrescar a memória com as suas

   leituras de história grega e romana. Era isto entroixar ciência e enfeixar flores

   para o Parlamento. Depois, releu a legislação dos bons tempos de Portugal, a

   fim de restaurar os costumes desbaratados, fazendo remoçar as leis, que

   tinham sido o tabernáculo da moral humana guardado pelo temor de Deus.

   Tosquenejou muitas noites sobre os bacamartes pulvéreos; e, desde que a

   manhã raiava até horas de almoço, ia à margem do Douro, que lhe lambia a

   ourela da quinta, declamar, como Demóstenes nas ribas marítimas, ao estridor

   de um açude e das rodas de duas azenhas. Os moleiros, que o viam bracejar, e

   lhe ouviam o vozeamento, benziam-se, pensando que o sábio treslera, ou

   coisa má lhe entrara no corpo. A Sra. D. Teodora Figueiroa, vendo o marido

   assim tresnoitado, seguia-o às vezes, de madrugada, espreitava-o de um

   cabeço sobranceiro ao rio, e benzia-se também, dizendo: «Dão-me com o

   homem em doido!»  

      (A Queda de Um Anjo)

 

   Agostinho de Morais

 

 

 

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A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
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MADRINHA DE PORTUGAL!

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TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

Diário de Agosto * Número 30

 

Um dos poemas mais intensos da “Mensagem” de Fernando Pessoa é, sem dúvida, o que se refere a Filipa de Lencastre. Madrinha de Portugal! – eis como o poeta qualifica quem foi por certo a mais célebre das nossas Rainhas.

 

Mãe da Ínclita Geração e dos Altos Infantes, na expressão de Camões, foi de uma influência crucial, como educadora, como fator de estabilidade e de bom governo. Seus filhos marcaram decisivamente a Pátria.

 

D. Duarte, o Leal Conselheiro, é o primeiro dos nossos pensadores – que, no entanto, soube distinguir a sua qualidade de filósofo e governante. D. Pedro compreendeu que Portugal precisava de ir para as Sete Partidas – afirmando-se na Europa, criando boas instituições e partindo para o Mar. Se terminou tragicamente em Alfarrobeira, seus netos, o Príncipe Perfeito e Santa Joana Princesa projetaram a sua influência positiva na história portuguesa.

 

D. Henrique lançou o plano do Achamento do Mundo (em coerência e não contradição com D. Pedro), Gomes Eanes de Azurara explica bem a coerência de uma cuidada preparação contra a ideia de improviso. D. Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, mulher de Filipe o Bom, mãe de Carlos o Temerário, foi uma das mulheres de maior influência na história do seu tempo. D. Fernando, o mártir de Tânger, foi símbolo do sacrifício em nome de uma causa. Em todos há a marca indelével de Filipa de Lencastre, da inteligência, da sabedoria e da determinação. Morreu quando seus filhos partiam para Ceuta – mas a sua referência ficou bem evidenciada, no que fez e no que legou.

 

Nos dias de hoje, não podemos esquecer que D. Filipa simboliza originalmente a mais antiga aliança entre duas Nações – Portugal e o Reino Unido. Em tempos de incerteza e do terrível “brexit”, temos de lembrar que na Europa há uma ligação perene que não se deve perder e que tem vocação atlântica. Resistimos juntos nas Guerras Peninsulares, foi a mudança política britânica que permitiu a vitória liberal em 1834, os Açores foram essenciais na vitória dos Aliados, entrámos na EFTA / AECL com o Reino Unido, seguimo-lo nas Comunidades Europeias – razões suficientes para vermos os últimos acontecimentos com preocupação. Houve sombras, é certo, mas o balanço global é o de que a frente atlântica europeia precisa de Portugal e do Reino Unido solidários… D. Filipa de Lencastre, madrinha de Portugal! Temos isso bem presente. Meu avô anglófilo dos quatro costados insistia sempre nesse ponto.  

 

«Que enigma havia em teu seio

Que só génios concebia?

Que arcanjo teus sonhos veio

Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,

Princesa do Santo Gral,

Humano ventre do Império,

Madrinha de Portugal!»

 

 

   Agostinho de Morais

 

 

 

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MATSUO BASHÔ

 

O pai de Matsuo Bashô era um samurai de pobres recursos numa altura em que o Japão era dominado pelos shoguns Tokugawa. Em 1672 começa Matsuo Bashô a impor-se como poeta em Edo (Tóquio). Os seus haiku têm uma dimensão rara de qualidade até aos dias de hoje.

 

Homem profundamente solitário aceita a construção de uma cabana que um discípulo ergue para ele e no primeiro inverno oferecem-lhe uma bananeira decorativa (Bashô, em japonês).

 

Depois de um incêndio que lhe destrói a cabana, ele parte errante para um mundo que percorre como viajante

 

«Estou só e escrevo para minha alegria»

 

Por vezes fazia-se acompanhar de um cuco, por uma borboleta, ou mesmo por um discípulo.

 

Vem Bashô a falecer em 1694 e sobre a sua sepultura, os seus discípulos plantaram uma bananeira.

 

Ainda hoje se menciona que o haiku é o resultado de uma lenta depuração que a poesia japonesa aceita ao longo dos tempos. Mas foi sobretudo Bashô que a construiu no seu estatuto mais cristalino.

 

Li que cada haiku deve ter um tom dominante, no qual se devem reunir a frugalidade, o isolamento e o mistério. O haiku deve surgir como um momento único na eternidade

 

Para o entendimento de um poema assim, devemos nós, os ocidentais despirmo-nos de transfigurações no sobrevém das horas da escrita e da leitura e absorver um haiku qual brisa ligeira que sacudiu as asas de uma libelinha.

 

Jorge Sousa Braga na organização da antologia de Bashô a que me refiro “O Gosto Solitário do orvalho” (chancela da Assírio e Alvim) segue o critério das antologias de haikus (no Japão e no Ocidente): o ciclo das estações, e refere

 

O texto sobre a bananeira decorativa transcrevi-o (…) como se Bashô se tivesse resolvido despir perante os seus leitores. Porque um poeta – e um poeta tão próximo da natureza como este – serve-se sempre nu.

 

E eis Matsuo Bashô

 

Primavera
Debaixo de uma cerejeira

tudo é servido
decorado com flores

 

Flores de cerejeira no céu escuro
E entre elas a melancolia
quase a florir

 

Verão
Silêncio:

as cigarras escutam
o canto das rochas

 

Sensação de vazio
Ao despedir-me colhi
uma espiga de trigo

 

Outono
No outono nos separamos

como as duas conchas
de uma ostra

 

Outono –
Empoleirado num ramo seco
um corvo

 

Inverno
Através da racha na lareira

o gato
vai ter com a amada

 

Deixem-me caminhar
até que tropece e desapareça
na neve

 

Também assim nesta estética de palavras, este homem antiquíssimo comanda um útero para melhor vigiar o mundo e o influir. Porque o verdadeiro poder se exerce na discrição e comunica-se sussurrando mensagens de uns para os outros. A vontade do dizer de Matsuo Bashô recebe e envia sinais com força de mandato e nós só o entendemos se desligados para sempre. E tendo os homens como gente atenta, anfóricos, cor de malva convocados, ao tempo das asas desenvoltas, e entendidos do porquê.

 

Cada ser, julgamos, está para além das somas e transborda do que lhe é conferido. É desse excesso que temos que nos despir para receber a cabana, a bananeira, a eterna viagem que para ser eterna não se consente em estados intermédios.

 

Teresa Bracinha Vieira

A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Teresa Magalhães e a pintura dos fragmentos enérgicos.
 
'Criam-se dois universos distintos cujas vidas próprias se interligam e completam.', Teresa Magalhães In Catálogo da Exposição 'Mote e Transfigurações', SNBA, 2001
 
A propósito das pinturas de Teresa Magalhães (1944), Saramago dizia que as suas cores não têm nome, sente-se sim uma instabilidade contínua do sentido. A instabilidade, talvez venha da energia inesgotável do desconhecido. 
 
Desde os anos 80, que as pinturas de Teresa Magalhães parecem ser acções imobilizadas, de repente travadas num instante preciso, fruto de um processo que não pára nunca e que tudo transforma constantemente. É uma ordem activa sempre ameaçada pela instabilidade, pelo incerto e pelo oscilante vital.
 
'A arte é uma forma de beleza no seu sentido mais dinâmico e abrangente.', Teresa Magalhães
 
A descoberta e a novidade fazem sempre parte. Às vezes contam-se histórias - histórias abertas e sem título. E a pintura constrói-se nessa incerteza e é resultado de muitos gestos, muitas intenções, vivências e interpretações. Existe, por isso, uma grande liberdade de leitura, na pintura de Teresa Magalhães, porque cada ser humano transporta uma vida única. 
 
Teresa Magalhães confessa que fazer uma pintura é uma constante conversa. É uma questão mental - é um jogo entre a mente do artista e a tela. A pintura tem uma vivência própria, transporta memórias e é sobretudo aberta à reflexão e ao sonho. A própria pintura ao ser feita provoca e obriga a uma reforçada atenção e a uma espera por vezes bastante longa. Sem esse jogo mental não existem histórias para contar, é a ausência total de intenção e sentido. A pintura está na cabeça do pintor, mas constrói-se e transforma-se num real concreto e daí o interesse e o desafio que coloca. É feita a duas velocidades de resposta - rápida e lenta (nem sempre o pintor está preparado para agir e tem de esperar). À partida, no fundo está-se perante um trabalho inexistente, não há nada em vista e há uma proposta em fazer aquilo que nunca foi feito. E por isso é que é tão difícil e incerto o trabalho do pintor, porque também passa por aceitar o que nunca antes foi visto ou feito.
 
As pinturas de Teresa Magalhães são fragmentos, são parcelas. Dividem-se e encaixam-se tal como num puzzle. Propõem-se diálogos novos, complexos e inesperados. Os diversos painéis permitem a grande dimensão, a envolvência e o romper de fronteiras do espaço. E a pintura de Teresa Magalhães vai para além da superfície da tela, cria continuações constantes, propõe formas que se complementam, que dialogam forçosamente umas com as outras e que só fazem sentido quando juntas. A fronteira existe sim mas é sinal de um entendimento puro, de convivência e de aceitação mútua. Não há metades, não há simetrias, os tamanhos são diferentes. São fragmentos de memórias, compostas por partes e revelam-se sempre através de cores intensas, vibrantes e enérgicas. E esta é a luta da pintura, entre o todo e a parte porque a pintura apesar de autónoma deve estabelecer sempre um diálogo, uma conversa infinita - com o pintor, com as outras pinturas que vão surgindo em sequência e o com o espectador.
 
'Pintura é uma imagem.
Pintura é um conceito, um raciocínio, uma ideia.
Pintura é uma linguagem.
Pintura é um sentimento, um desejo.
Pintura é um indivíduo.
Pintura é um país, uma época, um universo.
Pintura é uma aposta.'
- Teresa Magalhães, 1982
 
Ana Ruepp
 
 

O MUNDO DOS BRINQUEDOS…

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TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

Diário de Agosto * Número 29

 

As duas imagens que hoje se apresentam correspondem à lembrança da infância de há cinquenta anos… pouco dirá aos nossos jovens, mas conheço alguns que sentem prazer em ouvir dos avós estórias de outros tempos.

 

Na primeira imagem, a Zé procura com um binóculo avistar o castelo misterioso do cimo da montanha. Eles encontraram-se no Casal de Kirrin, como habitualmente nas férias grandes, e a partir daí desenrolaram-se mil aventuras e mil peripécias. Eles são, além da Zé, a Ana, o Júlio, o David e o inseparável Tim (no original: Georgina, Anne, Julian, Dick e Timmy). Em Portugal eram esses os nomes dos heróis mais célebres de Enid Blyton (1897-1968). Era apaixonante ler cada uma das cerca de 120 páginas da coleção da Editorial Notícias, sendo o primeiro “Os Cinco na Ilha do Tesouro”. Mas havia também o programa semanal da Emissora Um, “Meia Hora de Recreio”, que apresentava capítulos dos Famosos Cinco, sob a direção de Maria Madalena Patacho (1903-1993) e com a inconfundível voz de Ruy Ferrão (1918-2010)…

 

Nesse tempo, a nossa Mãe preparava-nos o lanche em volta do imponente aparelho de rádio, gigantesco, com um som forte e irrepreensível – café com leite, pão com manteiga, queques e bolos de arroz. E ouvíamos deliciados as descrições das opíparas merendas que a Mãe da Zé preparava para os pequenos: ovos com bacon, compotas variadas, sumos - e juro-vos que o nosso lanche mais corriqueiro sabia exatamente às descrições de Enid Blyton. A sugestão era tudo, e sobretudo havia todo o suspense dessas aventuras fantásticas. Cada geração tem os seus heróis - e a minha, que era a do “Cavaleiro Andante”, era naturalmente irmã dos Cinco… Eu sei que houve os Sete, o Noddy, a Gémeas do Colégio de Santa Clara, mas apenas os Cinco nos interessaram verdadeiramente, como antecâmara das Biografias da Civilização e dos clássicos da Sá da Costa…

 

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A segunda imagem de hoje remete para a coleção dos Dinky Toys, fabricados pela Meccano de boa memória. Importa lembrar que a Meccano (fundada em 1908 por Frank Hornby) começou por produzir peças para montar elevadores, gruas, tratores, automóveis. Uma grua como devia ser demorava mais de um dia a ser produzida, reunindo centenas de peças e muitos parafusos. Era um brinquedo fabuloso. Começámos com a caixa número cinco e acabámos com a número 10, capaz de realizar autênticas obras de alta engenharia… Mas regressemos às miniaturas. A fábrica inglesa da Meccano produziu miniaturas de fundição injetada entre 1935 e 1979. Não esqueço um Connaught Fórmula 1 de cor verde, que foi pilotado por Stirling Moss, que eu vi correr em carne e osso em Monsanto no último ano em que essa marca concorreu, 1959. Depois vieram um Land Rover, um Morris Minor, um Austin, uma camioneta Dodge… Em simultâneo começaram a surgir os Corgi Toys, com molas e com portas e capots a abrir e fechar… Os Dinky e os Corgi associavam-se facilmente pois tinham a mesma escala… Vários dos meus modelos chegaram mesmo a estar expostos no Museu do Brinquedo… A fábrica da Dinky em Binns Road, Liverpool, fecharia em 1979, em virtude da concorrência de produtos feitos no Oriente em série mais baratos mas de menor qualidade, e a Corgi Toys ainda duraria até 1983, mas conheceria o mesmo destino. A Matchbox viria até 2000 a produzir sob a marca Dinky modelos que tinham ganho notoriedade. Hoje a produção de miniaturas mudou radicalmente, prevalecendo os modelos de pequena dimensão ou de escala superior às dos clássicos Dinky e Corgi Toys…  Foi um outro tempo – e agora essa nostalgia é responsável por preços astronómicos alcançados em leilões pelos pequenos modelos originais…  

 

Sobre a nostalgia dos brinquedos da infância oiçamos hoje Cecília Meireles:

 

«O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

 

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores,
– de tudo o que aparecer.

 

O menino quer um burrinho
que saiba inventar histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

 

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

 

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Ruas das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)»

 

   Agostinho de Morais

 

 

 

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A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
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MAFRA – UM MEMORIAL DE CONVENTO…

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TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

Diário de Agosto * Número 28

 

O Convento e Palácio Nacional de Mafra constitui uma das grandes referências europeias do barroco setecentista. A edificação propriamente dita, a Biblioteca única na diversidade e valia das obras nela integradas, o sistema de carrilhões (apoiado pela campanha dos 7 monumentos maia ameaçados da Europa Nostra), os órgãos da basílica – tudo aponta para um dos exemplos mais importantes da criação artística e arquitetónica da humanidade. Os trabalhos da construção iniciaram-se em 1717 por iniciativa de D. João V, em virtude de uma promessa em nome da descendência que viesse a ter da rainha D. Maria Ana de Áustria. Concebido inicialmente como um pequeno convento para 13 frades, o projeto para o Real Convento foi sofrendo sucessivos alargamentos, acabando num imenso edifício de cerca de 40.000 m2, com todas as dependências e pertences necessários à vida quotidiana de 300 frades da Ordem dos Frades Menores. O edifício ocupa uma área aproximada de quatro hectares (37.790 m2). Construído em pedra de lioz, abundante na região, é constituído por 1200 divisões, mais de 4700 portas e janelas, 156 escadarias e 29 pátios e saguões. No convento gastavam-se, quando começou a funcionar, anualmente 120 pipas de vinho, 70 pipas de azeite, 13 moios de arroz (cada moio corresponde a 828 litros) ou 600 cabeças de vaca. Junto ao Convento ficava o chamado Jardim da Cerca, com horta e pomar, vários tanques de água e sete campos de jogos, quatro da bola, um do aro e dois de laranjinha. Foi escolhido para arquiteto João Frederico Ludovice, ourives, arquiteto e engenheiro militar prussiano de formação italiana. Dirige a obra até 1730 e para sua conclusão ficará seu filho João Pedro Ludovice, também arquiteto. Para os altares da Real Basílica e diversas capelas, bem como áreas conventuais, como a portaria e o refeitório, o rei encomendou uma coleção de pintura religiosa, na qual avultam obras dos pintores italianos Masucci, Giaquinto, Trevisani e Battoni e de portugueses bolseiros em Roma como Vieira Lusitano e Inácio de Oliveira Bernardes. A coleção de escultura foi encomendada a grandes mestres italianos, entre os quais se contam Lironi, Monaldi, Bracci, Maini, Corsini, Rusconi e Ludovisi, constituindo a mais importante coleção de escultura barroca italiana fora de Itália, formada por 58 estátuas de mármore de Carrara, que inclui estudos em terracota e a produção da Escola de Escultura de Mafra, criada no reinado de D. José, sob a direção do mestre italiano Alessandro Giusti, e por onde passaram importantes escultores como Machado de Castro. Há ainda uma importante coleção de paramentos produzidos em Itália e em França.


A construção e a mitologia em seu entorno foi tema do romance de José Saramago “Memorial do Convento”. Entre os operários do Convento estava Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, e o romance trata do seu grande amor por Blimunda Jesus, mulher dotada do estranho poder de ver o interior das pessoas. Os dois conhecem o célebre padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, que entrou na história como pioneiro das máquinas voadoras. Desse encontro vai resultar a construção de um aparelho voador, a Passarola, que sobe em direção ao Sol, sendo que este atrai as vontades, que estão presas dentro da Passarola. Blimunda Jesus, ao ver o interior das pessoas, recolhe as suas vontades, descritas pelo autor como nuvens abertas ou nuvens fechadas.


Após um dos voos da passarola, Bartolomeu foge para Espanha, perseguido pela Inquisição. Blimunda e Baltasar vão tratando de esconder e de fazer a manutenção à Passarola, que estava dissimulada por arbustos em Montejunto. Um dia, Baltasar ficou preso à Passarola, enquanto fazia a sua manutenção, e os cabos que a impediam de se elevar nos céus rebentaram, tendo sido levado pelos ares. A aeronave despenhou-se e Baltasar foi capturado pela Inquisição, acusado de bruxaria. No epílogo da ação, Blimunda recolhe a vontade de Baltasar, enquanto este morre, condenado à fogueira.


Aqui património, tradição, sonho e imaginação encontram-se notavelmente…


E oiçamos José Saramago:


“Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras, e, assim, Blimunda, que até aí só se chamava, como sua mãe, de Jesus, ficou sendo Sete-Luas, e bem batizada estava, que o batismo foi de padre, não alcunha de qualquer um. Dormiram nessa noite os sóis e as luas abraçados, enquanto as estrelas giravam devagar no céu, Lua onde estás, Sol aonde vais.”


“Que sentes tu dentro de ti, Que ninguém se salva, que ninguém se perde, É pecado pensar assim, O pecado não existe, só há morte e vida, A vida está antes da morte, Enganas-te, Baltasar, a morte vem antes da vida, morreu quem fomos, nasce quem somos, por isso é que não morremos de vez, E quando vamos para debaixo da terra, e quando Francisco Marques fica esmagado sob o carro da pedra, não será isso morte sem recurso, Se estamos falando dele, nasce Francisco Marques, Mas ele não o sabe, Tal como nós não sabemos bastante quem somos, e, apesar disso, estamos vivos, Blimunda, onde foi que aprendeste essas coisas, Estive de olhos abertos na barriga da minha mãe, de lá via tudo.”


“Baltasar Mateus, o Sete-Sóis, está calado, apenas olha fixamente Blimunda, e de cada vez que ela o olha a ele sente um aperto na boca do estômago, porque olhos como estes nunca se viram, claros de cinzento, ou verde, ou azul, que com a luz de fora variam ou o pensamento de dentro, e às vezes tornam-se negros noturnos ou brancos brilhantes como lasca de carvão de pedra.”

 

 

    Agostinho de Morais

 

 

 

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Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
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O PORTUGAL FUTURO DE RUY BELO…

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TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

Diário de Agosto * Número 27

 

Ao relermos Ruy Belo, encontramos uma inesperada definição de Património Cultural, não como reminiscência do passado, mas como apelo e desafio para diante. A ideia de que “o puro pássaro é possível” é o apelo poético na sua expressão plena. Como os chamados “vencidos da vida”, os “vencidos do catolicismo” não foram vencidos no largo prazo, são símbolos vivos do que poderemos designar como a “paixão crítica”. Quando Ramalho Ortigão e Oliveira Martins inventaram a expressão que o tempo consagraria fizeram-no com um misto de ironia e de empenhamento na construção do futuro. Contra a ideia de fatalismo do insucesso ou do atraso e sem dó nem piedade no sentido crítico essas duas gerações – a da “Vida Nova” e de “O Tempo e o Modo” assumiram plenamente a dureza da denúncia e a aventura das propostas audaciosas. O atraso recusa-se. E a leitura de “Portugal Futuro” obriga-nos a não baixar os braços, a renovar o ânimo crítico. Uma cultura acomodatícia ou conformista tende a tornar-se frágil. A nitidez crítica contrapõe-se à cacofonia… Daí a necessidade de uma visão cosmopolita de diferentes culturas, não de uma amálgama onde ninguém se entende. Eis como é importante a tradição de D. Pedro das Sete Partidas, mas também de Pedro Nunes, Garcia de Orta, D. João de Castro – de Camões, de Fernão Mendes Pinto, de Vieira… E esse cosmopolitismo liga-se à diversidade das culturas da língua portuguesa – da saudade até à morabeza… “Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz / mas isso era o passado e podia ser duro / edificar sobre ele o portugal futuro”. Haverá melhor definição de património vivo?

«O portugal futuro é um país
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
é essa a forma do meu país
e chamem elas o que lhe chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o portugal futuro»

Ruy Belo, in 'Homem de Palavra[s]'

 

   Agostinho de Morais

 

 

 

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A VIDA DOS LIVROS

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  De 27 de agosto a 2 de setembro de 2018

 

«Jornal do Observador» de Vitorino Nemésio (Verbo, 1974) é um repositório de crónicas do romancista, poeta e ensaísta onde o tema da cultura portuguesa é recorrente - considerado como um fecundo ponto de encontro de influências diversas, onde o humanismo universalista está bem evidenciado.

 

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CULTURA COMO COMPREENSÃO

De que falamos na História da Cultura? De continuidades e de mudanças, de características singulares e de convergências, de identidades e diferenças, de desafios e respostas. Não se trata de seguir os acontecimentos, mas de compreender as perspetivas sincrónica e diacrónica. No ensino da Cultura Portuguesa, António Manuel Machado Pires recorda, por isso, a preocupação que Vitorino Nemésio tinha com os seus discípulos, no sentido de abrir as suas mentes, ligando e relacionando realidades aparentemente distintas: «E por ‘ligar as coisas’ deve entender-se ligar mesmo, não apenas somar conhecimentos: fazer relacionações entre conhecimentos convencionalmente arrumados em cadeiras diferentes, ligar uma romaria a uma feira, esta a um modelo de vida, este à evocação de um almocreve, este a Gil Vicente e por que não, a O Malhadinhas de Aquilino?» O mesmo se diga quanto ao paralelo ou correspondência entre um anjo bochechudo e corado de um retábulo seiscentista e a vivência do barroco, considerando a imagem nobre simbólico-poética de Pégaso, o cavaleiro medieval ou a ética da cavalaria até… ao cavaleiro tauromáquico português estilo Luís XV. «Não é tudo a cultura simbolicamente aduzida pela imagem do cavalo? Não era Nemésio o autor dos poemas de O Cavalo Encantado?». Nesta afirmação há uma ideia de cultura como diálogo e confronto, entre quem vê e tenta compreender e aquilo que se pretende ver e entender numa relação sempre complexa entre a vida humana e a natureza que a rodeia. Daí a metáfora da varanda para ver a Cultura, tantas vezes usada – Varanda de Pilatos, mas também varanda donde se presencia o cortejo. E Hernâni Cidade, António José Saraiva, Jorge Dias, Orlando Ribeiro, Joel Serrão, José-Augusto França foram exemplos de perscrutadores de pistas culturais entre a intuição e a inteligência, a erudição e a capacidade de entender o “mundo da vida” – porque, no fundo, refletir sobre a cultura é fazê-la, construí-la, interpretá-la e torná-la viva.

 

VARANDAS SOBRE A REALIDADE

Lembre-se, por exemplo, o picaresco e dramático em Fernão Mendes Pinto: “não é só uma narração de experiências, percursos de paisagens exóticas ou encontros e desencontros de povos (Ocidente e Oriente), é a ironia da vida, a dor humana, pecado, entusiasmo e castigo, alegrias e lágrimas, voluntarismos e disponibilidades, uma grandiosa saga coletiva de um povo (nem sempre exemplar), mas provando a exemplar lição do tudo e nada da Vida”. Eis por que razão a perspetiva da Literatura ou da Arte são excelentes varandas para avistar e compreender a Cultura como panorama, uma vez que temos o testemunho concreto, mais do que a lógica de um poder ou do que a mera ostentação de um saber. E mesmo que o autor tenha autoridade (como nos casos de D. Dinis ou D. Duarte) a verdade é que comunica não pelo império, mas pela palavra e pelo sentimento. Assim, não compreenderemos o século XIX português sem ler Camilo (“raptos, fugas e famílias desgraçadas”), Júlio Dinis (“a conciliação social”), Eça (a ironia como método, devendo ser levada muito a sério) ou Cesário (a contradição dos sentimentos), João de Deus, Antero, Nemésio, Aquilino, Torga… Mas há outras dimensões a não esquecer absolutamente: a geografia de Orlando Ribeiro, as origens históricas, como em Damião Peres ou José Mattoso, as raízes mais remotas em Teófilo Braga e José Leite de Vasconcelos…

 

DUAS LINHAS DE PENSAMENTO

Concordo com Nemésio e Machado Pires quando falam de duas linhas de pensamento dominantes na reflexão sobre a cultura portuguesa, a idealista e a racionalista, representadas por Teixeira de Pascoaes e António Sérgio. Ambas têm de ser consideradas “para o balanço de ser português na vida, na cultura e no mundo”. Dando maior importância ora a uma ora a outra, o certo é que os dois polos têm de estar presentes na definição do “ser de Portugal”. A vontade, o sentimento de pertença, “a estruturação da Cultura e a organização do Estado”, caminhando a par (como na análise de A. J. Saraiva) articulam-se com a construção de um imaginário, a experiência “madre de todas as cousas” (de Duarte Pacheco Pereira e de Camões), os conflitos entre a sociedade antiga e a sociedade moderna (bem evidentes no “Portugal Contemporâneo”), a compreensão de um culto de sentimentos contraditórios, os mitos da origem, de resistência ou de predestinação, tudo nos permite tentar perceber quem somos e o que nos motiva e desafia. Mas temos de recusar as simplificações e a tentação de levar a História da Cultura para uma sucessão de factos ou acontecimentos. Daí termos de perscrutar tendências, de suscitar criticamente essas leituras, de comparar, de ver de dentro e de fora, de cruzar saberes e campos de pesquisa.

«“Cultura” não é um “somatório” heteróclito, indiferenciado, anódino e maçador, mas um caminho coerente para um fim demonstrável no seu todo, um rasgão na neblina de dúvidas e problemas, carreando um considerável conjunto de materiais para “forçar” a prova». No caso de Nemésio, este falava ao sabor da memória, “se bem me lembro”, usando as palavras como as cerejas, mas havia sempre um fio condutor, um fito, um meio de prova. O que deve estar em causa é a procura de caminhos explicativos, de linhas de reflexão, de sínteses e de paradoxos. O fim do século, a transição, a análise da crise política, económica e social, Antero de Quental, Eça de Queirós, Carlos Fradique Mendes (extraordinário heterónimo coletivo de uma geração, que encontramos no diálogo tenso entre Carlos e João da Ega), Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Bernardino Machado devem ocupar o pensamento e a procura, num verdadeiro apelo a Jano, em resposta ao enigma persistente e contraditório de uma sociedade que oscila entre o messianismo e a vontade, entre o mito e a racionalidade, entre a crítica e a sobrevivência, entre o presente e o futuro.

 

UMA PERSPETIVA CONVERGENTE

A Cultura é “uma perspetiva convergente e unitária de vários ramos do saber”. Por exemplo, ao analisar as “raízes etnogénicas do Povo Português” no pensamento de Oliveira Martins, para quem a nossa identidade provém não só da vontade enfatizada por Herculano, mas também do fundo céltico, com o peso inerente do messianismo. E eis um paradoxo, “se o historiador busca a razão dos acontecimentos, culpa os homens; se procura os imperativos da Raça, culpa o Destino. Transporta a Moïra grega para o drama da causalidade histórica”. E, chamando a atenção para o percurso de vida do historiador oitocentista, fala do pessimismo das suas análises, em contraste com o seu compromisso cívico: “foi, no entanto, também ministro da Fazenda, preconizando a criação de riqueza agrícola, do fomento rural, o aproveitamento das águas públicas, o repovoamento florestal, a nacionalização dos transportes, promulgando mesmo, nos poucos meses do seu governo, a reorganização das Alfandegas e da Fazenda, talvez acreditando ainda, como nos longínquos anos de 1868, no universalismo das comunicações, na grande federação dos homens livres, na imprensa, na locomotiva, na eletricidade, na felicidade pelo Progresso Científico”. Ou seja, num momento em que, nos anos 90 do século XIX, a decadência se manifestava e em que o desastre parecia anunciar-se, com o Ultimato, a bancarrota, a dívida pública, a crise do regime, o desprestígio das instituições, Oliveira Martins não baixa os braços e revela o sentido positivo da atitude crítica, claramente demarcado de um qualquer fatalismo: “vemos como o seu amor à Pátria, à História e à dignidade do homem social nunca o abandonou e define com grandeza uma obra vasta e diversa que termina significativamente numa trilogia patriótica e na busca de arquétipos da excelência portuguesa”. Ao contrário das considerações superficiais sobre a Geração de 70, Machado Pires sempre procurou demonstrar o carácter complexo do seu pensamento e do seu magistério, a atitude crítica positiva orientada num sentido emancipador, a coerência fundamental, centrada nas preocupações ligadas à justiça e à coesão social, bem como à criação de condições concretas para pôr o coração do país a bater ao ritmo da civilização.

 

Guilherme d'Oliveira Martins

 

 

DEVES ORAR POR UMA VIAGEM LONGA…

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TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

Diário de Agosto * Número 26

 

Konstantinos Kavafis (1863-1933) escreveu sobre Itaca um dos poemas mais célebres da cultura moderna. A metáfora da viagem surge como a representação da própria existência. A procura e a descoberta, a atenção e experiência – tudo nos surge como uma procura permanente de sentido. “Que sejam muitas as manhãs de Verão, quando, com que prazer, com que deleite, entrares em portos jamais antes vistos!”. A versão que aqui apresentamos é da autoria de Jorge de Sena e constitui uma peça fundamental da poesia portuguesa. Só um grande poeta pode ser tão fiel ao espírito de Kavafis. E é o Mediterrâneo que aqui se encontra bem presente. Naturalmente, lembramo-nos perante este poema da amizade fecunda entre Sophia e Sena. Mais do que uma amizade, há uma fidelidade muito funda às raízes comuns da nossa cultura – encruzilhada de influências, Oriente e Ocidente, Sul e Norte, céu e mar… Ulisses é um símbolo que nos une – a paixão temperada pela medida. Ah! Importa reler ininterruptamente este poema. Todos vamos regressando a Ítaca. E o tema não pode ser mais português. Temos o gene de Ulisses dentro de nós… E não esqueço o especial afeto que o Alberto Vaz da Silva tinha para com este poema…

 

«Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado - não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria- nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!

 

Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:

 

coral e madrepérola, âmbar e marfim,

 

e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,

 

para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,

 

que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,

 

rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora,
senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca».

 

   Agostinho de Morais

 

 

 

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CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

Minha Princesa de mim:

 

   Enviei a amigos a minha tradução, a partir da versão francesa publicada pela Bibliothèque de la Pléiade, do belo poema do dao original que canta a água e que, extraído do Huainan zi, inseri na minha-tua última carta. Apreciado por muitos, despertou especial curiosidade entre alguns, como o João Paiva Boléo. Vou então desvendar parte do meu esforço suplementar de aproximação ao original chinês, apesar de só ser capaz de traduzir a partir de versões em línguas europeias, dada a minha ignorância da língua sínica. Faço-o com simpatia pelo interesse manifestado - e pela diferença que as minhas versões de textos originalmente chineses têm relativamente às que ouso fazer do japonês (de que já te descrevi o processo, com recurso ao dicionário universal de japonês-português do meu velho amigo padre Jaime Cepeda Coelho (jesuíta transmontano, atrevido cidadão luso-nipónico) e a compêndios de transcrição fonética e caligrafia sino-japónica, além das transcrições em romaji (caracteres latinos), iniciada pelos jesuítas portugueses no século XVI). Da língua chinesa, nem sequer conheço os sons de leitura dos caracteres (apesar dos muitos kanji que posso ler e entender por via nipónica), o que me obriga a, quando possível, recorrer ao precioso auxílio do meu mestre (nunca o vi em pessoa, mas li-o muito) François Cheng, como mostro no exemplo exercitado abaixo. Antes, porém, e para te ajudar a melhor me compreenderes, do mesmo Cheng te deixo um pequeno trecho do seu L´écriture poétique chinoise (Seuil, Paris, 1996):

 

   Independente do som e invariável, formando em si uma unidade, cada signo fica com a oportunidade de permanecer soberano e, como tal, durar. Eis, desde a origem, uma escrita que se recusa a ser simples suporte da língua falada: o seu desenvolvimento é uma longa luta pela autonomia, e pela liberdade de combinação. (Em cartas passadas, Princesa, também procurei explicar-te estes "achados"]. Revela-se desde a origem esta relação contraditória, dialética, entre os sons representados e a presença física a tender para o movimento gestual, entre a exigência da linearidade e o desejo de uma evasão espacial. Poder-se-á falar de "insensato desafio" por parte dos chineses em manter tal "contradição", isto durante quase quarenta séculos? Trata-se, em qualquer caso, de espantosíssima aventura: pode dizer-se que, pela sua escrita, os chineses ganharam uma aposta singular, de que os maiores beneficiários foram os poetas.

 

   Na verdade, graças a essa escrita, foi-nos transmitido um canto ininterrupto há mais de três mil anos. [O Shi-jing ou Livro da Poesia, primeira seleta de cantos a inaugurar a literatura chinesa, contém peças datadas do primeiro milenário a.C.]. Esse canto, no início intimamente ligado à dança sacra e aos trabalhos do campo ritmados pelas estações, conheceu mais tarde muitas metamorfoses. Na nascente destas está precisamente essa mesmíssima escrita que engendrou uma linguagem poética profundamente original. Toda a poesia dos Tang é um cântico escrito, tanto quanto uma escrita cantada. Através dos sinais, obedecendo sempre a um ritmo primordial, uma palavra explodiu e extravasou por todo lado o seu ato de significância. Cercar primeiro a realidade desses signos, o que são os ideogramas chineses, a sua natureza específica, os seus laços com outras práticas significantes é realçar traços essenciais da poesia chinesa.

 

   Como não tenho - e assim tal qual te lo disse em cartas passadas, sobretudo quanto a traduções ou análises de textos japoneses - possibilidade de escrever aqui outros caracteres além dos nossos latinos, passo à demonstração da versão de um poema de Wang Bo para francês, feita por François Cheng, escamoteando o texto original em caracteres sínicos, mas mantendo a literal tradução do mesmo, paralelamente à versão literária final, em língua francesa, pelo mesmo autor. O título

do poema é, em qualquer língua, O Vento. Logo de seguida, apresento a minha versão portuguesa, composta a partir das duas de François Cheng, a sino-francesa, literal, e a francesa livre, literária:

 

 

Su-su / fraîches ombres naître
Accroître en moi / bois-vallon pureté
Chassant fumée / chercher torrent logis 
Roulant brume / franchir montagne piliers
Aller-venir / toujours sans trace       
Se mouvoir-s´arrêter / comme y avoir sentiment     
Soleil couchant / mont-fleuve calme  
Pour vous / susciter pins bruissement.      
Susurre le vent: ombres, fraîcheurs
Purifiant pour moi vallons et bois
Il fouille, près du torrent, la fumée d´un logis
Et porte la brume hors des piliers de montagne
Allant, venant, sans jamais laisser de traces
S´élève, s´apaise, comme mû par un désir
Face au couchant, fleuve et mont se calment:
Pour vous il éveille le chant des pins.

                                                                                                             

Num sussurro o vento faz nascer frescas sombras

e crescer em mim a pureza de bosques e vales.

Enrola em bruma o fumo dum lar ribeirinho 

e sopra-o para além dos montes próximos.

E assim num vai-vem, sem nunca deixar rasto,

ora agita ora amaina, sentindo apenas.

E ao sol poente sossega os montes e os rios,

para ti despertando o murmúrio dos pinhais...

 

 



   Eis um poema Tang no modo Lü Shi, isto é, de poesia regrada, aqui em oitavas. Em português, só pelo que gostei nessas palavras até capazes de falar caladas, em jeito de meditação silenciosa que, tal como o vento do poema chinês, nele tão só procura uma comunhão no sentimento. Traduzo, isto é, trago-te o que e o como senti.

 

Camilo Maria 

 

 

Minha Princesa de mim:

 

   A dinastia Tang (618-907) acolheu uma era de ouro da arte poética chinesa. Logo no seu período inicial (618-712) se destacam os poetas conhecidos como "Os Quatro Talentos", entre eles o "nosso" Wang Bo (650-676), de que, em carta anterior te enviei O Vento... Confesso jamais ter pensado que algum dia me apaixonaria pela poesia antiga do Celeste Império que, aliás, me invadiu, pelo gosto literário, a minha busca da imanência de Deus, no sentido da presença mística do uno inicial. Já nos meus dezassete anos traduzia, para português, Teilhard de Chardin, que em mim deixou raízes. E, na poesia solar de Sophia de Mello Breyner, cedo percebi aquilo que, curiosamente, numa entrevista, que hoje li, do jornal Público ao comunista editor da Caminho, Zeferino Coelho, este filósofo de formação afirmava: O modo como ela  [a Sophia] entende a poesia e as preocupações que estão por detrás da elaboração poética; e, sobretudo, uma tradição muito alemã, que arranca com o Novalis e que é, no fundo, a morte de Deus depois do Iluminismo, a impossibilidade de acreditar em Deus, o sentimento de perda que isso acarreta a quem isso acontece e a tentativa de, através da poesia, restabelecer essa unidade com o mundo. Ela teoriza isso. Há quase toda uma teologia na obra de Sophia.- Sendo ela católica. - Exacto , com uma contradição enorme. Uma vez atrevi-me a dizer-lhe que havia uma contradição nela. Católica e seriamente católica, acredita num deus católico, que é um deus transcendente, que cria o mundo mas está fora dele , e toda a sua poesia é a exaltação do divino como inerente ao mundo material; o divino é a perfeição da curva da onda, a elegância da haste do trigo. Na natureza e no construído pelo homem, como as colunas de Sunion. Uma das filhas dela ouviu-me dizer isso e não gostou. Mas isto está muito por descobrir e a poesia dela não é valorizada.

 

   Para me ater apenas a Teilhard e Sophia, digo-te, Princesa de mim, que, seis décadas atrás, intuí com o primeiro o que, para me servir das palavras de Zeferino Coelho, a poesia da segunda anuncia enquanto exaltação do divino como inerente ao mundo material. E posso ainda invocar S. Francisco de Assis e o seu Laudato sì, ou, do lado de lá do planeta e da nossa cultura, o François Cheng que, precisamente em Assis, percebeu essa síntese da intimidade do dao e do universo com a transcendência imanente do Deus a quem Jesus chama Pai. Em muitas cartas te falo disso, como da Estranha Ordem das Coisas do António Damásio, ou da fé como substância das coisas que hão de vir... Vejo muito maior contradição entre a visão de um Deus transcendente que, todavia, pode ir intervindo a curar maleitas, arranjar empregos ou ganhar guerras, e a ideia evangélica de que a única parte do Reino que é deste mundo é a presença de Deus no mistério inicial de tudo e na nossa comunhão com o universo, bem como no amor que soubermos partilhar.

 

  Voltando aos grandes poetas da era Tang, e em resposta a perguntas tuas, deixo-te apenas breves notas. A par de Li Bo (ou Li Bai) considera-se Du Fu, seu contemporâneo e amigo, o outro maior. Mas enquanto o primeiro, no dizer de François Cheng, era um apaixonado pela liberdade taoista, o segundo aplicava-se a empenhar a sua conduta conformemente ao ideal confucionista, o que fez dele o grande mestre do lu-shi, ou poesia regrada, complementarmente ao primeiro, que se sentia mais à vontade no gu-ti ou poesia castiça, à moda antiga. Este Li Bo, reza a lenda, gostava da boémia e bebia melhor do que gostava de provar. Talvez por isso tenha, em noite etílica, morrido afogado por ter querido agarrar a lua espelhada nas águas do rio por onde navegava. Sobre a lua e o luar nas artes e letras da China e do Japão talvez um dia te escreva uma carta. Por hoje, deixo-te tão só uma maravilhosa "quadra" de Li Bai, que livremente traduzi: 

 

               Aos pés da cama se deitou o luar,

               como fria geada a cobrir o chão.

               Ergo os olhos e vejo o esplendor da lua.

               Baixo-os e encontro a terra de meus pais.                                                      

 


Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira

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