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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

'O chão do Loureiro' de Carlos Botelho e o esplendor da verdade atenta. 

 

'Pedir a alguém que nunca se distraia, que escape sem repouso aos equívocos da imaginação, à preguiça dos hábitos, à hipnose dos costumes, é pedir-lhe que viva na sua máxima forma. É pedir-lhe alguma coisa muito perto da santidade, num tempo que parece apenas perseguir, com cega fúria e glaciar sucesso, o divórcio total entre a mente humana e a faculdade da atenção que lhe pertence.', Cristina Campo, Gli imperdonabili

 

Cristina Campo acusava a arte contemporânea de fazer predominar a imaginação - 'contaminação caótica de elementos e de planos'. E na pintura 'O Chão de Loureiro' (1937), talvez Carlos Botelho (1899-1982) escolha a atenção contra a imaginação.

 

Carlos Botelho constrói o tempo e o espaço através da observação atenta de uma realidade precisa. E revela por isso e simplesmente a pura beleza do que via através da janela do seu atelier. 

 

Nesse mesmo ano de 1937, Carlos Botelho viu em Paris uma retrospetiva de Van Gogh:

 

'Toda a sua técnica e todo seu espírito me influenciaram enormemente. De Van Gogh, a minha pintura, ficou marcada sobretudo na parte técnica, porque eu nunca poderia herdar de um grande homem, como era o Van Gogh senão uma parte técnica porque um espírito, cada um tem o seu.', Carlos Botelho

 

O espírito da pintura 'O Chão do Loureiro' vem através de uma sensibilidade atenta. A matéria da tinta espessa acentua a presença das velhas paredes e telhados. A ausência da pessoa humana enriquece a força de uma atmosfera matinal, outonal e silenciosa. A distorção de alguns volumes, dimensões e perspetivas revela o humor dos folhetins que Botelho desenhava no Sempre Fixe e Ecos da Semana. A expressividade deste realismo atento, culminou numa série de pinturas ricas em cor, movimento e intensidade, feitas em 1939, em Nova Iorque. 

 

Sendo assim, Carlos Botelho em 'Chão do Loureiro' entende profundamente os ritmos, as hesitações e os volumes das formas e dos espaços urbanos. A cor, essa, é colocada sempre justa, de modo a fazer prevalecer um singular ambiente tonal. É uma pintura de uma devota aceitação. O espírito do pintor aparece, por isso, naquilo que se abre perante um olhar límpido e autêntico. 

 

Ana Ruepp

ANTERO DE QUENTAL, SEMPRE!

 

TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

 

Diário de Agosto * Número 15

 

Hoje citamos Joaquim de Carvalho, um dos espíritos mais brilhantes da cultura portuguesa do século XX sobre a relação de Antero de Quental com Oliveira Martins: «Em vez de uma amizade que se alimentasse da identidade afetiva, da fusão de duas almas, houve entre os dois fraternos amigos o sentimento de que mutuamente se completavam na diversidade e independência dos seus seres. Perdidas as cartas de Oliveira Martins, não é fácil determinar em que é que Antero lhe foi intelectualmente tributário; sabemos apenas que o historiador deveu ao poeta-filósofo indicações bibliográficas e traduções do alemão, aliás publicamente confessadas no Helenismo e a Civilização Cristã, sendo lícito suspeitar que foi Antero quem o conduziu ao germanismo e lhe sugeriu a leitura de Cournot, cuja influência foi capital na sua conceção filosófica da história, designadamente pela teoria do acaso, uma das grandes teses que opôs à ideologia histórica da geração romântica.

 

Na ordem positiva, de sugestão de ideias ou de factos, faltam-nos, pois, elementos seguros; porém, se passarmos para a ordem espiritual, o mútuo tributo surge-nos com alguma claridade. Oliveira Martins admirou em Antero o homem moral e o artista, o espírito subtil e amante das ideias coerentes, e o crítico desapaixonado que lhe discutia as ideias, apontava as omissões ou deficiências e apreciava o estilo. A sua influência foi, pois, moral e intelectual; Martins, pelo contrário, foi para Antero o tipo da ação viril, do pensamento pragmático do homem forte capaz de pensar, de querer e de atuar. Como notou António Sérgio num ensaio famoso sobre Martins, o espírito do historiador trabalhava sobre o concreto. Menos especulativo que Antero, com menos experiência e perspicácia da vida interior, surdo, de certo modo, às antíteses dolorosas que ela desperta, excedia-o grandemente no sentido pragmático, na acuidade da visão prática e na formidável capacidade de trabalho ordenado e metódico. Antero cedo o reconheceu, e com espontânea sinceridade lhe confessava que o seu convívio o chamara “à realidade viva, humanamente natural, que por um insensível mas contínuo desvio, o meu temperamento místico tende sempre a afastar-me, em não havendo influências externas que me chamem à razão — e V. é para mim essa razão, a razão... como direi?, a boa razão numa palavra, positiva, real, justa”».

 

E aproveitemos para ouvir o Poeta micaelense.

 

À VIRGEM SANTÍSSIMA

Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia.

Num sonho todo feito de incerteza, 
De noturna e indizível ansiedade, 
É que eu vi teu olhar de piedade 
E (mais que piedade) de tristeza... 

Não era o vulgar brilho da beleza, 
Nem o ardor banal da mocidade... 
Era outra luz, era outra suavidade, 
Que até nem sei se as há na natureza... 

Um místico sofrer... uma ventura 
Feita só do perdão, só ternura 
E da paz da nossa hora derradeira... 

Ó visão, visão triste e piedosa! 
Fita-me assim calada, assim chorosa.
E deixa-me sonhar a vida inteira!

 

Agostinho de Morais

 

 

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A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
#europeforculture