AS FESTAS DA SENHORA DA AGONIA…
TU CÁ TU LÁ
COM O PATRIMÓNIO
Diário de Agosto * Número 18
As Festas da Senhora da Agonia constituem um exemplo de património cultural imaterial que corresponde ao encontro de diversas influências tradicionais e históricas. Se o acontecimento que hoje presenciamos vem do século XVIII, a verdade é que resulta da convergência de ritos pagãos cristianizados muito antigos. O fundo céltico junta-se às tradições dos suevos, visigodos e galegos . As mordomas, as lavradeiras, as morgadas ou as noivas apresentam indumentárias cuja origem se perde na noite dos tempos. As cores, sobretudo das lavradeiras, são variadas: vermelho, verde, amarelo, azul ou mesmo preto. Trazem na mão palmito ou vela votiva, têm lenço na cabeça e muito ouro ao peito, devendo ser solteiras e sem fama. As mordomas, que se encarregam de reunir fundos para a festa e irmandades, trazem avental, muitas vezes com as armas reais, os mais antigos. Se nos lembrarmos dos testemunhos vivos, percebemos que uma mordoma pode trazer na cabeça um lenço com "mais de cem anos" que terá pertencido a uma trisavó, nas orelhas ostenta uns brincos de ouro da mesma época, ao peito dois grilhões, uma moeda e vários fios em ouro "verdadeiro"… O traje de noiva é negro e soberbo, de uma grande riqueza, troca o lenço de mordoma (colorido e de seda), por um lenço de fina cambraia (em algodão ou linho) bordado, cruzado à frente. O véu de renda ou tule bordado é levado de pontas caídas sobre o peito. A vela votiva e a palma da Páscoa são trocadas pelo ramo de noiva, normalmente de formato redondo e composto de vivaz e flores de laranjeira. O lenço de namorados é decorado com motivos florais, frases de amor e motivos ornamentais, sempre feitos em ponto cruz, ponto cheio e de pé-de-flor.
A imagem de Nossa Senhora da Agonia de Viana entrou na Capela do Bom Jesus em 1751 e foi então que se iniciou a devoção. Os mareantes, pescadores, lavradores, gente do mar e da terra entregaram-se a esse culto – que se refere à Agonia, enquanto luta contra a adversidade. O Agón grego significa exatamente combate, nesse sentido Unamuno escreveu a “Agonia do Cristianismo”. Em 1783, a Sagrada Congregação dos Ritos permitiu que fosse celebrada na Capela de Nossa Senhora da Agonia uma Missa Solene, todos os anos no dia 20 de agosto, data entretanto adotada como Feriado Municipal de Viana do Castelo. Em 1861 a Festa Solene serviu de base à Romaria, que passou a assumir maior importância, tornando-se tão grandiosa que hoje é o verdadeiro símbolo da região. Torna-se um arraial repleto de cantares, de violas, de danças, um rijo arraial. Em 1862, a Romaria assumiu tamanha popularidade que se calculava que o fogo de artifício era visto por mais de cinquenta mil pessoas. Nove anos mais tarde, passou a haver uma toirada e em 1906 nasceu a Festa do Traje e dois anos depois, em 1908, o cortejo etnográfico.
Pedro Homem de Melo (1904-1984), poeta de Viana, de Afife, e sobretudo do dizer em português, escreveu um dos mais belos poemas sobre a identidade aberta e criadora de Viana do Castelo. Tantas vezes o ouvimos a dar corpo e vida a essa ligação generosa à terra…
«A minha terra é Viana!
Sou do monte e sou do mar.
Só dou o nome de terra
Onde o da minha chegar!
Ó minha terra vestida
Da cor da folha da rosa!
Ó brancos saios de Perre
Vermelhinhos na Areosa!
Virei costas à Galiza;
Voltei-me antes para o mar…
Santa Marta! Saias negras
Têm vidrilhos de luar!
Dancei a Gota em Carreço,
O Verde Gaio em Afife
Dancei-o devagarinho
Como a lei manda bailar!
Como a lei manda bailar
Dancei em Vile a Tirana
E dancei em todo o Minho
Quem diz Minho, diz Viana…
Virei costas à Galiza;
Voltei-me então para o Sul…
Santa Marta! Trajo Verde…
Deram-lhe o nome de azul…
A minha terra é Viana
São estas ruas estreitas
São os navios que partem
E são as pedras que ficam.
É este sol que me abrasa,
Este amor que não me engana,
Estas sombras que me assustam…
A minha terra é Viana.
Virei costas à Galiza…
Pus-me a remar contra o vento…
Santa Marta! Saias rubras…
Da cor do meu pensamento!
Como a lei manda bailar
Dancei em Vile a Tirana
E dancei em todo o Minho
Quem diz Minho, diz Viana…».
Agostinho de Morais
A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
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