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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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MADRINHA DE PORTUGAL!

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TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

Diário de Agosto * Número 30

 

Um dos poemas mais intensos da “Mensagem” de Fernando Pessoa é, sem dúvida, o que se refere a Filipa de Lencastre. Madrinha de Portugal! – eis como o poeta qualifica quem foi por certo a mais célebre das nossas Rainhas.

 

Mãe da Ínclita Geração e dos Altos Infantes, na expressão de Camões, foi de uma influência crucial, como educadora, como fator de estabilidade e de bom governo. Seus filhos marcaram decisivamente a Pátria.

 

D. Duarte, o Leal Conselheiro, é o primeiro dos nossos pensadores – que, no entanto, soube distinguir a sua qualidade de filósofo e governante. D. Pedro compreendeu que Portugal precisava de ir para as Sete Partidas – afirmando-se na Europa, criando boas instituições e partindo para o Mar. Se terminou tragicamente em Alfarrobeira, seus netos, o Príncipe Perfeito e Santa Joana Princesa projetaram a sua influência positiva na história portuguesa.

 

D. Henrique lançou o plano do Achamento do Mundo (em coerência e não contradição com D. Pedro), Gomes Eanes de Azurara explica bem a coerência de uma cuidada preparação contra a ideia de improviso. D. Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, mulher de Filipe o Bom, mãe de Carlos o Temerário, foi uma das mulheres de maior influência na história do seu tempo. D. Fernando, o mártir de Tânger, foi símbolo do sacrifício em nome de uma causa. Em todos há a marca indelével de Filipa de Lencastre, da inteligência, da sabedoria e da determinação. Morreu quando seus filhos partiam para Ceuta – mas a sua referência ficou bem evidenciada, no que fez e no que legou.

 

Nos dias de hoje, não podemos esquecer que D. Filipa simboliza originalmente a mais antiga aliança entre duas Nações – Portugal e o Reino Unido. Em tempos de incerteza e do terrível “brexit”, temos de lembrar que na Europa há uma ligação perene que não se deve perder e que tem vocação atlântica. Resistimos juntos nas Guerras Peninsulares, foi a mudança política britânica que permitiu a vitória liberal em 1834, os Açores foram essenciais na vitória dos Aliados, entrámos na EFTA / AECL com o Reino Unido, seguimo-lo nas Comunidades Europeias – razões suficientes para vermos os últimos acontecimentos com preocupação. Houve sombras, é certo, mas o balanço global é o de que a frente atlântica europeia precisa de Portugal e do Reino Unido solidários… D. Filipa de Lencastre, madrinha de Portugal! Temos isso bem presente. Meu avô anglófilo dos quatro costados insistia sempre nesse ponto.  

 

«Que enigma havia em teu seio

Que só génios concebia?

Que arcanjo teus sonhos veio

Velar, maternos, um dia?

Volve a nós teu rosto sério,

Princesa do Santo Gral,

Humano ventre do Império,

Madrinha de Portugal!»

 

 

   Agostinho de Morais

 

 

 

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A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
#europeforculture

 

 

 

 

 

 

MATSUO BASHÔ

 

O pai de Matsuo Bashô era um samurai de pobres recursos numa altura em que o Japão era dominado pelos shoguns Tokugawa. Em 1672 começa Matsuo Bashô a impor-se como poeta em Edo (Tóquio). Os seus haiku têm uma dimensão rara de qualidade até aos dias de hoje.

 

Homem profundamente solitário aceita a construção de uma cabana que um discípulo ergue para ele e no primeiro inverno oferecem-lhe uma bananeira decorativa (Bashô, em japonês).

 

Depois de um incêndio que lhe destrói a cabana, ele parte errante para um mundo que percorre como viajante

 

«Estou só e escrevo para minha alegria»

 

Por vezes fazia-se acompanhar de um cuco, por uma borboleta, ou mesmo por um discípulo.

 

Vem Bashô a falecer em 1694 e sobre a sua sepultura, os seus discípulos plantaram uma bananeira.

 

Ainda hoje se menciona que o haiku é o resultado de uma lenta depuração que a poesia japonesa aceita ao longo dos tempos. Mas foi sobretudo Bashô que a construiu no seu estatuto mais cristalino.

 

Li que cada haiku deve ter um tom dominante, no qual se devem reunir a frugalidade, o isolamento e o mistério. O haiku deve surgir como um momento único na eternidade

 

Para o entendimento de um poema assim, devemos nós, os ocidentais despirmo-nos de transfigurações no sobrevém das horas da escrita e da leitura e absorver um haiku qual brisa ligeira que sacudiu as asas de uma libelinha.

 

Jorge Sousa Braga na organização da antologia de Bashô a que me refiro “O Gosto Solitário do orvalho” (chancela da Assírio e Alvim) segue o critério das antologias de haikus (no Japão e no Ocidente): o ciclo das estações, e refere

 

O texto sobre a bananeira decorativa transcrevi-o (…) como se Bashô se tivesse resolvido despir perante os seus leitores. Porque um poeta – e um poeta tão próximo da natureza como este – serve-se sempre nu.

 

E eis Matsuo Bashô

 

Primavera
Debaixo de uma cerejeira

tudo é servido
decorado com flores

 

Flores de cerejeira no céu escuro
E entre elas a melancolia
quase a florir

 

Verão
Silêncio:

as cigarras escutam
o canto das rochas

 

Sensação de vazio
Ao despedir-me colhi
uma espiga de trigo

 

Outono
No outono nos separamos

como as duas conchas
de uma ostra

 

Outono –
Empoleirado num ramo seco
um corvo

 

Inverno
Através da racha na lareira

o gato
vai ter com a amada

 

Deixem-me caminhar
até que tropece e desapareça
na neve

 

Também assim nesta estética de palavras, este homem antiquíssimo comanda um útero para melhor vigiar o mundo e o influir. Porque o verdadeiro poder se exerce na discrição e comunica-se sussurrando mensagens de uns para os outros. A vontade do dizer de Matsuo Bashô recebe e envia sinais com força de mandato e nós só o entendemos se desligados para sempre. E tendo os homens como gente atenta, anfóricos, cor de malva convocados, ao tempo das asas desenvoltas, e entendidos do porquê.

 

Cada ser, julgamos, está para além das somas e transborda do que lhe é conferido. É desse excesso que temos que nos despir para receber a cabana, a bananeira, a eterna viagem que para ser eterna não se consente em estados intermédios.

 

Teresa Bracinha Vieira