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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

O Bloco da Carvalhosa (1945-50).

 

Desde a emergência do movimento moderno, a partir de meados dos anos 20, os projetos de habitação coletiva demonstram um gosto pela cultura moderna (urbana, rápida e exposta a novas tecnologias); pela continuidade espacial (os projetos modernos apesar de separarem os espaços e por vezes diferenciarem a altura dos pés direitos e as proporções de cada divisão, conseguem criar mais ou menos intimidade); pela organização funcional (que facilita as tarefas do dia-a-dia); por reduzir e simplificar todo o programa doméstico (que faz aumentar o fluxo dos espaços internos); por inovar todos os elementos relacionados com circulação; por introduzir novos equipamentos, novo mobiliário e novos materiais (que promovem um ambiente mais leve, mais despojado, mais higiénico, com mais luz e mais ar); e finalmente pela importância das relações entre o interior e o exterior. 

 

Ora o Bloco da Carvalhosa (Rua da Boavista, Porto, 1945-1950), projetado pelos arquitetos Arménio Losa e Cassiano Barbosa, representa uma arquitetura moderna cada vez mais capaz de transformar a vida e a sociedade. Os arquitetos modernos acreditam que, ao seu alcance, está a solução dos problemas humanos - através da manipulação de todo o mundo das formas, desde a intimidade do quarto ao desenho das cidades. O problema central do mundo moderno é o problema da habitação.

 

'Para Arménio Losa os graves problemas das grandes cidades não poderão ser resolvidos à luz dos velhos métodos de urbanismo. (...) Ciência, arte e técnica da organização social das cidades e dos campos, representa o universo supremo da organização do território de modo a permitir o 'desabrochar da pessoa humana'.', Ana Tostões In 'Os Verdes Anos na Arquitectura Portuguesa dos Anos 50.'

 

O Bloco da Carvalhosa materializa uma resposta invulgar, pioneira e única a um programa de prédio de rendimento. A sua expressão formal e linguagem inédita (capaz de criar novos paradigmas) concretiza-se pela singular ocupação do lote, pela inteligente orientação dos espaços internos e pela introdução de um pátio interior. 

 

A ocupação do lote garante uma nova relação com a rua - a fachada ao desalinhar concede uma autonomia, uma outra escala ao edifício, uma afirmação urgente de um novo modo de vida, que rompe com a história e com as tradições. O recuo do bloco cria uma zona de transição, tratada com um pequeno jardim. 

 

A solução aproveita (densamente) o lote em profundidade - o projeto inclui jardim, garagens, pátio e edifício com planta em T (para assegurar iluminação e ventilação dos quartos que estão virados a sul, para o interior do lote) e com seis andares (sendo que o rés do chão ao elevar-se cria uma cave habitável e o último andar recua em relação ao pano de fachada). 

 

O Bloco apresenta uma orientação norte/sul - sendo que a fachada norte é a fachada virada para a rua muito movimentada e ruidosa. Por isso, os arquitetos optaram por organizar os espaços internos de modo a que as zonas de serviço se virassem a norte e as zonas de descanso se virassem para a fachada sul, para o silêncio e para o sol. A distribuição interna assenta numa partição entre os espaços de serviços, os espaços comuns e os quartos. A sala, habilmente encaixada no braço do T e sendo um compartimento amplo, consegue abrir-se para os dois lados (norte e sul). Sendo assim a orientação do bloco segue princípios de comodidade - 'foge-se da rua, caminha-se para a luz e para o ar puro'. E sem dúvida que uma das mais importantes introduções, neste programa de habitação, foi a conceção dos terraços-solário (uma espécie de jardins suspensos ou sala exterior) e de um pátio interior aberto. 

 

Arménio Losa e Cassiano Barbosa buscam, assim, com este projeto uma casa que transporta a ideia de conforto para todos, através de uma exigente comceção espacial adequada ao mundo novo da máquina.

 

Ana Ruepp

FRANCISCO EM PYONGYANG?

 

A notícia chegou completamente inesperada e surpreendente: o Presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, será portador de um convite formal do Presidente Kim Jong-un ao Papa Francisco para que visite o seu país, a Coreia do Norte. E está preparado para recebê-lo em Pyongyang “com entusiasmo”.

 

A Coreia do Norte ocupa hoje o primeiro lugar na lista dos países onde os cristãos são mais perseguidos. Nos princípios do século XX, a capital, Pyongyang, foi chamada “a Jerusalém do Oriente” ou “a Jerusalém da Ásia”. Na Coreia do Norte,  em 1950 viviam ainda mais de 55.000 católicos, com 57 igrejas construídas, com missionários, escolas católicas e actividades pastorais florescentes. A perseguição tinha começado antes, mas acentuou-se com a guerra da Coreia e o brutal regime instalado: as igrejas foram arrasadas, os cristãos, católicos e protestantes, mortos ou enviados para campos de concentração, num processo de eliminação de qualquer presença religiosa. As comunidades católicas tornaram-se verdadeiramente a “Igreja do silêncio”. Hoje existe apenas uma igreja católica, construída em 1988, mas sem padre nem religiosos nem baptismos. Na capital, os católicos  serão uns 800 e, dispersos por toda a Coreia do Norte, uns 2 ou três mil; no entanto, é convicção de padres do Sul, que estiveram no Norte, que o número pode ser muito superior: haverá muitos homens e mulheres que continuam a viver a sua fé em Cristo de modo  íntimo, sem possibilidade de exprimi-la publicamente. O regime é ateu, mas, a partir de 1989, com a queda do bloco comunista, reconheceu uma “Associação Católica” e uma “Federação Cristã”, que são duramente enquadradas e controladas pelo Governo. Alguns contactos informais têm tido lugar em Roma entre representantes norte-coreanos e diplomatas do Vaticano, revela o jornal La Croix, que também escreve que em 2017 um diplomata norte-coreano declarou expressamente a um seu enviado especial à Coreia do Norte que “as organizações humanitárias católicas faziam um trabalho muito bom na Coreia do Norte; são sérias, eficazes e nós confiamos, pois são mais honestas e sinceras do que outras grandes organizações laicas que nos enviam espiões”.

 

Como reagirá o Papa Francisco ao convite? Ele vai receber no próximo dia 18 o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, um católico fervoroso, que lhe entregará o convite oficial do líder norte-coreano. Nesse dia, o secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, um diplomata reconhecido e prestigiado internacionalmente, celebrará uma Missa na Basílica de São Pedro pela “Paz na península coreana”, na qual participará o presidente Moon.

 

Possivelmente o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, é o grande artífice da presente situação cada vez mais distendida na península coreana, no quadro de uma nova ordem, que poderia estar inclusivamente a caminho de uma união entre as duas Coreias; para um dos encontros inter-coreanos convidou também o presidente da Conferência Episcopal Coreana, que esteve presente. O convite do líder norte-coreano ao Papa surge no contexto dessa reconfiguração geoestratégica, estando previsto que Kim Jong-un visite Seul, visitando também proximamente Moscovo, ao mesmo tempo que se espera uma visita do presidente chinês,  Xi-Jinping, a Pyongyang, e outro encontro entre Kim e Donald Trump poderá acontecer em breve. Por outro lado, Kim, que é sabido ser um ditador cruel e que poderia correr o risco de uma sublevação por parte da população esfomeada, quererá mudar a sua imagem, agora uma imagem de homem pacífico; e que solução melhor para isso do que o convite a Francisco, líder político-moral global e símbolo do combate a favor do diálogo e da paz?

 

E se Francisco fosse visto em Pyongyang? Ele visitou a Coreia do Sul em Agosto de 2014. Aquando da cimeira histórica entre Trump e Kim a 12 de Junho passado em Singapura repetiu os  vários apelos que tem feito a favor da paz entre as duas Coreias.  O cardeal Andrew Yeom Soo-Jung, arcebispo de Seul, declarou a propósito do convite: “Dá-me satisfação e conforta-me saber que, durante a sua visita ao Vaticano na próxima semana, o Presidente Moon Jae-in levará consigo a mensagem do líder norte-coreano Kim Jong-un, que deseja convidar o Papa Francisco para Pyongyang. O Santo Padre preocupou-se sempre e preocupa-se com a paz na península coreana e incluiu nas suas orações os coreanos sempre que houve acontecimentos importantes na história recente. Espero que estes esforços ajudem a construir uma paz genuína na península da Coreia. Sobretudo como administrador apostólico de Pyongyang, rezo sinceramente para que em breve possamos enviar sacerdotes e religiosos e religiosas para o Norte e celebrar juntos os Sacramentos.”

 

Francisco tem a convicção de que o futuro do cristianismo se joga em grande parte na Ásia. Está prevista uma viagem sua ao Japão no próximo ano e não se deverá esquecer que este convite vem também na sequência do acordo de 22 de Setembro passado entre o Vaticano e Pequim sobre a nomeação em conjunto dos bispos da República Popular da China. Este acordo será o tema da minha próxima crónica.

 

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia
Escreve de acordo com a antiga ortografia
Artigo publicado no DN | 13 OUT 2018