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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

MEDITANDO E PENSANDO PORTUGAL

 

7. NÃO CULPEM NEM SACRALIZEM O MAR (I)

 

O mar, para nós, portugueses, sempre foi admirado, amado, glorificado, mitificado,   temido e culpabilizado, pela sua presença física avassaladoramente inevitável e ser parte integrante da nossa História e identidade. 

 

Sempre foi, e é, um interesse permanente. Pela sua imutabilidade e irrefutável geografia marítima e situação geográfica de Portugal.

 

Há uma conceção imperialista do mar, assente num discurso habitualmente efusivo, lembrando “o Mundo que os portugueses criaram”, a sua ação “civilizadora”, que viabilizou que o nome de Portugal integre intemporalmente a História Universal.

 

Sem patriotismos exaltados, atente-se nas sugestivas palavras da historiadora inglesa Elaine Sanceau:

 

“Portugal descobriu dois terços da terra (…) basta olhar para um mapa para ver a maravilha de tal feito e reparar na pequena dimensão deste País localizado na periferia ocidental da Europa (…) cuja população andaria, em 1500, por dois milhões de cidadãos (…) que se estendeu por três continentes e dois oceanos, promoveu portos comerciais e construiu fortalezas à volta de África, dominou o oceano Índico desde Moçambique até às Molucas, estabeleceu contactos com a China e o Japão e, no hemisfério ocidental, estava colonizando os imensos espaços do Brasil: impossível, ter-se-á exclamado ao ouvir isto pela primeira vez: obviamente impossível - mas aconteceu”[1].

 

Esta relação instintiva e imemorial, assim contextualizada, foi associada ao Império Português.   

 

Findo o Império, desvaloriza-se e substitui-se a sua presença omnipresente por uma  conceção que o secundariza, passando a ser, no essencial, apenas contemplado e usufruído em termos de lazer, tendo o discurso do mar como passadista e saudosista, que pouco nos vale no presente e servirá no futuro, pois o tempo não volta para trás.

 

É o Portugal terra e raiz, da finisterra ibérica, do regresso às origens, contrário à dura e  não lucrativa aventura em regiões que estão além do nosso mar, o Portugal europeu e europeísta. 

 

Perdido o império colonial, a ausência de interesse pelo mar foi corroborada por um novo e grande desígnio: a adesão e integração na Comunidade Económica Europeia. A reconversão de Portugal é uma opção europeia pela continentalidade, em que a Europa passa a exercer uma atração centrípeta no plano económico, cultural, social, psicológico. As alterações estruturais da nossa economia conduziram a uma maior dependência dos corredores terrestres, nomeadamente do transporte rodoviário, ligadas a uma visão de inserção geoeconómica nas economias europeias, em detrimento do transporte marítimo e da frota mercante nacional. 

 

Se antes virávamos costas à Europa, a começar por Espanha, e apesar de sempre europeus de pleno direito, passámos a virar as costas ao mar, embora uma nação marítima debruçada para o Atlântico.

 

Tido, por muitos, como um anacronismo do passado, e contrário, na sua maritimidade pluricontinental, à continentalidade eurocêntrica da União Europeia, foi desvalorizado, rejeitado e culpabilizado. 

 

Da rejeição das teorias míticas e ideias messiânicas da “salvação da Pátria”, alegadamente retrógadas, seria de esperar, à luz do modernismo que ambicionávamos e ambicionamos, que a adesão europeia não fosse uma nova redenção tão ansiosamente esperada. Mas foi-o. Mesmo que se pense que “O que está errado é que a ideia de Europa nos tenha deslumbrado tão profundamente, ao ponto de acharmos que nos podíamos dar ao luxo de dispensar a nossa geografia, e de nos abstermos de explorar o nosso recurso principal - o mar -, esquecendo-nos do que somos e de onde vimos. O que é pena é que não tenhamos percebido que era (…) nessa nossa ligação com o mar (e através dele com o resto do mundo) que estava o conteúdo mais valioso do nosso contributo para o projeto europeu”[2].

 

Com milhares de quilómetros de costa sobre o oceano e, ao mesmo tempo, uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa, seriam razões suficientes para Portugal ser um país marítimo. Vivendo, em termos económicos e geopolíticos, nas últimas décadas, de costas voltadas para o mar, é um país com mar, mas não é hoje um país marítimo. 

 

À perceção imperialista e passadista, há a necessidade de afirmação de uma conceção do mar ligada a um desenvolvimento sustentável, à preservação da natureza, em comunhão e conjugação de esforços com a ciência, a inovação, a tecnologia, a que acresce à geografia presente, a que se projeta no futuro, através do levantamento e delimitação da sua plataforma continental.  

 

16.10.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

 

 

[1] Palavras citadas e retiradas do livro Direito Internacional do Mar e Temas de Direito Marítimo, de Luís da Costa Diogo e Rui Januário, Áreas Editora, Lisboa 2000, p. 13.

[2] Pitta e Cunha, Tiago, Portugal e o Mar, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011, p. 12.

 

LITERATURA VIVA!

 

TU CÁ TU LÁ

COM O PATRIMÓNIO

 

Nova série. 19.10.2018

 

Esta semana lembrei-me de ir a um maço, guardado num lugar recôndito da biblioteca,  onde estão números antigos da “presença – folha de arte e crítica” e dei-me a recordar referências antigas. Fiquei no início de tudo, em março de 1927, no texto emblemático de José Régio sobre “Literatura Viva”. Com João Gaspar Simões e Branquinho da Fonseca, tratou-se de, sob a inspiração dos modernistas de “Orpheu”, iniciar um novo tempo que demoraria a afirmar-se. E se digo que demoraria a afirmar-se é porque os jovens presencistas não foram os iconoclastas de 1915. O que fizeram, sim, foi proclamar o reconhecimento do contributo decisivo de Fernando Pessoa e dos seus. E se em determinado momento houve uma especial irritação com Eduardo Lourenço por ele ter estabelecido a distância entre o “Orpheu” e a “presença”, usando a palavra “contra-revolução”, a verdade é que o ensaísta de “Pessoa Revisitado” não usou a expressão com sentido político, mas com jaez metafórico. Os doze anos que separavam as duas revistas tinham muito que se lhes dissesse. Houve um compasso de espera de uma terrível guerra que durou trinta anos – e o presencismo tomou as devidas cautelas, não embarcando em qualquer unilateralismo. À Literatura o que era da literatura, sendo que a liberdade criadora, deveria ser posta em lugar cimeiro. Aqui completavam a geração de “Orpheu”, pondo mesmo a liberdade na ordem dia, sem ambiguidades que os modernistas alimentaram no fascínio mussolinesco. Fernando Pessoa desdobrou-se nos registos diferentes dos heterónimos e tornou-se progressivamente cada vez mais interessante, para além de um certo nacionalismo, que era moda do tempo. A “presença” admirava o cultor e os cultores da literatura viva, demarcando-se da mera função social da arte… Punham a tónica na palavra, na expressão artística, na liberdade criadora. Em arte seria vivo tudo o que era original. E a esta luz li o primeiro editorial da revista e tudo o que isso significava, de liberdade e autonomia – a começar pelo reconhecimento do génio de Pessoa e dos seus, sem preconceito nem limitação… Era, no fundo, a originalidade que admiravam.

 

Eis a célebre prosa Regiana:     

 

«Em arte, é vivo tudo o que é original. É original tudo o que provém da parte mais virgem, mais verdadeira e mais íntima duma personalidade artística. A primeira condição duma obra viva é pois ter uma personalidade e obedecer-lhe. Ora como o que personaliza um artista é, ao menos superficialmente, o que o diferencia dos mais, (artistas ou não) certa sinonímia nasceu entre o adjetivo original e muitos outros, ao menos superficialmente aparentados; por exemplo: o adjetivo excêntrico, estranho, extravagante, bizarro... Eis como é falsa toda a originalidade calculada e astuciosa. Eis como também pertence à literatura morta aquela em que um autor pretende ser original sem personalidade própria. A excentricidade, a extravagância e a bizarria podem ser poderosas - mas só quando naturais a um dado temperamento artístico. Sobre estas qualidades, o produto desses temperamentos terá o encanto do raro e do imprevisto. Afetadas, semelhantes qualidades não passarão dum truque literário.


Pretendo aludir nestas linhas a dois vícios que inferiorizam grande parte da nossa literatura contemporânea, roubando-lhes esse carácter de invenção, criação e descoberta que faz grande a arte moderna. São eles: a falta de originalidade e a falta de sinceridade. A falta de originalidade da nossa literatura contemporânea está documentada pelos nomes que mais aceitação pública gozam. É triste - mas é verdade. Em Portugal, raro uma obra é um documento humano, superiormente pessoal ao ponto de ser coletivo. O exagerado gosto da retórica (e diga-se: da mais sediça) morde os próprios temperamentos vivos; e se a obra dum moço traz probabilidades de prolongamento evolutivo, raro esses germes de literatura viva se desenvolvem. O pedantismo de fazer literatura corrompe as nascentes. Substitui-se a personalidade pelo estilo. Mas criar um estilo já é ter uma personalidade. E quem não tem personalidade só pode ter um estilo feito, burocrata, erudito, amassado de reminiscências literárias, de auto-plágios, e de pobres farrapos sobreviventes ao naufrágio. Assim se substitui a arte viva pela literatura profissional. E é curioso: Só então os críticos portugueses começam a reparar em tal e tal obra: Quando ela exibe a sua velhice precoce e paramentada. Regra geral, os nossos críticos são amadores de antiguidades. Em vez de lhes alargar o gosto, a erudição amarelenta-lhes a alma... Mas esta é outra questão, bem digna de ser tratada menos acidentalmente. Volto ao meu assunto, e suponho agora um exemplo talvez mais consolador: O escritor português tem e mantém uma personalidade. Pergunto: É essa personalidade suficientemente rica para que produza uma obra rica de conteúdo e de continente, de substância e de forma? É regra geral - presto homenagem às exceções - os nossos artistas terem uma mentalidade insuficiente; uma sensibilidade por vezes intensa, mas reduzida; e uma visão unilateral da vida. Esgotados em dois ou três livros, repetem-se confrangedoramente. E o seu progresso é puramente linguístico, superficial e negativo, porque breve a língua deixa de ser um meio vivo de expressão artística. É um instrumento quase inútil, que se aperfeiçoa segundo este ou aquele preconceito». (Presença, número 1, 1927)

 

Agostinho de Morais

 

 

AEPC.jpg   A rubrica TU CÁ TU LÁ COM O PATRIMÓNIO foi elaborada no âmbito do 
   Ano Europeu do Património Cultural, que se celebra pela primeira vez em 2018
   #europeforculture