Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Não é possível falar de identidade portuguesa sem ouvir Alexandre O’Neill, que disse como ninguém o que deve ser dito – num tempo em que se verifica por toda a parte a tentação de maximizar as identidades fechadas. De facto, como vimos depois da Primavera dos Povos (1848), a afirmação das diferenças nacionais teve consequências dramáticas: nacionalismos agressivos, soberanias ilimitadas, conflitos desregulados, tribalismos doentios. Ao falar de Portugal O’Neill põe-nos de sobreaviso relativamente às tentações absolutistas. Eduardo Lourenço disse em «O Labirinto da Saudade» que não somos nem melhores nem piores que outros e que a História tem de ser um revelador de imperfeição e responsabilidade… Pode dizer-se que o poema de «Feira Cabisbaixa» é emblemático – permitindo encarar a História como exigência de não esquecer o lirismo, a tragédia e o carácter pícaro da nossa cultura ancestral. Nascemos dos trovadores, continuámos entre a lírica e a história trágico-marítima, mas nunca esquecemos o escárnio e mal dizer e a ironia de Fernão Mendes ou do Pranto de Maria Parda… Está tudo aqui no nosso Portugal visto por O’Neill…
«Ó Portugal, se fosses só três sílabas, linda vista para o mar, Minho verde, Algarve de cal, jerico rapando o espinhaço da terra, surdo e miudinho, moinho a braços com um vento testarudo, mas embolado e, afinal, amigo, se fosses só o sal, o sol, o sul, o ladino pardal, o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha, a desancada varina, o plumitivo ladrilhado de lindos adjetivos, a muda queixa amendoada duns olhos pestanítidos, se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos, o ferrugento cão asmático das praias, o grilo engaiolado, a grila no lábio, o calendário na parede, o emblema na lapela, ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos, rendeiras de Viana, toureiros da Golegã, não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço, galo que cante a cores na minha prateleira, alvura arrendada para o meu devaneio, bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço. Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, golpe até ao osso, fome sem entretém, perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, rocim engraxado, feira cabisbaixa, meu remorso, meu remorso de todos nós...»
Na crónica anterior, referimos a tradição de teatros e salas de espetáculo de Alcobaça, com a evocação e descrição do velho Theatro Alcobacense, de 1838, do Cine Teatro de Alcobaça, este inaugurado nos anos 40 do século passado.
Uma coincidência fez-nos agora evocar o Auditório do Centro Cultural Gonçalves Sapinho de Benedita – Alcobaça precisamente no contexto da morte do autor do projeto, o arquiteto Raul Hestnes Ferreira (1931-2018).
Autor de uma vastíssima obra ligada à infraestrutura cultural, Raul Hestnes Ferreira era filho do escritor e dramaturgo José Gomes Ferreira e essa circunstância permite uma associação cultural à larga criatividade arquitetónica que ao longo da vida desenvolveu. De assinalar designadamente que José Gomes Ferreira (1900-1985) publicou em 1978 cinco peças em um ato, a que chamou no conjunto “Caprichos Teatrais – Manhã Morta, O Subterrâneo, O Patamar, O Comércio, Os Novos e os Velhos”. E se referimos aqui esta circunstância cultural-familiar, é porque nela se pode reforçar o adequamento da criação arquitetónica do filho, designadamente nos projetos ligados à arte do espetáculo.
Justamente: entre eles, evocamos agora o Centro Cultural Gonçalves Sapinho de Benedita-Alcobaça, Externato Cooperativo com uma vasta abrangência de património e de atividades culturais, e com destaque para a sala de espetáculos.
Trata-se de um auditório com lotação de 370 lugares e com um palco de 15 metros de largura por 7 metros de profundidade, o que é de registar. Pois estes valores marcam um espaço de potencialidade que transcende muitas salas de espetáculo como tal constituídas e utilizadas. E como tal excede nessa dimensionalidade funcional o próprio Cine-Teatro de Alcobaça que aqui referimos no artigo anterior.
Posto isto: Alcobaça é justamente “dominada” pelo esplendor e pelo prestígio monumental, na mais vasta abrangência do termo, que o Mosteiro determina. E no entanto, o conjunto concilia essa obra dominante com uma harmonização que singulariza toda a região e que chega obviamente às localidades que a rodeiam e entre elas a Benedita.
Citamos aqui uma referência de Luís Forjaz Trigueiros a Alcobaça:
“O lirismo natural desta região privilegiada não lhe afeta a sua vitalidade. Alcobaça, todos o sabem, é uma terra de bom gosto, em que a arte e a industria vivem de mãos dadas. A abundância e a cor – eis na verdade dois símbolos desta terra farta e clara, que gosta de oferecer ao viandante a dupla imagem de uma fartura e do seu trabalho: frutas, cerâmica, tecidos e vinhos são forais, títulos de nobreza, para a história da vila, que tão bem sabe ser fiel ao passado, sem descurar o futuro”. (in “Sombra dos Tempos”)
Palavras proféticas, pois, publicadas há mais de 50 anos, “adivinham” a modernidade espetacular do Centro Cultural...
E a terminar: Gonçalves Sapinho foi Presidente da Camara Municipal de Alcobaça. Faleceu em 2011, no desempenho de outras funções: mas é relevante esta homenagem que a cidade lhe prestou, ao atribuir o seu nome ao Centro Cultural.