A FORÇA DO ATO CRIADOR
O Modernismo em Portugal (Parte III)
Os anos 50, prolongam as questões dos anos 40, transforma-nas e completam-nas. Nos anos 60 instaura-se a urgência das novas vanguardas.
No final dos anos 50, Almada dedica-se à abstração geométrica. Pomar abandona o realismo social e envereda por uma pintura de pincelada e gestos cada vez mais livres. Cesariny e Cruzeiro Seixas enveredam pela abstração lírica assim como Fernando Azevedo e Marcelino Vespeira, a partir de 1952. O estado perde a iniciativa cultural-artística que mantivera desde os anos 30: os artistas radicalizam-se, perdidas as pontes alimentadas por António Ferro, que é afastado da direção do SNI.
As exposições Artistas de Hoje (1956), o I Salão de Arte Moderna (1958), ou 50 Artistas Independentes (1959), sempre na SNBA, opõem-se fortemente ao regime e demonstram a viragem de rutura. É a escultura, precisamente, que inicia este processo através da fusão de diferentes contributos: surrealismo, neo-realismo e abstração. Jorge Vieira, sob influência de Henry Moore, estabelece associações abstratas.
Outro campo de renovação é o da fotografia. Por um lado, apresenta um campo de registo real com conteúdo social: Vitor Palla e Gérard Castello-Lopes. Por outro, verifica-se a existência de um recurso a atividade plástica surrealista com Fernando Lemos.
Entretanto, como se disse, Vieira da Silva e Arpad Szenes integraram a segunda Escola de Paris e até então a única relação do meio artístico português com a arte internacional. As obras de ambos cruzavam aspetos expressionistas com pesquisas cubistas do espaço e da luz. Influenciaram, aliás, obras de portugueses como D'Assumpção, Menez, Vespeira e Azevedo. Estes estabelecem a ponte para os anos 60. É necessário sublinhar que Menez Ribeiro da Fonseca trouxe à pintura portuguesa uma dimensão impressionista nova e inesperada, pela sensibilidade luminosa das suas atmosferas envolventes e intimistas.
Nos anos 50, Nikias Skapinakis é o pintor de uma Lisboa vazia e triste em cenário de colorido artificial e de retratos melancólicos e irreais de intelectuais.
Manuel Baptista apareceu no Salão Moderno da SNBA em 1958, com pesquisas formais envolvendo originalmente colagens de elementos materiais de suporte pintados, em variados jogos de cor, da monocromia à mais elaborada transparência tonal, com um grafismo interveniente.
Jorge Martins instalou-se em 1961 em Paris e durante trinta anos aí viveu. A sua pintura inclui variadas pesquisas, geralmente no domínio abstratizante, com invenções de signos de relação científica ou mágica (FRANÇA, José-Augusto).
Dá-se nos últimos anos da década de 50, ainda, uma vaga de emigração artística: Lourdes Castro, René Bertholo, Costa Pinheiro, José Escada. Entre Paris e Munique, estes últimos, criaram o já citado grupo KWY (letras ausentes do alfabeto português: 'Ká Wamos Yindo') que se prolongou, nos anos 60, com uma revista. Era um grupo que queria atingir a liberdade na aplicação do material e no gesto. Lourdes Castro aborda a ausência do objeto, pela marcação dos vazios limitados por contornos objetuais exteriores.
Os anos 60, formaram assim uma nova estratégia artística. Pulverizam-se nomes e tendências, ações e gestos. Abre-se caminho a um novo tipo de iniciativas:
- Individual (através da imigração massiva de artistas para Europa);
- Sócio-profissional (através da conquista, pelos modernos, da SNBA)
- Comercial (através da abertura ou continuidade que galerias de Lisboa); - Institucional privada (através do início das atividades da Fundação Calouste Gulbenkian - FCG).
A imigração até meados de 70, realizou-se como uma revolta estética, uma rutura política e é apoiada pelas bolsas da Gulbenkian. Confirmam-se destinos não parisienses, com contribuições contínuas no processo de investigação plástica. Quase todos os nomes mais significativos da década integram-se no espírito do tempo atual, aceitando influências inglesas, francesas, italianas, espanholas e americanas (como no gestualismo).
Em Londres, desde os anos 50, Paula Rego desempenha um papel prestigiante para a vida artística portuguesa com evidente reconhecimento internacional. A sua obra conjuga memórias infantis e cultura popular portuguesa. Nos anos 60, explícita realidades políticas e delira através de formas organicamente dispostas. Paula Rego, Joaquim Rodrigo, João Cutileiro, significaram, em 1961 (no âmbito da II Exposição de Artes Plásticas da FCG), um momento de abertura para novos horizontes.
Por Inglaterra passaram também Cutileiro, Bartolomeu Cid, Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro, Eduardo Batarda, António Areal, Rolando Sá Nogueira, Mário Cesariny e Menez.
Uma linha de rutura, estabelecida dentro do panorama nacional é protagonizada por António Areal, Álvaro Lapa, Joaquim Bravo. António Areal escolhe o gestualismo como ponto de partida para abraçar o registo figurativo. Álvaro Lapa fascinado por Motherwell realiza uma investigação 'de radicação surrealista, numa prática inocentemente fantasmada, em requintada elegância de desleixo, como se a pintura, em vez de procurada, viesse ter às mãos do pintor, em grafismos automáticos de longínqua origem, como um eco algo doloroso por sua doce e inamovível angústia.' (FRANÇA, José-Augusto) Bravo implanta imagens sintéticas seriadas.
Sendo assim, os anos 60 generalizaram a existência de contribuições individuais cada vez mais diversas, dispersas e complexas e viria a terminar já nos anos 70 pela mudança determinada pela Revolução de Abril.
Ana Ruepp