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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

 

Viver na vulgaridade é banalizar-se como utensílio da sua rotina

 

A tentativa de ocultação do vazio e da própria morte cria um espaço de sombra no qual desejar é ser incapaz de desejo.

 

Li hoje o texto que escreveu para o DN e transcrito para o nosso blogue, de Anselmo Borges e desde já muito agradeço a Sua reflexão.

 

Curiosamente vou levando até um deserto uma especial estrela que me fala da morte desde há muito, e, que aos poucos, pela literatura e pela vida, me conduz ao discorrer sobre a razão do fundo turvo, puro ponto de negatividade, no qual, nos dias de hoje, o medo foge do medo, abraça a ignorância e uma hipotética arte de argumentação a respeito é equivalente a zero.

 

E não é de bom-tom como se afirma no texto que referi, falar da morte e do seu tabu, quando na nossa sociedade nada se sabe como se trata, o como se morre, e o tabu da morte impõe-se, já que esta também só bate à porta dos outros. Afinal o mundo que vale a pena é o do capital circulante dividido outrora por um tratado que demarcou os limites de um universo com desprezo pelos seres, separando-os, confiscando-os e desamando-se uns aos outros para que depois de torturados, após as confissões, possam perder o valor e serem eliminados. Aqui a morte?

 

Não! Aqui o seu rival.

 

Tudo se precipita como numa mise-en-âbime e surge uma parcela que simula o Todo quando a morte é um mistério, por óbvio, desconhecida dos vivos, e a fraude do desprezo por ela, inibe as condições da ideia como na caverna platónica. E lá vou com a minha especial estrela ao tal deserto no qual ainda me resta a pulsação do meu sentir pela dor dos outros que até hoje nenhuma des-razão venceu.

 

Contudo, aqui e além e muitas vezes sou espectadora dorida do irreversível e do insuperável quando a morte me alerta que me não sei despegar da minha consciência, e num cenário tão extremo volto a olhar para o tempo por viver e nele

 

«Um anão ressuscitado não é menos espantoso que um gigante, e assemelha-se mais a um gigante ressuscitado do que se lhe assemelha um gigante morto.»

                          Malraux

Enfim a morte de que falamos converge para uma disciplina de engenharia genética ou robótica para que lhe seja conferida a tarefa uniformizadora mais definitiva e assim a insensibilidade dos sentires realiza completamente o titanismo. E sim, a morte faz a triagem entre o que vale ou não a pena: a energia da minha estrela já mo fez saber.

«Para onde quer que nos voltemos, o nosso espírito não encontra senão o vazio, quando o espaço está repleto.»

                          Artaud

O abismo seduz quem se aproxima de uma partida definitiva que ainda pode ser impedida, e, se o faz, ou, se o consegue será sempre pelo poder da mercadoria ávida de enfrentar e derrubar a teia imensa do entendimento do amor pelos homens entre si; e, cada vez mais este abismo forma um novelo cego que aperta esfolando a fundo os braços da minha estrela: aquela, única, com a qual vou ao deserto desafiar a decifração da morte, e ela surpreende, se supera e exímia de tanta inocência me recorda

«(…) Na paz, os filhos enterram os pais; na guerra, os pais enterram os filhos.»

         Heródoto

         (fala Crespo)

E no confronto com a morte quando ela não é tabu, bem creio que se insinua um saber de liberdade no instante trágico e efémero dos homens, de saborearem o amor vivido sem o amparo da eternidade.

 

Afinal todos somos sem sandálias.

 

Todos somos a nossa impossibilidade ainda que viver na vulgaridade é banalizar-se como utensílio da rotina, esta é minha convicção.

 

Acresce que bem creio na clara impiedade de um mausoléu que tanto ajuda a petrificar uma vida quando qualquer coisa de dramático no peito aconteceu.

 

«Tu que no fundo dos tempos,

No Nada de uma noite,

na Não-noite, revi,

tu(…)»

       

Paul Celan

 

Teresa Bracinha Vieira