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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Casa em Boliqueime, de Ricardo Bak Gordon.


A casa em Boliqueime (2002), de Ricardo Bak Gordon (1967) faz lembrar ‘o jogo sábio, correcto e magnífico dos volumes sob a luz’, que Le Corbusier mencionava em ‘Vers une Architecture’. É uma casa branca que só precisa de sol para ser vivida por dentro. E traz o espanto inesperado que toda a arquitectura deveria ter.

 

A casa em Boliqueime torna poética a experiência daquele lugar - porque preenche falhas, radicaliza, revela, acrescenta e sobretudo introduz um novo modo de olhar e uma nova relação do ser humano com o mundo.

 

‘O sol de lado, banhando

uma casa sem pontes, tempo

sem luz, ou casa

como tenda’, Ana Luísa Amaral


Para Bak Gordon, a apropriação de um lugar, a ordem das formas, a ligação dos volumes à terra e a organização programática acontece sempre através do desenho. O desenho é expressão, é gesto, é processo físico mas sobretudo investigação.

A casa em Boliqueime ergue-se intemporal e sensível à paisagem que a envolve. É uma unidade fechada e contrastante com a natureza. É uma elementaridade esquemática que pertence a qualquer tempo mas somente àquele lugar. Consegue cruzar a herança da arquitectura vernácula e a herança da arquitectura das vanguardas históricas. Consegue transformar e ampliar artificialmente o significado concreto daquele lugar.

 

Esta casa afirma uma essencialidade unitária, uma dureza táctil e uma limpidez matérica. As formas primárias leêm-se claramente, mas escondem que a piscina é também um volume. É uma casa abstracta (que através de uma síntese chega ao essencial), passível de ser ocupada e e de ser capaz de ampliar a experiência de uma vida.

 

‘O sol de lado

e em frente: um verde

de verão, tão verde de

verão

a amanhecer: eu sem

saber’, Ana Luísa Amaral 

 

Ana Ruepp

UM PLANO MARSHALL PARA ÁFRICA

 

1. Desde a década de oitenta do século passado que me tenho manifestado favorável a uma espécie de Plano Marshall para África. A última vez que me pronunciei foi no passado dia 13 de Agosto, na RTP 3, em conversa com a jornalista Sandra de Sousa, a partir de declarações do cardeal António Marto, a propósito das migrações.

 

Fica aí textualmente o que disse nessa conversa, no contexto da leitura dos jornais do dia.

 

Sim, nós estamos perante uma questão dramática, que, no meu entender, será cada vez mais dramática. Estamos a tratar das migrações, dos refugiados. E eu quereria chamar a atenção para dois ou três pontos.

 

Em primeiro lugar, é evidente que a Terra é de todos, o mundo é de todos e, por isso mesmo, há o direito de visita, de hospitalidade, de que já Kant falava. Mas a Europa, neste momento, está com este problema, que é um dos maiores problemas, o das migrações. Sobre isso gostava de chamar a atenção para os direitos humanos, e a defesa dos direitos humanos é qualquer coisa que está profundamente ligada à Europa - a Europa sempre se distinguiu por receber. Mas gostava de chamar também à colação que esta é uma questão da Europa enquanto União Europeia.

 

Em segundo lugar, julgo que é preciso entender que não podemos, para resolver um problema, criar problemas maiores, por exemplo, criar xenofobia, uma direita cada vez mais agressiva... Depois, é necessário também combater os traficantes ­ - é fundamental perceber isso. O próprio Papa Francisco tem dito que o Mediterrâneo não pode ser um cemitério. Estamos completamente de acordo. Mas, ultimamente, chamou a atenção para a prudência. Chamou a atenção para qualquer coisa que me parece fundamental.

 

Há a pequena política e a grande política. Se houver a grande política, vai-se perceber que, como a seguir à Segunda Guerra Mundial, houve o famoso Plano Marshall, que desenvolveu a Europa, que estava completamente destruída, e isso foi bom para a Europa e também para os Estados Unidos, algo parecido pode ser bom para África e para a Europa. Eu penso que é necessário, concretamente em relação a África, um Plano Marshall, isto é, desenvolver África lá. Lá. Com regras, evidentemente, pois sabemos que há governantes africanos que também não têm regras e apoderam-se dos dinheiros que chegam. Então, um Plano Marshall para África, para fixar as populações lá. Os africanos têm direito a viver bem e a desenvolver-se lá. Isso seria bom para África e isso seria bom para a Europa.

 

Sandra de Sousa observou: porque é que a Europa se tem regido pela pequena política? Porque tem pequenos líderes, não tem grandes estadistas?

 

Respondi: porque não há uma real união europeia. Eu penso que a Europa, sem união, sem estruturas minimamente federativas, com o tempo, torna-se insignificante no mundo. Veja: a Alemanha é um país grande, mas dentro da Europa; no quadro de um mundo cada vez mais globalizado, a própria Alemanha é pequena. Portanto, nós precisamos da grande política, no sentido de estadistas que criem uma União Europeia forte. Porque não é apenas a Europa, é o mundo que precisa da Europa. Porque os direitos humanos onde é que apareceram em primeiro lugar? Foi aqui, na Europa. Onde é que há segurança social? É na Europa.

 

Para que a Europa possa responder a esta questão gigantesca - o problema das migrações e dos refugiados é um problema gigantesco -, precisa de estadistas. Hoje, os africanos podem viver em condições difíceis e em lugares recônditos, mas em qualquer sítio há possibilidade de aceder através da internet à situação da Europa, e a Europa aparece como um paraíso e, portanto, vão querer vir. Depois, com a desertificação de África, vão aparecer milhões de africanos às portas da Europa, concretamente da Europa do Sul. Então, é necessária a grande política, e por isso é que eu, há muito tempo, sou defensor de um Plano Marshall para África. Para que se desenvolvam lá.

 

Sandra de Sousa: não se resolve com muros, com portas...

 

Respondi: não é possível, não é possível face a milhões de africanos que vão chegar...

 

2. Fiquei, pois, muito satisfeito, ao saber que a França e o Benelux, numa reunião recente no Luxemburgo, que juntou Emmanuel Macron e os primeiros-ministros luxemburguês, holandês e belga, querem que a Europa concretize esta ideia. "A União Europeia deve implementar uma versão do Plano Marshall em África, com uma ambição operacional concreta com os parceiros africanos", afirmou o belga Charles Michel.

 

3. Neste contexto, penso também que o clero africano tem um contributo fundamental a dar, desde que assuma as suas responsabilidades, ultrapassando as razões que sustentam críticas de missionários e de bispos. "O sacerdócio não pode ser um trampolim para sair de África porque é pobre", disse à Agência Fides o padre Donald Zagore, da Sociedade de Missões Africanas, citando Marcelin Yao Kouadio, bispo da diocese de Daloa. "As razões recorrentes (da emigração de pessoal eclesiástico) continuam a ser a procura de bens materiais e de prestígio." Além disso, "muitos africanos pensam que são superiores ao resto, particularmente nos círculos eclesiásticos, porque vivem, trabalham ou estudam na Europa. É dramático pensar que a essência de África chegue à sua realização quando goza do prestígio europeu". Em Maio de 2018, Ignace Bessi Dogbo, presidente da Conferência Episcopal da Costa do Marfim, também denunciou o fenómeno dos "sacerdotes errantes": sacerdotes que se negam a voltar a África depois de estudos ou de uma missão na Europa.

 

Seria lamentável que o clero africano, concretamente o mais bem preparado com especializações no estrangeiro, fugisse às suas responsabilidades e não desse o seu contributo imprescindível à promoção e ao desenvolvimento do seu continente e dos seus países.

 

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN | 15 SET 2018