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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

RESPOSTA AOS CURIOSOS…

 

TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

 

Nova série. 25.9.2018

 

Já falei dos meus passeios entre Vila Nogueira e Aldeia de Irmãos, já vos lembrei um poeta árabe do século 11 que viveu em terra de saloios, e devo recordar a série de 32 postais sobre diversas formas de encarar o património cultural. Recebo, porém, no meio do correio, três cartas intrigantes. Os meus leitores A. Silva (será António, Arnaldo, Asdrúbal?), J. Eustáquio (será José, João) e a Mariana B. Lopes perguntam-me quem sou. Julgo que é o que menos importa, mas não me escondo. Dir-vos-ei sumariamente a minha identidade… O meu nome, já o sabem, é Agostinho de Morais. Meus pais foram económicos. Sou afilhado de Frei Agostinho da Cruz graças a uma licença especial e de uma tia Maria Olímpia, de antigos pergaminhos. Sou um vetusto interessado por muitas coisas. Fiz jornalismo económico no velho “Jornal do Comércio”, como comentador da conjuntura, com base nas publicações mensais da Estatística. Todos os meses, tinha à minha porta um paquete do jornal, para que eu pudesse debruçar-me sobre fastidiosos quadros que tinha de comparar com os meses anteriores e os anos transatos, cabendo-me escolher ainda um número em cada publicação, para que se compreendesse um pouco o que mudava e o que ficava na realidade económica. Previ muitos disparates, mas enganei-me às vezes (quem não se engana? Talvez os tontos?). As várias bolhas que foram surgindo eram detetáveis (do imobiliário à informática) – e não esqueço aquelas duas caricaturas de um grande jornal de Wall Street – em 1929, viam-se vários capitalistas, gordos e de charuto a atirarem-se das janelas dos arranha-céus de Nova Iorque; enquanto em 2008, os tais capitalistas de charuto estavam à janela, impávidos, a ver os pobres corretores e empregados a saltarem para a morte, agarrados aos seus parcos haveres, como os do Lehman Brothers, depois de terem sonhado enriquecer rapidamente… O certo é que há muito esqueci esse tempo em que usava mangas de alpaca, literalmente. E não foi há tanto tempo assim. Agora dedico-me ao meu jardim, às minhas rosas, que têm segredos inconfessáveis, que tenho estudado aturadamente. Há mesmo uma rosa-chá que leva o nome Morais e está devidamente registada. O cultivar o jardim é o ponto em que concordo com o “Cândide”, já que detesto a imagem do Dr. Pangloss, que as más línguas dizem ser o Leibniz… Não pode ser. Todos os dias leio um pouco de Leibniz, e em cada dia mais me convenço de que foi um dos maiores génios da humanidade de sempre… Adoro matemática, e tantas vezes dedico-me a fazer a análise matemática dos poemas de Camões – de facto, todos os grandes poetas e músicos têm a matemática dentro de si… A biblioteca é o meu refúgio favorito. Que mais vos posso dizer? Jogo xadrez com os amigos, mediocremente, porque sou distraído quando quero. Sou arqueólogo nas horas vagas – procurando afanosamente a chave da nossa misteriosa escrita do Sudoeste. Por isso tenho estudado a escrita fenícia. E tenho esperança de que avancemos proximamente para a descoberta da chave. Não sou solitário nem misantropo. Tenho uma família razoável e gosto da animação. Eis quem sou, não há muito mais a dizer. O relógio marca os meus passos. Sou um maníaco dos horários e fico desesperado quando há atrasos injustificados! O relógio que trago comigo é um Longines histórico de várias gerações que se mantém fiel à certeza e ao rigor. Parece mesmo ter havido um antepassado meu que teve como função manter os relógios certos no Paço Real… Sinto na minha ancestralidade algo que anima meus passos.

 

E, como habitualmente, cito um poema.

Desta feita da autoria de Pedro Tamen.

“A Luz vem das Pedras” de 1975:

 

«A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra, 
tu a colhes, mulher, a distribuis 
tão generosa e à janela do mundo. 
O sal do mar percorre a tua língua; 
não são de mais em ti as coisas mais. 
Melhor que tudo, o voo dos insetos, 
o ritmo noturno do girar dos bichos, 
a chave do momento em que começa o canto 
da ave ou da cigarra 
— a mão que tal comanda no mesmo gesto fere 
a corda do que em ti faz acordar 
os olhos densos de cada dia um só. 
Quem está salvando nesta respiração 
boca a boca real com o universo?» (Agora, Estar).

 

Agostinho de Morais

 

 

AEPC.jpg   A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
   Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
   #europeforculture