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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

AS FESTAS DA SENHORA DA AGONIA…

 

TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

 

Diário de Agosto * Número 18

 

As Festas da Senhora da Agonia constituem um exemplo de património cultural imaterial que corresponde ao encontro de diversas influências tradicionais e históricas. Se o acontecimento que hoje presenciamos vem do século XVIII, a verdade é que resulta da convergência de ritos pagãos cristianizados muito antigos. O fundo céltico junta-se às tradições dos suevos, visigodos e galegos . As mordomas, as lavradeiras, as morgadas ou as noivas apresentam indumentárias cuja origem se perde na noite dos tempos. As cores, sobretudo das lavradeiras, são variadas: vermelho, verde, amarelo, azul ou mesmo preto. Trazem na mão palmito ou vela votiva, têm lenço na cabeça e muito ouro ao peito, devendo ser solteiras e sem fama. As mordomas, que se encarregam de reunir fundos para a festa e irmandades, trazem avental, muitas vezes com as armas reais, os mais antigos. Se nos lembrarmos dos testemunhos vivos, percebemos que uma mordoma pode trazer na cabeça um lenço com "mais de cem anos" que terá pertencido a uma trisavó, nas orelhas ostenta uns brincos de ouro da mesma época, ao peito dois grilhões, uma moeda e vários fios em ouro "verdadeiro"…  O traje de noiva é negro e soberbo, de uma grande riqueza, troca o lenço de mordoma (colorido e de seda), por um lenço de fina cambraia (em algodão ou linho) bordado, cruzado à frente. O véu de renda ou tule bordado é levado de pontas caídas sobre o peito. A vela votiva e a palma da Páscoa são trocadas pelo ramo de noiva, normalmente de formato redondo e composto de vivaz e flores de laranjeira. O lenço de namorados é decorado com motivos florais, frases de amor e motivos ornamentais, sempre feitos em ponto cruz, ponto cheio e de pé-de-flor.

 

A imagem de Nossa Senhora da Agonia de Viana entrou na Capela do Bom Jesus em 1751 e foi então que se iniciou a devoção. Os mareantes, pescadores, lavradores, gente do mar e da terra entregaram-se a esse culto – que se refere à Agonia, enquanto luta contra a adversidade. O Agón grego significa exatamente combate, nesse sentido Unamuno escreveu a “Agonia do Cristianismo”.  Em 1783, a Sagrada Congregação dos Ritos permitiu que fosse celebrada na Capela de Nossa Senhora da Agonia uma Missa Solene, todos os anos no dia 20 de agosto, data entretanto adotada como Feriado Municipal de Viana do Castelo. Em 1861 a Festa Solene serviu de base à Romaria, que passou a assumir maior importância, tornando-se tão grandiosa que hoje é o verdadeiro símbolo da região. Torna-se um arraial repleto de cantares, de violas, de danças, um rijo arraial. Em 1862, a Romaria assumiu tamanha popularidade que se calculava que o fogo de artifício era visto por mais de cinquenta mil pessoas. Nove anos mais tarde, passou a haver uma toirada e em 1906 nasceu a Festa do Traje e dois anos depois, em 1908, o cortejo etnográfico.

 

Pedro Homem de Melo (1904-1984), poeta de Viana, de Afife, e sobretudo do dizer em português, escreveu um dos mais belos poemas sobre a identidade aberta e criadora de Viana do Castelo. Tantas vezes o ouvimos a dar corpo e vida a essa ligação generosa à terra…

 

«A minha terra é Viana!
Sou do monte e sou do mar.
Só dou o nome de terra
Onde o da minha chegar!

Ó minha terra vestida
Da cor da folha da rosa!
Ó brancos saios de Perre
Vermelhinhos na Areosa!

Virei costas à Galiza;
Voltei-me antes para o mar…
Santa Marta! Saias negras
Têm vidrilhos de luar!

Dancei a Gota em Carreço,
O Verde Gaio em Afife
Dancei-o devagarinho
Como a lei manda bailar!

Como a lei manda bailar
Dancei em Vile a Tirana
E dancei em todo o Minho
Quem diz Minho, diz Viana…

Virei costas à Galiza;
Voltei-me então para o Sul…
Santa Marta! Trajo Verde…
Deram-lhe o nome de azul…

A minha terra é Viana
São estas ruas estreitas
São os navios que partem
E são as pedras que ficam.
É este sol que me abrasa,
Este amor que não me engana,
Estas sombras que me assustam…
A minha terra é Viana.

Virei costas à Galiza…
Pus-me a remar contra o vento…
Santa Marta! Saias rubras…
Da cor do meu pensamento! 

Como a lei manda bailar
Dancei em Vile a Tirana
E dancei em todo o Minho
Quem diz Minho, diz Viana…».

 

Agostinho de Morais

 

 

 

 

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A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
#europeforculture

 

 

 

 

AUDITÓRIO FERNADO LOPES GRAÇA DE TOMAR

 

Temos aqui referido com destaque a politica de descentralização cultural e de património, na conjugação destas duas componentes que convergem mas não implicam obviamente uma comum dimensão temporal, pois o património histórico em si mesmo comporta um significado cultural, mas a cultura tantas vezes se assume e desenvolve à margem de patrimónios específicos.

 

E isto mais se acentua na ponderação da cultura de espetáculo e dos espaços, modernos ou clássicos que a sua concretização necessariamente envolve.

 

Nesse sentido, demos aqui notícia do Cine-Teatro Paraíso de Tomar, “herdeiro” de um Teatro Nabantino do século XIX, sucessivamente remodelado em 1920 e em 1948, projeto de Francisco Korrodi, municipalizado em 1997 e reaberto em 2002.

 

Hoje referiremos o Auditório Fernando Lopes Graça, também situado em Tomar.

 

E começamos por frisar que o Auditório Fernando Lopes Graça representa, na arquitetura, na evocação e na função, essa convergência modernizante da simbologia e da atividade cultural.

 

Desde logo pelo património histórico-urbano em que se implanta e na conciliação da sua modernidade arquitetónica com a tradição monumental da cidade. Mas também pela evocação de um nome e de uma obra referencial da cultura portuguesa moderna,  o compositor Fernando Lopes Graça (1906-1994), natural de Tomar e figura destacadíssima no meio musical.

 

Trata-se de um edifício de notável qualidade na modernidade do projeto mas também da abrangência das atividades culturais e pedagógicas desenvolvidas. Na origem encontramos um grupo coral criado em 1980 na Sociedade Banda Nabantina que se constitui em 1982 como Associação Cultural autónoma com a designação programática de Canto Firme de Tomar.  Foi reconhecida como Associação Cultural de Utilidade Publica em 1992. Mas vinha de muito antes a sua ação e projeção regional e nacional no plano das artes do espetáculo e da respetiva docência e formação.

 

Recordemos então os antecedentes culturais da cidade.

 

Como vimos em crónica anterior, mas é oportuno novamente referir, existe desde os anos 60 do seculo XIX uma tradição de edifícios teatrais em Tomar. Por essa época foi efetivamente inaugurado o Teatro Nabantino com 30 camarotes de 1ª e 2ª ordem, 12 frisas e 126 lugares de plateia. Trata-se então de uma assinalável iniciativa local, que se foi prolongado ao longo do século passado e que agora se reforça no notável edifício do Auditório Fernando Lopes Graça.

 

E efetivamente, este Auditório Fernando Lopes Graça – Canto Firme , assim conhecido,  constitui um conjunto de valências de cultura e de espetáculo, desde logo a partir da sala principal com lotação de 250 lugares e com palco devidamente dimensionado e equipado.

 

Mas não só: o edifício comportou ainda uma Escola de Música e áreas de atividades diversas de complementação de cultura e convívio especialmente vocacionadas para formação didática e de juventude.

 

E com destaque para a produção de espetáculos teatrais.

 

DUARTE IVO CRUZ