Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um dos poemas mais intensos da “Mensagem” de Fernando Pessoa é, sem dúvida, o que se refere a Filipa de Lencastre. Madrinha de Portugal! – eis como o poeta qualifica quem foi por certo a mais célebre das nossas Rainhas.
Mãe da Ínclita Geração e dos Altos Infantes, na expressão de Camões, foi de uma influência crucial, como educadora, como fator de estabilidade e de bom governo. Seus filhos marcaram decisivamente a Pátria.
D. Duarte, o Leal Conselheiro, é o primeiro dos nossos pensadores – que, no entanto, soube distinguir a sua qualidade de filósofo e governante. D. Pedro compreendeu que Portugal precisava de ir para as Sete Partidas – afirmando-se na Europa, criando boas instituições e partindo para o Mar. Se terminou tragicamente em Alfarrobeira, seus netos, o Príncipe Perfeito e Santa Joana Princesa projetaram a sua influência positiva na história portuguesa.
D. Henrique lançou o plano do Achamento do Mundo (em coerência e não contradição com D. Pedro), Gomes Eanes de Azurara explica bem a coerência de uma cuidada preparação contra a ideia de improviso. D. Isabel de Portugal, Duquesa de Borgonha, mulher de Filipe o Bom, mãe de Carlos o Temerário, foi uma das mulheres de maior influência na história do seu tempo. D. Fernando, o mártir de Tânger, foi símbolo do sacrifício em nome de uma causa. Em todos há a marca indelével de Filipa de Lencastre, da inteligência, da sabedoria e da determinação. Morreu quando seus filhos partiam para Ceuta – mas a sua referência ficou bem evidenciada, no que fez e no que legou.
Nos dias de hoje, não podemos esquecer que D. Filipa simboliza originalmente a mais antiga aliança entre duas Nações – Portugal e o Reino Unido. Em tempos de incerteza e do terrível “brexit”, temos de lembrar que na Europa há uma ligação perene que não se deve perder e que tem vocação atlântica. Resistimos juntos nas Guerras Peninsulares, foi a mudança política britânica que permitiu a vitória liberal em 1834, os Açores foram essenciais na vitória dos Aliados, entrámos na EFTA / AECL com o Reino Unido, seguimo-lo nas Comunidades Europeias – razões suficientes para vermos os últimos acontecimentos com preocupação. Houve sombras, é certo, mas o balanço global é o de que a frente atlântica europeia precisa de Portugal e do Reino Unido solidários… D. Filipa de Lencastre, madrinha de Portugal! Temos isso bem presente. Meu avô anglófilo dos quatro costados insistia sempre nesse ponto.
O pai de Matsuo Bashô era um samurai de pobres recursos numa altura em que o Japão era dominado pelos shoguns Tokugawa. Em 1672 começa Matsuo Bashô a impor-se como poeta em Edo (Tóquio). Os seus haiku têm uma dimensão rara de qualidade até aos dias de hoje.
Homem profundamente solitário aceita a construção de uma cabana que um discípulo ergue para ele e no primeiro inverno oferecem-lhe uma bananeira decorativa (Bashô, em japonês).
Depois de um incêndio que lhe destrói a cabana, ele parte errante para um mundo que percorre como viajante
«Estou só e escrevo para minha alegria»
Por vezes fazia-se acompanhar de um cuco, por uma borboleta, ou mesmo por um discípulo.
Vem Bashô a falecer em 1694 e sobre a sua sepultura, os seus discípulos plantaram uma bananeira.
Ainda hoje se menciona que o haiku é o resultado de uma lenta depuração que a poesia japonesa aceita ao longo dos tempos. Mas foi sobretudo Bashô que a construiu no seu estatuto mais cristalino.
Li que cada haiku deve ter um tom dominante, no qual se devem reunir a frugalidade, o isolamento e o mistério. O haiku deve surgir como um momento único na eternidade
Para o entendimento de um poema assim, devemos nós, os ocidentais despirmo-nos de transfigurações no sobrevém das horas da escrita e da leitura e absorver um haiku qual brisa ligeira que sacudiu as asas de uma libelinha.
Jorge Sousa Braga na organização da antologia de Bashô a que me refiro “O Gosto Solitário do orvalho” (chancela da Assírio e Alvim) segue o critério das antologias de haikus (no Japão e no Ocidente): o ciclo das estações, e refere
O texto sobre a bananeira decorativa transcrevi-o (…) como se Bashô se tivesse resolvido despir perante os seus leitores. Porque um poeta – e um poeta tão próximo da natureza como este – serve-se sempre nu.
E eis Matsuo Bashô
Primavera Debaixo de uma cerejeira tudo é servido decorado com flores
Flores de cerejeira no céu escuro E entre elas a melancolia quase a florir
Verão Silêncio: as cigarras escutam o canto das rochas
Sensação de vazio Ao despedir-me colhi uma espiga de trigo
Outono No outono nos separamos como as duas conchas de uma ostra
Outono – Empoleirado num ramo seco um corvo
Inverno Através da racha na lareira o gato vai ter com a amada
Deixem-me caminhar até que tropece e desapareça na neve
Também assim nesta estética de palavras, este homem antiquíssimo comanda um útero para melhor vigiar o mundo e o influir. Porque o verdadeiro poder se exerce na discrição e comunica-se sussurrando mensagens de uns para os outros. A vontade do dizer de Matsuo Bashô recebe e envia sinais com força de mandato e nós só o entendemos se desligados para sempre. E tendo os homens como gente atenta, anfóricos, cor de malva convocados, ao tempo das asas desenvoltas, e entendidos do porquê.
Cada ser, julgamos, está para além das somas e transborda do que lhe é conferido. É desse excesso que temos que nos despir para receber a cabana, a bananeira, a eterna viagem que para ser eterna não se consente em estados intermédios.