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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

De 8 a 14 de outubro de 2018.

 


«Loulé – 630 Anos de Poder Local»
(edição da Câmara Municipal de Loulé, 2014) constitui um repositório valioso, envolvendo uma exposição e os textos apresentados a esse propósito – onde se documenta um acervo precioso onde avultam as Atas de Vereação mais antigas do País.

 


UMA HISTÓRIA PLENA

Esse conjunto de elementos e reflexões de prestigiados autores (como Joaquim Romero Magalhães, Maria Helena Cruz Coelho, Maria de Fátima Botão, Eduardo Vera-Cruz Pinto e António Ramos Preto) serve de base às notas que apresentamos, no momento em que teve lugar um frutuoso périplo nos municípios de Faro e Loulé. No âmbito do ciclo “Viagem na Minha Terra”, a escolha incidiu sobre dois municípios fundamentais para a compreensão do Algarve. O périplo iniciou-se em Faro, “Vila Adentro”, em ameno convívio ao almoço, para recordarmos as origens da cidade e as suas vicissitudes - as origens fenícias, a criação e a afirmação de Ossónoba, as intensas trocas comerciais e culturais, a ocupação romana, a presença dos visigodos e de Bizâncio, bem evidente nas muralhas, recentemente consolidadas, a cultura árabe, numa cidade que se designaria como Santa Maria do Ocidente e depois como Santa Maria de Harum. Esta referência à família árabe de Beni Harum é que dará origem à designação moderna de Faro. Damião de Góis foi dos primeiros em falar de Faro, como hoje dizemos. A reconquista cristã foi controversa, até que o rei de Castela, no Tratado de Badajoz (1267), reconheceu a legitimidade do nosso D. Afonso III. O seu sogro Afonso X considerava-se como protetor da taifa de Niebla, onde o Al Gharb do Al-Andalus se integrou, mas o rei Sábio viria a ceder, considerando ser D. Dinis, futuro rei de Portugal, seu neto e de seu sangue. Uma curiosidade: diz a tradição que aqui nasceu D. Brites de Almeida, a célebre padeira de Aljubarrota…

 

O PRIMEIRO LIVRO IMPRESSO
A comunidade judaica de Faro foi ativa e interveniente, tendo sido aqui impresso e publicado em hebraico o primeiro livro português com caracteres móveis de Gutemberg – o “Pentateuco” (1487). Faro foi elevada a cidade em 1540 e em 1577 D. Sebastião tornou-a sede episcopal, com o primeiro Bispo D. Afonso Castelo Branco (1577). Cidade do litoral, num oceano infestado de piratas e corsários, Faro foi saqueada pelos ingleses em 1596, já no reinado de Filipe I, tendo o precioso arquivo da Sé sido roubado ou destruído e levado para a Universidade de Oxford, onde se encontra na Biblioteca Bodleiana. Avulta nele a documentação riquíssima de D. Jerónimo Osório, Bispo de Silves, intelectual marcante do século XVI. Num breve périplo dentro das muralhas, na cidade antiga, pudemos lembrar os dois terramotos que destruíram a cidade em 1722 e 1755 e a figura marcante, cuja estátua se encontra diante da Catedral, do Bispo D. Francisco Gomes Avelar, falecido em 1816, que assumiu a tarefa de reedificar a cidade destruída. A ele se deve a construção do Arco da Vila, do Hospital da Misericórdia e o acabamento do Seminário. Em frente da Torre da Sé recordamos uma das poucas edificações que resistiu aos diversos terramotos. A Catedral é um monumento da Renascença quinhentista com três naves de quatro tramos divididas por colunas dóricas e tetos de madeira, alberga o célebre relicário de talha do século XVIII, com o santo lenho, graças ao empenho do Bispo D. António Pereira da Silva. E não esquecemos a alusão ao órgão barroco do Coro Alto, com chinoiseries, do reinado de D. João V. O que foi a Judiaria deu lugar ao Convento de Nossa Senhora da Assunção, fundado pela rainha D. Leonor… A cidade desenvolveu-se como capital do Algarve, que perdeu a designação de Reino em 1910, mas nunca teve órgãos soberanos. Em nome da memória, não esquecemos Cândido Guerreiro, António Ramos Rosa, Gastão Cruz, a “Poesia 61”, Teresa Rita Lopes, e lembramos passagens marcantes na obra de Manuel Teixeira Gomes, em especial em “Gente Singular”. O estranho calor de uma tarde do feriado de Outubro não nos deixa parar durante muito tempo em cada um dos lugares nesta capital, que sucedeu a Silves, quando o rio Arade deixou de ser navegável e o eixo de gravidade algarvio passou para Sotavento. Damos um salto até Milreu, para recordarmos a presença romana, lembrando a extraordinária riqueza cultural da região, onde Estácio da Veiga deu, no século XIX um impulso decisivo para o desenvolvimento da Arqueologia, abrindo pistas, ainda por explorar plenamente.

 

INFLUÊNCIAS MÚLTIPLAS
Na encruzilhada de influências, desde o mar do Norte até ao Mediterrâneo, facilmente percebemos o património cultural como realidade viva. O turismo cultural tem, de facto, no Algarve potencialidades que não podem ser esquecidas. E que nos revelam as ruínas de Milreu? O exemplo de uma villa romana rustica ligada à intensa atividade económica do Algarve – desde as pescas à agricultura – que culmina num edifício de luxo que ainda hoje nos surpreende: entrada com peristilo, termas, pátio central, jardim, tanque, triclinium com abside, lagares de azeite e vinho, casa rural, edifício religioso… A visita ao centro arqueológico, com a Drª Alexandra Gonçalves, Diretora Regional da Cultura, foi ilustrativa do progresso económico alcançado, das riquezas adquiridas e do esmero artístico alcançado. Por isso, fizemos questão de ler o poema de Jorge de Sena alusivo à cabecinha romana encontrada em Milreu, que se encontra no Museu Nacional de Arqueologia. E, ao fim do dia, no Hotel EVA de Faro, quando nos encontrámos com o Presidente da Câmara de Faro Dr. Joaquim Bacalhau, pudemos invocar um diálogo tão rico entre os vários tempos vividos pela capital algarvia…

 

PEREGRINAÇÃO LOULETANA
Na manhã de sábado iniciamos a peregrinação na Praça da República de Loulé, no Café Calcinha, depois de lembrarmos que estamos no maior concelho do Algarve, composto pelas três zonas tradicionais – litoral, barrocal e serra. Aqui invocamos o poeta António Aleixo, representado pela estátua da autoria do Mestre Lagoa Henriques. O Presidente da Câmara Dr. Vítor Aleixo e a Drª Dália Paulo dão-nos as boas-vindas. E a Drª Luísa Martins, na tradição do Professor Manuel Viegas Guerreiro, invoca o ambiente deste histórico Café (1929), que é o exemplo da memória viva, do património imaterial – e que se chamou Central, Carioca e Louletano. Lembramos nas tertúlias do Calcinha o Doutor Bernardo Lopes, o nosso João Semana, com lugar certo neste ponto de encontro, que celebrizou os folhados de doce de ovos, que são imperdíveis. Falamos do Dr. Frutuoso da Silva, ilustre jurista, que também tinha aqui lugar certo… Seguimos para a maravilhosa Igreja da Senhora da Conceição das Portas da Vila, mandada erigir aquando da Restauração da Independência (1640) – com altar precioso de talha dourada, cobertura de azulejos de grande qualidade artística representando cenas da vida da Virgem e referências aos resultados das investigações arqueológicas sobre as muralhas e as portas da Vila. E segue-se a entrada na autêntica gruta das Mil Maravilhas – com a Drª Isabel Luzia. Fazemos o percurso arqueológico e histórico deste território riquíssimo e deparamo-nos com o célebre “Metoposaurus Algarviensis”, com 227 milhões de anos, antepassado dos dinossauros, e exemplo único descoberto na Rocha da Pena (em Salir). É natural a emoção posta na alusão a esta descoberta que abre perspetivas científicas, que a UNESCO segue com atenção. O sentido pedagógico ressalta neste núcleo onde seguimos do Paleolítico até ao Neolítico, reconhecendo a importância da presença megalítica do Ameixial com as Antas da Pedra do Alagar e de Beringel. Anuncia-se o desenvolvimento de um centro interpretativo onde a Ciência e a Cultura se encontram naturalmente e continuarão a aprofundar essa relação.

 

MILHARES DE VISITANTES
É reconfortante ver milhares de pessoas pedestres, motards, cicloturistas…), visitando os monumentos, frequentando o mercadinho, sentindo o património cultural como presente. E é o momento de chegarmos aos Banhos Islâmicos, projeto de Loulé, como não encontramos outro em Portugal. O edifício «Hammam» -, no coração da cidade constitui um fator essencial para o melhor conhecimento do período anterior à reconquista cristã, sabendo-se da importância para a cultura muçulmana do ritual da limpeza, corporal e espiritual. De facto, mesmo depois da reconquista e do foral concedido por D. Afonso III as práticas tradicionais mantiveram-se, sendo reservada para o rei a posse dos banhos públicos. Atente-se, aliás, na sala quente, na sala temperada e na pequena parte da sala fria, ou nas chaminés… E antecipamos a possibilidade de usufruir a memória. Antecipamos o que será no futuro próximo um verdadeiro exemplo de como se deve cuidar da memória histórica, arqueológica e patrimonial… E sentimos o projeto “Loulé Criativo”, com os caldeireiros, os oleiros e a oficina da empreita de palma, para culminarmos nos ateliês do Convento do Espírito Santo do “Loulé Design Lab”. Património material e imaterial e criação contemporânea – como a Convenção de Faro nos ensina. Almoçamos na Quinta do Moinho, junto da Mãe Soberana, vemos o Centro Cultural de Almancil e a fulgurante igreja de S. Lourenço com os azulejos de Policarpo de Oliveira Bernardes e da sua oficina – e vamos até ao Paço do Concelho para debater os “Itinerários Culturais e o desenvolvimento local”, com o Arquiteto Fernando Pessoa – que propõe como símbolo para o património natural e paisagem: a pega azul ou charneco, que o Algarve apenas partilha com o Japão… Urgia ilustrar a força mobilizadora do património cultural. E merecemos um delicioso jantar no Monte da Eira, como um simpático javali suculento e macio… E no domingo de manhã, como não poderia deixar de ser, foi Alte de Cândido Guerreiro que recebeu principescamente a nossa missão – para dizer que o património cultural tem a dimensão humana, tradição e entusiasmo.   

 

Guilherme d'Oliveira Martins
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